Revivendo um bate-papo com o criador da camisa canarinho da seleção brasileira

Nunca se falou tanto em cor de camisa da Seleção Brasileira como nas últimas semanas. Os rumores de uma possível mudança na cor do 2º uniforme do Brasil para a Copa do Mundo de 2026 tomaram conta das redes sociais, dos programas esportivos e das rodas de conversa país afora. Esse interesse todo – em manter ou modificar as vestes da Seleção – só me fez reviver na memória uma das entrevistas mais marcantes que fiz na carreira de jornalista esportivo, com Aldyr Garcia Schlee, o criador da camisa canarinho da Seleção Brasileira de Futebol. A conversa ocorreu por telefone, em abril de 2010, época em que era repórter do caderno de esportes do jornal O POVO, veículo impresso mais tradicional de Fortaleza-CE. Em 2018, oito anos depois do nosso bate-papo, Aldyr faleceu, aos 83 anos. Em tributo ao Criador da Amarelinha, relembro os principais pontos da nossa conversa. 

Foto: Divulgação

Antes de mais nada, é preciso contextualizar como Aldyr se tornou o inventor da camisa canarinho. Como reação à dolorosa perda do título na Copa de 1950, na fatídica decisão com o Uruguai conhecida como Maracanazo, a Confederação Brasileira de Desportos (hoje, CBF) decidiu trocar a cor do uniforme da Seleção Brasileira, entendendo que o modelo utilizado até então – com camisa e shorts brancos – dava azar. Em parceria com o jornal carioca Correio da Manhã, a CBD lançou, em 1953, um concurso de ideias para escolher uma nova vestimenta que contemplasse as quatro cores da bandeira brasileira. O concurso reuniu mais de 200 concorrentes. Entre eles, surgiu um jovem desenhista gaúcho, então com 19 anos, com uma ideia que impressionou a banca julgadora da seleção. O vencedor do concurso propôs um modelo em que a cor da camisa fosse amarela com detalhes verdes na manga e na gola, short azul e meias brancas. Nasceu ali, a camisa canarinho, a famosa Amarelinha, com a qual o Brasil viria a ganhar cinco Copas do Mundo. 

Mas afinal, como surgiu a inspiração para a criação da camisa canarinho? Aldyr contou, na conversa que tivemos, que realizou inúmeros testes antes de decidir propor a versão final para o concurso. “Até chegar nesse modelo, tentei centenas de combinações imagináveis. Escolhi o amarelo e o verde na camisa por serem cores imponentes. O azul é forte e a meia branca dá uma impressão de grandeza aos jogadores”, explicou. 

Na época em que foi lançada (1953, visando a Copa do ano seguinte), o uniforme canarinho não causou tanta repercussão na imprensa e entre os torcedores. Contudo, com o passar dos anos, a camisa canarinho se tornou um símbolo esportivo do esporte brasileiro para o mundo, dos mais respeitados. Afinal, das cinco primeiras vezes em que a Amarelinha foi usada em Copas, o Brasil ganhou três títulos (1958, 1962 e 1970). “Naquela época a camisa esportiva representava algo transitório, mas os resultados a fizeram ser o que ela é hoje”, comentou na entrevista, Aldyr. 

O detalhe mais curioso envolvendo o criador da camisa amarelinha é que ele, na verdade, não torcia para a seleção brasileira, mas sim para o Uruguai, país algoz do Brasil na Copa de 1950. Uma escolha, segundo ele, justificada pelas suas raízes de criação. “Nasci em Jaguarão, cidade (gaúcha) brasileira que fica na fronteira com o Uruguai. Toda a minha formação cultural e as notícias de futebol que tive na infância eram de lá. E os demais serviços que precisei na vida, como médico, eu encontrava lá”, explicou Aldyr. Apesar da preferência pela Celeste, o criador da Amarelinha deixou claro que ama o Brasil, seu país natal. “Não é possível cobrar patriotismo de alguém só por causa de futebol. São coisas totalmente diferentes”, argumentou. Aldyr Schlee era torcedor do Nacional, do Uruguai, e também apaixonado pelo Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas-RS (cidade próxima ao sítio onde morou os últimos anos de vida, em Capão do Leão-RS). 

Foto: Divulgação

Aldyr, que fez carreira como escritor e escreveu dezenas de obras, como “Contos de Futebol”, lançado em 1997, era um crítico das transformações que a camisa da Seleção sofreu ao longo dos anos, com novos modelos que descaracterizam a ideia original do amarelo, azul e branco que consagrou o uniforme. “Hoje as alterações só visam formas de se vender mais. A camisa virou uma mercadoria”, contou a mim.

Críticas às mudanças feitas no uniforme da Seleção  

Na entrevista, feita pouco antes da Copa de 2010, na África do Sul, o criador da Amarelinha disse ter reprovado o uniforme número 2 da seleção para aquele Mundial, de cor azul com detalhes de amarelo em destaque . “Achei um absurdo a atual camisa nº 2 que será usada nesta Copa, que é azul com detalhes amarelos. Isso é um absurdo. Isso é o quê, a camisa da Suécia? Defendo, acima de tudo, que uma seleção preserve em sua camisa as cores do País. Só isso”, afirmou Aldyr. Fica claro, portanto, que, caso estivesse vivo, o criador da Amarelinha seria mais um a criticar a tentativa de mudar as cores do uniforme que ajudou o Brasil a se tornar a Seleção mais vitoriosa do futebol mundial.  

Foto: Divulgação

 

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