Em 2005 escrevi um dos meus primeiros textos sobre a cobertura midiática dos Jogos Paralímpicos. Esse ano, então, comemoro dez anos de pesquisa na área, de lá para cá pouca coisa mudou, principalmente a necessidade de gerar sentimento de pena. Esse sentimento não é exclusivo da cobertura esportiva, ela está presente também na indústria fílmica, na publicidade e em nas páginas dos jornais, em diversas editorias, quando o assunto é deficiência. As imagens perpetuadas são, geralmente, aquelas que nos dão a ideia de superação de limites. O fato é que o esporte gira em torno de superação de limites, de tempo, de esforço, recordes, o problema é que no esporte paralímpico a superação cinge-se à deficiência. Parece ser algo inerente ao ser humano, sentir pena e ao mesmo tempo sentir-se inspirado por aquele que decidiu viver, mesmo em condições desfavoráveis, o que pode gerar o estigma da deficiência. Esse estigma é grave, uma vez que transforma essas pessoas em seres incapazes, improdutivos, indefesos, sempre deixados em segundo lugar na ordem das coisas. Ou seja, as pessoas com deficiência enfrentam duplamente os efeitos da vulnerabilidade social. Primeiro, por não serem reconhecidas socialmente como sujeitos produtivos, e com consequente dificuldade de inserção no mercado. E segundo, mesmo pela impossibilidade de garantirem sua autonomia econômica, social e simbólica, resultando em exclusão e isolamento ao não fazerem parte da sociedade produtiva. O sujeito com deficiência, torna-se reduzido a essa deficiência, o que o impede de exercer seu papel social de indivíduo. Em nossa sociedade somos, cada vez mais, impelidos a atingir o ideal corporal imposto, a atingir o sucesso em um ambiente educacional altamente competitivo, a acumular o máximo de saúde, status e independência nos locais de trabalho, e tornarmo-nos pessoas desejáveis através da imagem, vestuário, papéis desempenhados, e habilidades. Assim dentro dessa cultura narcisista, faz algum sentido que as partes de nós que não se enquadram nessas expectativas tornem-se inaceitáveis para nós.

Atualmente as cirurgias estéticas, depilação, personal trainers, dietas e uma série de tratamentos de saúde e beleza, são caminhos utilizados pelo sujeito moderno para corrigir “falhas” em sua aparência. Na sociedade contemporânea atomizada, o corpo é, para muitas pessoas, uma das poucas áreas de controle e auto expressão remanescentes, uma vez que se não se tem controle sobre a complexidade da sociedade, pelo menos se consegue controlar, em alguns casos, algumas características corporais como forma e tamanho. O corpo é, assim, cada vez mais, usado como marcador de distinção e como uma entidade que está em processo de tornar-se; um projeto que deve ser trabalhado e realizado como parte da identidade do indivíduo. Contudo, as pessoas com deficiência funcionam como um lembrete desconfortável de que nós podemos não estar totalmente no controle de nosso destino e que nossos corpos e mentes estão vulneráveis.