Amor e ódio

Você sabia que nas finais das Copas de 1994, 1998 e 2002, contra Itália, França e Alemanha, respectivamente, a maioria dos argentinos queria que o Brasil vencesse? Até mesmo no “Olé”, que provocou o Brasil durante toda a Copa de 2002, 56% dos internautas entrevistados preferiam que Brasil ganhasse da Alemanha na final. E o Brasil estava indo para seu pentacampeonato, distanciando-se ainda mais da Argentina. Identidade sul-americana ou admiração pelo estilo de jogo? Após mais de um ano investigando a imagem da seleção brasileira na imprensa argentina, desde a Copa de 1970 até os dias de hoje, afirmo que é mais admiração pelo que eles chamam de jogo bonito do Brasil, sempre escrito em português.

A construção simbólica do futebol argentino é semelhante à do Brasil. O antagonismo entre futebol-arte e futebol-força também é dominante por lá. No entanto, nas duas partidas entre Brasil e Argentina que ocorreram em junho de 2005 – pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2006 e pela final da Copa das Confederações – os argentinos mudaram sua identidade. Dizia-se que para vencer os profissionais do jogo bonito – nós – a seleção argentina deveria jogar com forte marcação e distribuição dos volantes – atributos que seriam típicos do que eles consideram como sendo da formação do futebol inglês. As matérias tinham uma conotação de admiração pelo estilo brasileiro, como se o ideal do fútbol criollo – emblema do futebol argentino – fosse o jogo bonito do Brasil.

Muitos brasileiros são leitores do “Olé” e, às vezes, não entendem sua linha editorial irônica, carregada de humor ácido. “Olé” é assim também em termos locais, como para falar de um Boca-River. Na Copa de 2006, por exemplo, as matérias sobre Brasil tendiam a ser objetivas, apesar de que muitas vezes notava-se a admiração explícita pelo talento dos jogadores brasileiros. Porém, nestas reportagens sobre o Brasil, “Olé” colocava no alto da página a frase: “Atención: esta página contiene mensajes satánicos.” É sarcástico. E se fazem isso somente com o Brasil, evidencia-se que somos o rival. De qualquer forma, mesmo com o sarcasmo em relação ao Brasil, estou convencido de que nós implicamos mais com eles do que o contrário, até porque os argentinos possuem outros rivais, além dos brasileiros, como, por exemplo, os ingleses, os chilenos e os uruguaios.

Poucos sabem que Pelé foi colunista do “Clarín”, jornal tradicional do país, durante várias Copas do Mundo, sendo que em 1990, com Maradona já campeão do mundo em 1986, Pelé é anunciado pelo jornal como o “melhor da história”. O debate sobre quem teria sido o melhor é uma construção recente dos meios de comunicação e, talvez, revele um sentimento de compensação sobre o reconhecimento da superioridade do futebol brasileiro diante do argentino nos últimos 20 anos, com a conquista de duas Copas do Mundo e com vários jogadores brasileiros ganhando a disputa da Fifa sobre o melhor do ano. Além de certa dose de ironia.

Com relação a Maradona, nossa imprensa tem enfatizado, nesta Copa [referência a Copa de 2010], declarações que seriam provocativas do técnico da Argentina ao Brasil. Maradona é, de fato, conhecido por suas declarações bombásticas. Um livro com 1.000 frases ditas por ele – “Maradona Dijo” – foi sucesso editorial na Argentina. Como técnico da seleção argentina, é natural que fale bem de sua equipe e jogadores. Se prestarmos atenção em suas entrevistas na íntegra, podemos observar que parte da nossa imprensa faz uma edição sempre buscando a polêmica.

Além disso, temos observado que a maioria dos comerciais televisivos veiculados no Brasil tem o argentino como único antagonista. Sendo que, em um destes, uma lata de cerveja chama um hermano de maricón. Ainda que estejamos diante de relações jocosas, caberia questionar como nós iríamos encarar um comercial na Argentina no mesmo tom. Sentiríamo-nos ofendidos ou entenderíamos como o resultado de relações jocosas?

Por tudo isso, uma frase do antropólogo argentino e amigo meu, Pablo Alabarces, tem me feito pensar nas relações entre os dois países: “Os brasileiros amam odiar os argentinos, enquanto os argentinos odeiam amar os brasileiros.”

Matéria originalmente publicado na seção de Opinião do Globo Online.

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