A vez do preto?

Quando Mario Filho escreveu o capítulo “A vez do preto” – para finalizar a segunda edição do livro “O Negro no Futebol Brasileiro” – ele acreditava estar resolvida a questão do preconceito racial no esporte. Empolgado com as conquistas das Copas de 1958 e 1962, o autor, por excesso de esperança ou leviandade (debate no qual não pretendo entrar), tentou propagar a ideia de que o esporte havia se tornado um espaço livre desse tipo de discriminação.

No entanto, cinquenta anos depois da publicação do texto, nossa sociedade ainda tenta resolver esse problema. Estudos acadêmicos já deram conta de expor os acertos e as distorções cometidas por Mario Filho em sua obra. O que não se conseguiu até hoje foi encontrar formas eficientes de banir o racismo do esporte. Assim como em todas as outras esferas da vida cotidiana, manifestações racistas acontecem semanalmente nos estádios de futebol. E não se trata de um problema restrito às arquibancadas. Dentro do gramado são inúmeros os exemplos de ofensas.

No dia 28 de agosto, o goleiro Aranha foi alvo de insultos racistas durante o jogo com o Grêmio, em Porto Alegre. Câmeras de TV flagraram torcedores ofendendo o atleta e o time gaúcho acabou excluído da Copa do Brasil. A punição e a perseguição a uma única torcedora responsabilizada pela agressão envolveram a mídia esportiva novamente. Tudo isso evidenciou a incapacidade dos meios de comunicação discutirem o problema de forma satisfatória.

A dificuldade em se tratar do assunto e a falta de familiaridade da imprensa esportiva com algo infelizmente tão corriqueiro chamou a atenção. Muitos cronistas preferem negar a existência do problema usando um argumento que não se sustenta além da segunda linha. Afinal, é verdade que a elite do nosso futebol é um dos únicos espaços onde a população brasileira afrodescendente tem a chance de se manifestar de forma proporcional. No entanto, essa presença não garante que todos sejam tratados de forma igualitária. Além disso, essa representatividade precisa estar manifesta também em outros segmentos sociais e mesmo dentro do próprio esporte. Não termos dirigentes e treinadores negros nas mesmas proporções são os primeiros indícios de que não experimentamos uma democracia racial.

Há ainda um raciocínio rasteiro que diz que expressões racistas fazem partem do universo do futebol. De fato, sempre fizeram e continuam presentes. Porém, não vivemos numa sociedade imutável, a luta por melhorias precisa ser constante e banir a discriminação é um avanço necessário. Esse argumento ignora a dor de quem é perseguido e tem as suas oportunidades diminuídas. Não leva em conta, ainda, que ninguém é obrigado a conviver com ofensas, insultos e brincadeiras depreciativas.

Se por um lado as Ciências Sociais e Humanas já conseguiram colocar os “pingos nos is” e alertar que a democracia racial nunca foi plena no esporte, tenho grande dúvida se caminhamos na direção certa para extinguir esse problema do nosso cotidiano. O racismo se manifesta no mundo inteiro. Diferente de outras mazelas, não há modelos internacionais para serem colocados em prática. Não há solução imediata. Placas ao redor do gramado, discursos antes dos jogos e mensagens pelo sistema de som do estádio não serão suficientes.

Lembrar que era negro o mais completo jogador de futebol, poderia ser o bastante para acabar com qualquer manifestação preconceituosa. Mas quando Pelé prefere minimizar os efeitos de uma agressão racista, fica evidente que ainda temos um longo caminho a percorrer. Cobrar da mídia uma postura menos passiva é um caminho. Mas, mais do que isso, é fundamental analisarmos nossas atitudes cotidianas, tentar mudar e exigir mudanças.

3 thoughts on “A vez do preto?

  1. Bom texto João. Essa passagem aqui, “não experimentamos uma democracia racial”, resume o meu pensamento. Vivemos em uma sociedade preconceituosa, é um problema cultural. Isso se manifesta nos mais diversos segmentos, futebol não é exceção. Devemos transformar a CULTURA brasileira.

  2. Bom texto João. Essa passagem aqui, “não experimentamos uma democracia racial”, resume o meu pensamento. Vivemos em uma sociedade preconceituosa, é um problema cultural. Isso se manifesta nos mais diversos segmentos, futebol não é exceção.

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