
Eu lia seus livros e seus textos e pensava: “um dia quero escrever coisas assim”. Então, certa vez, tomei coragem e fui a uma reunião do NEPESS – Núcleo de pesquisas sobre Esporte e Sociedade, na Universidade Federal Fluminense. O professor Marcos Alvito cedeu a fala aos novos participantes do grupo, entre os quais estava eu, cheia de vergonha, dúvidas e um imenso encantamento por aquela figura que estava de pé nos observando. Era Simoni Guedes que me disse: “seja bem-vinda”.
Era uma simples frase, mas que vindo dela soou como uma espécie de bênção acadêmica. Com o tempo, nossos laços foram se estreitando e confesso que conhecer de perto e ter convivido com Simoni Guedes foi um dos maiores presentes que ganhei da vida. Certamente esse sentimento é partilhado por inúmeras outras pessoas que hoje devem estar com um sentimento de orfandade devido ao falecimento daquela que foi uma precursora nos estudos acadêmicos sobre o esporte. Mais que isso, daquela que inspirou gerações de estudantes e pesquisadores que como eu nutria por ela um sentimento de admiração e respeito não somente pelo seu trabalho, mas por sua grandeza e generosidade humana.
Costumava chamá-la de diva. Essa foi a palavra que encontrei para tentar nomear o que Simoni Guedes significa para nós. Ela ria quando a chamava assim e confesso que eu ficava envaidecida por provocar nela aquele sentimento de alegria. Isso porque Simoni costumava valorizar cada pedaço bom da vida, característica que creio ter sido fundamental para mantê-la trabalhando ativa e brilhantemente mesmo com a saúde fragilizada. Prova disso foi o prefácio que Simoni generosamente fez para o livro As mulheres no universo do futebol brasileiro que eu e minhas amigas Claudia Kessler e Mariane Pisani acabamos de organizar e enviar para avaliação editorial.
O nome do livro foi escolhido para fazer referência e homenagem ao clássico Universo do Futebol publicado em 1982 e que reunia artigos voltados para a análise acadêmica do fenômeno chamado futebol. Entre os artigos estava o “Subúrbio celeiro de craques”, derivado de uma etnografia feita por Simoni junto aos trabalhadores da fábrica de Bangu. Eu, Claudia e Mariane pensamos que em grande medida nosso livro, assim como a vasta produção sobre a temática da presença da mulher no futebol, se deve a pioneira atuação da mulher Simoni Guedes como pesquisadora do esporte mais popular do país.
Em abril deste ano, Simoni participou do Seminário Copa América 2019, realizado pelo LEME. Foram momentos tensos devido às fortes chuvas que atingiram o Rio de Janeiro nos dias de realização do seminário. Por muito pouco não realizamos esse evento e se o conseguimos, devemos ao esforço da equipe LEME e à generosidade dos palestrantes, entre os quais a nossa querida Simoni que, para um auditório lotado, lançou reflexões sobre as apropriações do verde amarelo da seleção brasileira. Ao lado dela estavam Victor Andrade, David Wood, Pablo Alabarces e eu mediando suas falas.
Simoni está presente em nossas estantes, nas nossas escritas e toda vez que o Flamengo jogar. Sim. Termino falando da característica pela qual Simoni mais gostava de ser conhecida: torcer para o rubro-negro.
Norbert Elias dizia que a “morte é um problema dos vivos”. Eu concordo. Cabe a nós que ficamos, lidarmos com a dor da ausência, preservarmos a memória de quem se foi, cuidarmos de seus legados e agradecermos por termos tido a oportunidade de nossas vidas terem se cruzado.
Eu sou imensamente grata. E sei que não sou a única.