A emblemática frase é oriunda de um livro de Marcel Detienne, historiador belga, especialista em Grécia Antiga. Em suas reflexões metodológicas o autor defende a importância da comparação nos estudos históricos para compreender melhor as diferenças culturais apontando assim uma abordagem influenciada pela Antropologia que não ficasse restrita a visões nacionalistas.
Entretanto, o que me fez lembrar dessa interessante porém enfadonha obra acadêmica, que li alguns anos atrás, e principalmente ficar com o título na cabeça ao longo da semana foram as matérias sobre o Mundial de Clubes da FIFA disputado no Japão e as comemorações dos 30 anos do título mundial do Flamengo no dia 13 de dezembro.
Quantas pseudo-comparações foram feitas pelos jornalistas nos periódicos tradicionais e em diversos blogs na Internet. O Santos de Neymar com o de Pelé, o Barcelona de Messi com o Ajax de Cruyf, o Flamengo de Zico com o Barcelona de Messi, o Santos de Neymar com o Inter de Adriano Gabiru que venceu o próprio grandioso Barcelona em 2006. Enfim, comparações vazias, indiscriminadas e sem qualquer análise mais profunda.
Uma crônica que li esta semana e me chamou muita atenção também é do Jornal do Brasil, três dias após o título do Flamengo em 1981 (confira aqui a crônica de 16/12/1981). No texto, o Flamengo de Zico é comparado a nada menos que o Santos de Pelé e o título sobre a poderosa equipe do Liverpool é visto como um feito histórico assim como a vitória em três competições em apenas 35 dias. Sei que os torcedores dos outros times vão pensar. “Isso é coisa da imprensa rubro-negra que comanda a mídia nacional, quiçá a mundial”, mas o autor do artigo foi simplesmente João Saldanha, um dos maiores botafoguenses de todos os tempos e uma das mais importantes figuras do jornalismo esportivo do século XX.
Aonde quero chegar nesse post. Os torcedores dos demais times podem ficar calmos, não vou comparar o Flamengo do Zico com o Santos do Pelé, como fez o João sem medo, ou com Barcelona do Messi que deu uma verdadeira aula de futebol no Santos do craque Neymar (no primeiro tempo já tinha definido o título com 3×0) , parecendo que a piada da internet sobre a hipotética partida Fluminense e Barcelona praticamente havia se confirmado. Quem não conhece a brincadeira acesse o link, mas entenda que acho que o “esculacho” sofrido pelo Santos hoje aconteceria com qualquer equipe brasileira e possivelmente do mundo. Esqueceram o passeio do Barcelona no Manchester na final da Champions League?
Confira abaixo os gols da partida de domingo (18/12/2011).
Escrevo essas linhas justamente para compartilhar minha indignação com comparações esdrúxulas entre equipes de épocas diferentes e jogadores de períodos distintos. Não vejo a menor objetividade ao se comparar jornalisticamente por exemplo, o Barcelona contemporâneo ao Ajax da década de 70. Tudo bem, os dois tinham um ótimo time, habilidoso, posse de bola, grandes craques mas eram incomparavelmente diferentes. Assim como o Flamengo de Zico, ou o Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha, ou seja equipes históricas sensacionais, incomparáveis em seus períodos majestosos.
Acordei cedo neste domingo cinzento após um sábado de intensos churrascos de final de ano, um na minha pelada em Vila Isabel e outro no prédio de um grande amigo, onde obviamente o assunto principal era a final do mundial, e mesmo com muito sono não tirei os olhos da televisão diante do incomparável show “globalcatalão”. O irritante era ouvir os comentaristas ao longo da transmissão repetindo as exaustivas comparações apontadas anteriormente. Não tendo o que dizer diante do baile que a boa equipe brasileira estava tomando falaram do Ajax, do Flamengo, da seleção de 1982 – enfim, mais do mesmo.
No intervalo, este grande amigo que também acordara cedo me ligou e estarrecido perguntou: o que é isso Alvaro? E o futebol brasileiro? Como esses caras estão jogando? Respondi, também não sei. É diferente de tudo. É o Barcelona hoje. Será que podemos falar de futebol brasileiro ainda em pleno século XXI? Se botassem a camisa canarinho no Barça junto com o Neymar com a 7, aposto que os saudosistas de plantão poderiam jurar estar vendo o inconfundível estilo brasileiro de jogar futebol.
O Barcelona não tem nem centroavante, minha posição predileta, e mesmo assim é mágico encantador, goleador, ou seja incomparável inexplicável como foram as maiores equipes da história do futebol.
Assim sendo, diferentemente do que é apontado metodologicamente pelo historiador helenista citado no início do texto, que defende “comparar o incomparável” no âmbito das pesquisas históricas, com relação às grandes equipes ou seleções mundiais acredito ser mais importante lembrar, recordar e louvar seus craques ao invés de simplesmente comparar aleatoriamente afim de vender notícia ou ter o que falar ao longo das transmissões. O jogo de hoje poderia ter apenas como fundo um jazz de Glen Miller ou uma sinfonia de Mozart ou mesmo um rock do Led Zeppelin.
Para se fazer uma verdadeira comparação entre duas grandes equipes de períodos distintos seria necessário um estudo aprofundado, teórico-metodológico buscando as semelhanças e diferenças dos períodos históricos, das culturas dos países, do próprio aspecto físico e tático do futebol praticado em cada época, isto é: uma pesquisa séria, empírica e longa.
Como a maior parte dos jornalistas não é muito fã de pesquisas demoradas e complexas vamos deixar de comparar superficialmente as INCOMPARÁVEIS equipes da História do futebol mundial e apenas admirarmos as belas imagens geradas pelo futebol global.








Como disse, os jornalistas são levianos e querem lucro (audiência pra vender aos seus anunciantes) a curto prazo. Por isso não vemos pesquisa séria na área jornalística, especialmente a esportiva. Comentaristas usam sua verborragia da maneira que bem entendem, sem nenhum critério.
Porém, se forem levantados critérios, balises e metodologias adequadas, creio que não existe o “incomparável”. Tudo dentro do esporte pode ser comparado. Exemplos são faltam: Solitários/individuais: Ali X Tyson? Cielo X Thorpe?
Coletivos: Seleção de 1970 X de 2002, ambas campeãs do mundo?
Alguns são realmente tão díspares que se tornam “incomparáveis”. Exemplos?
Pelé no Futebol
Jordan no basquetebol
Bolt nos 100 m rasos
Kasparov no xadrez
etc.
Há de se respeitar sempre as individualidades, em todos os âmbitos. A maior parte das mídias esportivas pecam demais nesse sentido. É um assunto vão e sem respostas conclusivas, de fato. Que isso melhore com o tempo!
OIá, Álvaro:
Parabéns pelo post. Concordo com você em gênero, número e grau. Não dá para comparar uma prática esportiva que demora nas mudanças das regras mas avança em novas táticas, aperfeiçoamento físico além do marketing esportivo e pessoal dos atletas. Lembro de uma entrevista antiga do Nelson Piquet (já aposentado) falando da Seleção de 1970, que apesar de sua inquestionável qualidade, jogava em um ritmo devagar demais para os dias de hoje. Pensei comigo: esse cara só entende de automobilismo, não de futebol. Porém, ao ver os jogos da Copa de 1970, tive que concordar com ele. A forma de jogar, a tática, a condição física era muito diferente, o que dava uma sensação de lerdeza no jogo.
Bem, seguimos no debate.
Um abraço,
André Alexandre