Durante os últimos meses, tenho me dedicado a investigar alguns jornais cariocas das décadas de 1890 e 1900. Meu objetivo foi pesquisar as narrativas sobre os jogos olímpicos que poderiam ser encontradas em fontes como o Jornal do Brasil, O Paiz, Gazeta da Tarde, Gazeta de Notícias e Correio da Manhã. Esse trabalho se inclui nos esforços exploratórios para redação da minha tese doutoral. Nesse curto texto, tratarei de minhas primeiras impressões sobre a investigação em curso.
A princípio, meu objetivo era analisar as narrativas jornalísticas sobre os Jogos Olímpicos, organizados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Fiquei surpreso, entretanto, ao descobrir um uso mais polissêmico do termo. Os jogos olímpicos como vistos nas décadas de 1890 e 1900 eram capazes de circular por diferentes espaços culturais disponíveis à época. Eram circo, teatro e esporte. As Olimpíadas Modernas dividiam a atenção dos jornais com os jogos olímpicos promovidos pelas companhias teatrais e circenses que visitavam o Rio de Janeiro, com as olímpiadas não oficiais (por exemplo, Atenas-1906 e Montevidéu-1907), com filmes transmitidos nos cinemas da cidade, dentre outros.
A partir dessa constatação, tive de deslocar o eixo de interpretação da pesquisa em direção a uma abordagem dos jogos olímpicos enquanto movimento cultural, artístico e esportivo. O recorte deixou de se situar nas edições dos Jogos Olímpicos de Atenas-1896, Paris-1900, St. Louis-1904 e Londres-1908, para compreender mais amplamente as décadas de 1890 e 1900. As narrativas foram obtidas a partir da consulta dos cinco periódicos referidos acima.
Elaborei quatro categorias para tentar dar conta da polissemia associada ao termo “jogos olímpicos”. Em um primeiro momento, tenho me debruçado apenas sobre uma delas. Trata-se dos jogos olímpicos enquanto expressão que designa atividades circenses, apresentações esportivas inseridas em eventos comemorativos, tema de películas e peças teatrais. Não era incomum nos periódicos do início do século lermos anúncios da chegada de companhias teatrais à cidade (vide imagens abaixo).
Figuras 1 e 2: O Paiz, 26 de janeiro de 1903, p. 4. Na imagem superior, o anúncio está no canto inferior esquerdo. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Os números que envolvem os Jogos Olímpicos deixam clara a evolução quantitativa desse megaevento (por exemplo: em 1896, foram 14 países participantes; em 2012, 204). O que as estatísticas encobrem são as inúmeras tramas que conduziram as Olimpíadas Modernas em mais de um século de história. Dito de outro modo: quais outros jogos olímpicos ficaram pelo caminho na disputa pela hegemonia de seu significado ao longo do século XX? Nesse sentido, gosto de pensar nas olimpíadas como textos culturais que podem ser lidos e interpretados (cf. Geertz, 2013[1]). Enquanto pesquisador de mídia, também coloco em posição central o processo de mediação envolvido na construção dos sentidos sobre os jogos olímpicos. Ademais, nesses primeiros momentos, os jornais diários foram primordiais na difusão do esporte e do lazer modernos (cf. Melo, 2001[2]) . Logo, ao investigar os significados destes últimos, tendo a privilegiar os discursos elaborados pelos primeiros.
Uma das contribuições que busco fornecer com a pesquisa é justamente a ampliação dos significados que usualmente associamos aos jogos olímpicos. O caminho daqui pra frente é árduo, mas as “descobertas” que venho realizando sustentam meu entusiasmo com o trabalho.
Figura 3: Palmyre Annato no Cirque des Champs-Elysées (1840). Fonte: Circopedia.
Ps: Este texto é uma versão modificada do resumo enviado ao XIV Congresso Ibercom, evento a ser realizado em São Paulo no final de março. As informações completas do paper estarão disponíveis nos anais do congresso. Até lá, me coloco à disposição dos leitores interessados em propor caminhos, tecer críticas ou simplesmente dialogar comigo sobre a pesquisa em curso.
[1] GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
[2] MELO, Victor Andrade de. Cidade Esportiva: primórdios do Esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Faperj, 2001.
One thought on “Jogos olímpicos: circo, teatro e esporte”