
Uma das principais “firmas de consultoria” do mundo lançou no dia 18 de janeiro, a 26ª edição do seu relatório anual[1] sobre a grana levantada pelos clubes de futebol mais ricos de todo o planeta – e, portanto, quase sempre apenas da Europa.
O “Deloitte Football Money League” é um documento de grande potencial para os pesquisadores do campo de estudos do futebol, principalmente pelo registro histórico e pela apresentação visual bem elaborada. Adiante, falaremos sobre esse documento e porque esse tipo de dado é útil para estudiosos das mais variadas áreas do conhecimento.
O “Money League” não é exatamente o documento mais completo do tipo – os relatórios anuais divulgados pela UEFA, por exemplo, tendem a ser mais completos e complexos[2] -, mas tende a ser uma fonte mais palatável para quem não tem costume de trabalhar com números, por seu design intuitivo e explicações mais objetivas (apenas em inglês).
O relatório trabalha os dados da arrecadação dos clubes em três linhas: “matchday”, que inclui ingressos, planos de “season tickets” e outras receitas relacionadas a estádio; “broadcast”, os valores relacionados aos direitos de transmissão de competições (inclusive premiações); e “commercial”, que envolve o variado leque de possibilidades de exploração da imagem dos clubes, além da comercialização de produtos.
É da soma desses fatores que surge o ranking dos 30 clubes que mais arrecadam no planeta, sendo apenas os 20 primeiros apresentados com maior riqueza de detalhes. Nessa faixa do vigésimo primeiro ao trigésimo, já estiveram clubes brasileiros, como Corinthians e Flamengo, e outros clubes alheios às chamadas “Big 5 Leagues”[3] – grupo das ligas mais ricas do mundo, composta por Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França (necessariamente nessa ordem) -, como portugueses, neerlandeses, turcos ou russos.
A ampla maioria dos clubes ranqueados vem dessas 5 grandes ligas, mas com especial presença de ingleses. Um dos pontos mais interessantes que o acompanhamento histórico desses dados permite captar – o número de ingleses listados no ranking segue crescendo, tomando espaço de tradicionais clubes das outras ligas, como mostra o quadro abaixo.

O número de ingleses entre os clubes que mais faturam tem crescido nos últimos anos. Fonte: Irlan Simões
Isso se deve pela posição dominante da English Premier League, a liga inglesa, que hoje consegue auferir valores na venda dos direitos de transmissão extremamente superiores do que aqueles alcançados nas ligas vizinhas. Em termos absolutos da soma dos valores arrecadados (em todas as linhas), a Premier League (€5,4 bi) consegue bater os valores da liga da Espanha (€3,1 bi) e da Itália (€2,3 bi) juntas.
A grandeza dos direitos de transmissão – e um mecanismo que garante a divisão equilibrada desses valores entre os grandes e o resto – faz com que clubes ingleses modestos consigam ter faturamentos equiparáveis a grandes forças do futebol europeu, como Juventus, Milan ou Lyon. Não é raro ver clubes de segundo ou terceiro escalão, como West Ham, Leeds United ou Crystal Palace ocupando posições de destaque.
Isso significa que mesmo os clubes menos badalados da Inglaterra possuem poder de fogo para disputar jogadores com os principais clubes dos países vizinhos. Também significa, por outro lado, que conseguirão formar novas gerações de consumidores de futebol completamente acostumados com a concentração de talentos em uma única liga. Salvo os super-clubes dos outros países (Real, Barcelona, Bayern ou o “artificial” Paris Saint-Germain), todo o futebol europeu “de elite” está condenado à perda de relevância perante ao público global.
Em tempos em que o consumo do futebol também envolve redes sociais, conteúdos audiovisuais e principalmente videogames, esses dados são extremamente relevantes. Por isso, o campo de estudos do futebol precisa estar antenado a essas viradas de chave.
A faixa “commercial” é o principal ponto de diferenciação entre os “super-clubes” e os demais. É dela que se percebe como são poucos os clubes que conseguem atingir e explorar públicos consumidores (ou o mercado publicitário) de outros países e continentes. Por exemplo: o Manchester United (€309 mi) arrecada quase três vezes que o Atlético de Madrid (€ 108 mi), e parte disso está relacionado a contratos específicos para certas regiões.
Pela segunda edição consecutiva, agora com o realinhamento da indústria do futebol após as restrições impostas pela pandemia, o líder do ranking voltou a ser o Manchester City, clube bancado por investimentos massivos do Abu Dhabi United Group (ADUG), grupo financeiro alinhado aos interesses geopolíticos desse emirado.
A posição atual é significante porque ao longo de duas décadas o clube manteve sua projeção por causa desses aportes (registrados como patrocínio), mas após uma série de conquistas esportivas e consolidação do status global da sua marca, o City já tem algum brilho próprio: arrecada €373 milhões em “commercial”, valores bem superiores àqueles oriundos de contratos estabelecidos com empresas vinculadas ao ADUG. Não que dinheiro seja um problema para os seus proprietários.
Em suma, o acompanhamento e uma ideia panorâmica das proporções do futebol dessa quadra histórica pode ser muito útil para pesquisadores das mais variadas áreas do campo de estudos do futebol. Há uma nova geração sendo formada em um novo mundo de imagens e de pouquíssimos super-clubes.
[1] Relatório disponível em:https://www2.deloitte.com/uk/en/pages/sports-business-group/articles/deloitte-football-money-league.htm
[2] Balanço disponível em: https://www.uefa.com/insideuefa/news/0272-145b1973c53e-73c44f7c7240-1000–europe-s-united-front-detailed-in-new-club-landscape-report/
[3] Da tradução livre do inglês, as “cinco grandes ligas”