Ultimamente tenho lido muitos artigos que abordam o gatekeeping e, por esse motivo, resolvi escrever esse post. É importante mencionar primeiramente que essa é uma das teorias mais famosas no campo da Comunicação e uma das mais comentadas nos estudos sobre as mídias massivas. Ora, mas o que seria afinal gatekeeping?
Gatekeeping é um conceito que surgiu no final da década 1940 com o psicólogo social Kurt Lewin, em seu livro Frontiers in Group Dynamics (1947). Para ele, a notícia de um jornal passava por diferentes gates (portões, em inglês) antes de ser publicada. Em cada um desses portões, existiria um gatekeeper (porteiro ou vigia, em inglês) que seria o responsável por selecionar, filtrar o que seria publicado. Assim, o que saía na mídia era uma escolha pessoal, mesmo que baseada em critérios imparciais. Em última instância, “as notícias não são simplesmente encontradas ou descobertas mas sim, produzidas” (Tuchman, 2002: 80 apud Serra, 2004).
Em um estudo de caso sobre o tema, David White, assitente de Lewin, concluiu que o maior gatekeeper de todos seria então o editor de um jornal de uma cidade pequena (não metropolitana). Por possuir uma equipe reduzida de jornalistas e repórteres, esse editor recebe muitas matérias de agências de notícias. Como nem todas cabem na capa e no miolo do jornal, ele deve selecionar o que é mais relevante, ou seja, quais as notícias que estarão no jornal do dia seguinte. Se até hoje em dia ter o poder de escolher o conteúdo de um jornal é uma excelente forma de influenciar milhares ou milhões de pessoas, imagine quão grande era essa influência em um mundo onde a mídia impressa figurava como a grande formadora de opinião. White ressalta ainda que a seleção do que vai virar notícia tem por base, além de regras imparciais, uma certa dose de subjetivismo e preconceitos.
Essa digressão toda foi feita para chegar a alguns questionamentos pontuais. Como se dá na internet a atuação dos gatekeepers? Será que eles existem nesse novo meio? Seu poder de decisão ainda é o mesmo? Como se insere nessa questão o crescimento do número de blogs e sites feitos por torcedores de futebol? Sobre tais dúvidas reside o propósito desse texto.
Inicialmente, trarei alguns dados de uma pesquisa de março de 2010 realizada pela Meta Pesquisas de Opinião e encomendada pela Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República). Nela, vemos que a porcentagem de pessoas que acessam a internet (46,1% dos entrevistados) já é igual a das que lêem jornais. Mais interessante ainda é um dado que aponta que 25% dos que acessam a internet buscam informações. Esses dois dados ajudarão a apoiar as idéias que se seguem.
Acredito que hoje, com o advento da internet e a tão falada cultura participativa, as pessoas tendem a ser menos receptivas às informações “prontas” que a mídia massiva nos envia. Queremos saber além daquilo que é selecionado pelos gatekeepers. Tentamos buscar a informação em sua fonte primária ou comparar diferentes fontes secundárias, talvez como uma forma de superar todos os gates presentes na grande mídia (rádio, TV e jornal). Essa busca por notícias “em primeira mão” pode ser sentida pelo sucesso do Twitter de profissionais do futebol (jogadores e técnicos). Em Twitter Futebol Clube, meu último post, a relação estabelecida por essa rede social e suas implicações são analisadas mais detalhadamente.
Nesse contexto, é interessante notar o crescimento em número e relevância dos sites e blogs sobre futebol. Cada vez mais, os internautas estão buscando notícias em outras fontes além dos grandes portais como globoesporte.com e lancenet (de propriedade de grandes empresas de comunicação brasileiras). Não desmerecendo nenhum dos dois, a ausência de interação com o leitor e a forma de organização da notícia semelhante ao jornal impresso podem ser dois motivos para que o público busque se informar em outros sítios virtuais.
Para ficar em apenas um exemplo, cito o NETVASCO. O NETVASCO é um site criado por torcedores vascaínos, sem apoio nem patrocínio oficial nenhum, que tem como objetivo ser uma fonte de informações sobre o Clube de Regatas Vasco da Gama. Já em 2008, ele era o site de clubes mais acessado do Brasil (veja nesse link). É válido ressaltar que a pesquisa incluía os sites oficiais e os não oficiais. Trouxe esse caso apenas para ilustrar o fato de que cada vez mais esses sites e blogs “marginais” vêm conquistando seu espaço e, principalmente, ganhando legitimidade entre os leitores. Como o NETVASCO, existem vários outros sites clubísticos gerenciados por torcedores e amantes do futebol que são fonte de referência para outros torcedores e também para outros veículos de comunicação.
Assim, a meu ver, a grande mídia não possui mais o poder de formadora de opinião que possuía outrora. Com efeito, estamos diante de um declínio gradativo e irreversível da influência do gatekeeper. “Esta negação da mediação dos eventos pelos media significa que os ‘portões’ se localizam agora nos produtores de informação, que em última análise poderá ser qualquer um que publique online informação potenciadora de notícia, assim como os próprios consumidores que, ao navegar pela Internet, agem como os seus próprios gatekeepers, ficando de fora neste processo as organizações noticiosas (Bruns, 2003, apud Anjos, 2008).”
Pode-se, no entanto, afirmar que esse “vigia” sempre existirá, pois alguém precisa selecionar o que será publicado seja na mídia impressa, seja na mídia virtual, já que ambas são fontes de notícias. Não obstante, o que tentei pontuar é que os grandes gatekeepers, detentores de considerável poder decisório, estão perdendo gradativamente seu campo de influência com a popularização dos computadores e da internet. Nesse ponto, cabe fazer um último adendo referente à atual polêmica envolvendo o Wikileaks. Por fornecer para o público em geral dados confidenciais do governo norte-americano, sem nenhum tipo de edição, o principal porta-voz dessa organização, Julian Assange, tem sofrido represálias de várias empresas americanas e, inclusive, acabou preso (ainda que por outros motivos). Nos recentes documentos expostos ao público, vemos informações até sobre o Brasil.
Post Scriptum
Encontrei alguns vídeos interessantes sobre gatekeeping. É uma pena que todos estejam em inglês ou em espanhol, mas quem tiver curiosidade é só conferir os links abaixo:
MSCM Movie/Gatekeeping in the Media (em inglês)
Teoría Gatekeeper Kurt Lewin Parte 1 (em espanhol)
Teoría Gatekeeper Kurt Lewin Parte 2 (em espanhol)
Para escrever esse pequeno texto, utilizei como referência os seguintes artigos:
Relendo o “gatekeeper”: notas sobre condicionantes do jornalismo. Sônia Serra, 2004
“The production of News” de Tuchman presente no livro A Handbook of Media and Communication Research (Londres e Nova Iorque, 2002).