Esse é um texto sobre os técnicos brasileiros no futebol brasileiro. Ele também é sobre a presença dos técnicos estrangeiros por aqui. Não cabe julgar ninguém, no sentido de o fato de pertencer a uma nacionalidade específica habilita alguém, ou não, a obter legitimidade em uma determinada função.
O propósito é discutir nossa cultura esportiva, com as contradições e conflitos que nos levam a pensar sobre nós mesmos.
A presença de técnicos advindos de outros países no futebol brasileiro é uma realidade. O sucesso deles por aqui, somados aos resultados negativos em Copas do Mundo FIFA das duas últimas décadas, fez com que a possibilidade de que a seleção adulta masculina de futebol fosse dirigida por alguém vindo de fora se tornasse realidade em maio de 2025.
Os argumentos sobre a presença dos técnicos de outras nacionalidades nos clubes e, também, na seleção, giram em torno da necessidade de se ter os melhores profissionais à frente do comando das equipes. Ao que parece, não há tanta mão de obra qualificada por aqui. Críticas giram em torno de que os técnicos brasileiros têm sido pouco inovadores, e que eles poderiam ter uma melhor preparação, ou mesmo atualização, sendo essas realizadas, por exemplo, na Europa.
Como todo discurso simples para algo complexo, se percebe que há uma tendência à falsa dicotomia, uma dualidade quase excludente entre nacional e estrangeiro. Os ares são de polêmica, em tempos de redes sociais abarrotadas de algoritmos, mas é preciso reconhecer que essas ideias só fazem sentido se esses temas conseguem reverberar na sociedade, furando a bolha dos pequenos grupos.
Ao se ter um estrangeiro como técnico da seleção brasileira de futebol, estamos oferecendo um dos cargos de maior importância em termos de responsabilidade e visibilidade dentro desse esporte, situação que aconteceu apenas para três estrangeiros durante os mais de 110 anos de existência da seleção.
Verifica-se que esse é um tipo de pensamento que pode ser interpretado como os textos relacionados ao novo colonialismo do futebol, quer seja, entidades e profissionais que parecem estar sempre à frente de nós, seja na preparação física, técnica, tática… e é para lá que devemos enviar nossos melhores jogadores, e trazer para cá quem pode nos ensinar como fazer.
Veja também a questão dos tipos de gramados, sejam eles de origem natural ou de grama sintética. Independentemente de quem tem razão, as respostas de boas práticas passam também pelo velho continente, como se lá estivesse a solução.
Mas se é ponto pacífico, ou seja, de que não temos o melhor futebol de clubes do mundo do ponto de vista financeiro, ainda sobrava uma espécie de pleno mercado para os técnicos brasileiros por aqui. Claro que essa movimentação traz inquietações, mas os estrangeiros estão por aqui e tem gente que não gosta desse tipo de situação.
Talvez porque a base de jogadores do nosso futebol é tipo exportação. Talvez porque os sonhos de quem começa por aqui é sempre ir para lá, ainda não tínhamos muitos estrangeiros no comando dos clubes. E a situação mudou. Como exemplo, 8 técnicos estrangeiros trabalhavam na Série A do Campeonato Brasileiro, constituído de 20 equipes, durante o ano de 2024. Ou seja, 40% do total.
O meu argumento é que os fluxos migratórios no futebol estavam relativamente pacificados quanto à presença dos jogadores estrangeiros por aqui. Mas ao inserir os técnicos, sobretudo para o cargo de técnico da seleção brasileira, a mudança tomou ares de nacionalismo, que podem vir a evocar um desejo de reserva de mercado.
Assim, voltamos ao título desse texto, que foi escrito a partir da fala de um comentarista esportivo: um brasileiro com cabeça europeia é uma forma de pensar que deve encontrar sentido em nossa sociedade. Mas, novamente, reforçamos que os estudos sobre o novo colonialismo precisam ser visitados para esses momentos.
Fluxo migratórios que normalmente são desfavoráveis para os países que tem como objetivo formar e exportar pés de obra qualificados para outros centros do futebol, mas que tem dificuldade de enviar profissionais para a ocupação de liderança ao redor do mundo. Esse seria um passo importante, na medida em que essa posição é uma das mais privilegiadas no topo da pirâmide de trabalho, e ainda não temos uma escola brasileira de técnicos de futebol.
Afinal, não importa de onde a pessoa veio, mas o quão competente ela é, não é isso?
Claro que não. Etnia, gênero, classe social e nacionalidade importam, ainda mais em um mundo dividido pelos logaritmos das redes sociais. Esses temas emergem às vezes de forma escancarada, às vezes de forma velada, mas revelam um pouco de nós, em nossas construções de identidade enquanto nação.
Cabe a todos nós refletirmos sobre isso.
Fontes:
[1] Cf. Seleção já teve três técnicos estrangeiros na história; relembre | seleção brasileira | ge
[2] Bale, J., & Cronin, M. (Eds.). (2003). Sport and Postcolonialism (1st ed.). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781003086772
[3] Cf. Lucas: “Não precisa ser gramado de Premier League, pode ser nota 7” (uol.com.br)
[4] Cf. Luxemburgo e Oswaldo Oliveira criticam técnicos estrangeiros no futebol brasileiro
[5] Cf. Saiba quais são os técnicos estrangeiros atuando no Brasil em 2024
[6] Cf. Bing Vídeos
[7] Damo, A. S. Do dom à profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França. Tese de Doutorado em Antropologia Social. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005.