As torcidas, as faixas, os territórios

Torcida do Botafogo da Paraíba
Torcida do Botafogo da Paraíba durante partida contra o Paraíba (25/02/2017) |Reprodução: Focando a Notícia

Nada é mais importante para uma torcida organizada de futebol do que suas faixas. Grandes, coloridas, com seus nomes estampados e cuidadosamente desenhados. A bandeira, a camisa, o boné, as músicas têm sua importância simbólica, claro. Mas o caráter fixo da faixa, presa sempre no alambrado do estádio, posicionada para ficar o mais visível possível tanto do campo de jogo como pelas câmeras de TV e pelos outros setores do estádio, dá à faixa uma importância maior no imaginário do torcedor.

A faixa é a prova da própria presença da torcida no estádio. É sua marca, seu cartão de visitas, sua assinatura, o atestado de que eles estão de fato ali. Tanto que a faixa é carregada pela torcida para onde quer que ela vá. Afixada, exibida, orgulhosamente apresentada em área amiga ou hostil.

A faixa é a própria delimitação de um território. E território aqui segundo Haesbaert (2011, p. 78), como algo que se define “antes de tudo com referência às relações sociais (ou culturais, em sentido amplo) e ao contexto histórico em que está inserido”.

Ao longo de minha pesquisa de mestrado em Antropologia, ora em curso, em que pesquiso as torcidas do Botafogo-PB, com suas dinâmicas dentro do estádio e com suas relações com a cidade de João Pessoa, venho observando com uma curiosidade crescente essa relação simbólica do torcedor com suas faixas.

Colocá-la num pedaço de arquibancada é como definir sua embaixada, seu próprio mundo, com suas regras de conduta próprias e com circulação controlada.

Torcida organizada do Botafogo-PB
Faixa da torcida organizada do Botafogo-PB | Reprodução: Organizadas Brasil

Souza (2014, p., 77), por exemplo, ao analisar a questão, trata a faixa de uma torcida organizada como “um elemento simbólico crucial” e que está ligada diretamente à “ocupação de territórios” (Ibid., p., 79).

E, claro, num cenário de rivalidades, conflitos – ainda que numa “perspectiva positiva”, como defendido por Simmel (2011) –, diferenças, como é típico do futebol, a faixa se torna o símbolo maior do sobrepujamento de uma torcida frente uma rival.

Roubar uma faixa, exibi-la pela internet em posições desrespeitosas, rasgá-la em público, é o triunfo maior que uma torcida organizada pode conseguir diante de uma adversária.

Mas, o que é mais curioso na questão da rivalidade futebolísitica, é que ela pode também ser interna – e muitas vezes de fato o é –, envolvendo assim duas torcidas organizadas de um mesmo clube.

Nesse último final de semana, por exemplo, eu estive no Estádio Frasqueirão, em Natal, para acompanhar a partida entre ABC e Botafogo-PB pela quarta rodada da Série C do Campeonato Brasileiro de 2018. Eu estava realizando pesquisa etnográfica, e como sempre faço fiquei posicionado em meio aos torcedores botafoguenses.

No intervalo do jogo, iniciou-se um verdadeiro tumulto dentro do setor em que estavam localizados os torcedores do clube pessoense, com direito a xingamentos e a empurrões mútuos envolvendo integrantes de duas torcidas organizadas do Botafogo-PB.

Um clima de hostilidade crescente iniciado justamente porque um integrante de uma das torcidas tinha pego sem autorização a faixa da outra torcida, afixado-a de cabeça para baixo, tirado uma foto e publicado-a nas redes sociais com um claro tom de deboche.

Um ato deliberado que, mesmo sem agressão física, está permeado de uma violência simbólica que fere o outro. E que gera uma reação quase imediata, essa sim física.

É curioso perceber esses códigos, essas regras, esses simbolismos próprios do futebol.

 

Referências

HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

SIMMEL, Georg. O Conflito como Sociação. Trad. Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 10, n. 30, pp. 568-573, dez. 2011.

SOUZA, Rommel Jorge Barbosa de. Nervos e Emoção: formas de interação entre torcedores organizados da Facção Jovem (Campinense – Campina Grande-PB). 2014. 93 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande, 2014.

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