Maracanazzo, Imprensa e “vira-latas”

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Gol da vitória uruguaia em 1950

16 de julho de 1950, 16 horas e 25 minutos, o Brasil se cala com o gol de Schiaffino. Era o empate uruguaio, que ainda nos permitia ser campeões, mas foi sentido de forma dura pelos jogadores e pela torcida, que ficou muda. Nos treze minutos seguintes as pessoas que lotaram o Maracanã, os jogadores e a população, que ouvia o jogo pelo rádio, começaram a conjecturar o que era impensável: o Brasil poderia perder a Copa. O momento de abatimento foi aproveitado pelos uruguaios que aos 34 minutos do segundo tempo fizeram o gol que os colocou em vantagem para vencer a Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã. Este episodio é conhecido como Maracanazzo. O escritor Paulo Perdigão, no livro Anatomia de uma Derrota (1986) descreve que o choro e a comoção nacional com a derrota se assemelhou a perda de um ente querido. A partir deste jogo Nelson Rodrigues criou, às vésperas da Copa de 1958, a expressão “complexo de vira-latas”. Seu principal argumento é que o brasileiro não acredita em si mesmo, que “éramos um vira-latas entre as nações”.

Meu post inicialmente falaria das narrativas da imprensa nacional durante esta Copa, o que é um assunto muito rico, principalmente se relacionarmos ao complexo de vira-latas de Nelson. Como o escritor Ruy Castro bem definiu em uma entrevista recente: a “imprensa teve espírito de porco antes da Copa”. Foi realmente uma grande má vontade para investigar se tudo estava tão ruim como era anunciado. Preferiu-se o “senso comum”, o já estereotipado e perigoso “imagina na Copa”. No texto eu falaria da contínua arrogância do jornalista esportivo ao se achar realmente especialista em todos os quesitos. Tudo está errado, a organização, o treino, a tática, a música, o choro, até o tratamento médico de alguns jogadores, como se o doutor Runco, por exemplo, não soubesse nada de Medicina e aqueles senhores que mal leram um livro de anatomia ou de preparação física é que sabem o que deveria ser realmente feito, na base do mais puro, pobre e deprimente achismo, simplesmente por ter um microfone em suas mãos. Claro que também falaria das raras exceções, demonstrando que quem entende que o jornalismo necessita de investigação, e a investigação te dá pistas e não a prova inconteste de que você está certo e é o dono da razão, faz um bom jornalismo.

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Entretanto, eis que o Maracanazzo surge novamente em nosso país. Ao ser anunciado que nosso principal jogador está fora da Copa, o Brasil sentiu, quase 64 anos depois, o mesmo que nossos compatriotas viveram naquele dia. Como assim perdemos Neymar? Dia 4 de julho de 2014. A mesma comoção nacional, semelhante a perdemos um ente querido foi sentida. A torcida emudece e os jogadores sentem a perda do companheiro para os dois últimos jogos. Todavia, a pressão excessiva pela vitória, a cobrança de exibir um futebol bonito e de massacrar todos os adversários, por um momento se desfez. As costas do menino de apenas 22 anos que carregava toda essa pressão recebeu uma covarde, desleal e criminosa joelhada que desabou tudo isso. Neymar foi para o chão e com ela a nossa chance de sermos campeões? Era como se o Brasil levasse novamente o gol de empate que descrevi em 1950.

Entretanto, não temos apenas 25 minutos para colocar a cabeça no lugar e sermos campeões, temos mais um jogo, um prazo maior para curar a ressaca e o impacto desta notícia. Desta vez temos tempo para reverter o novo Maracanazzo. Uma pista que nos indica esta reversão é a aposta da imprensa na força da equipe, na união e na comoção que a lesão de Neymar causou como o maior combustível para o título. O futebol-arte e a obrigação de vitória deram lugar à superação. Em poucos momentos na história das Copas do Mundo a narrativa midiática abandonou uma cobrança excessiva pelo jogo bonito. Estaria a imprensa e aceitando o título na base da raça? Os discursos nos principais veículos de comunicação nos indicam que sim, afinal a Copa agora “é questão de honra”, “pelo Neymar”, “custe o que custar”.

Este fato já coloca Neymar no roteiro totalmente apropriado para se tornar o maior ídolo de nosso esporte. Jovem e com mais Copas pela frente passa por uma adversidade contundente, não por acaso do destino, ou azar e sim pela deslealdade de um oponente no “campo de batalha”, que não respeitou as regras do jogo e ao agredi-lo, perdeu sem honra. Sua trajetória de ídolo continuará e com grande chance de final feliz e de cumprir sua missão como heroi nacional. A vitória nesta Copa virá exclusivamente do coletivo, da união e da superação, diferente das narrativas anteriores em que o improviso e genialidade de nossos jogadores, hoje representada por Neymar, era a causa maior do nosso título.

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Sugiro que o novo Maracanazzo nos faz refletir que é possível vencer sem seguir a nossa identidade e nosso suposto estilo tradicional de jogo. Isso será aceito, diferentemente de 1994. Não somos mais capazes? Sim somos. Se em 1950, iniciamos nosso complexo de achar que não vamos conseguir por sermos inferiores, 2014 pode virar de vez esta página. Organizamos uma Copa fantástica, elogiada por todo o mundo e que vai deixar saudades. Fomos capazes de cumprir a missão que nos foi dada. O epílogo desta história tem um roteiro épico, agora dentro de campo, já que mesmo sem nosso maior jogador podemos vencer e provar que não somos um vira-latas entre as nações, em todos os sentidos, inclusive demonstrando para nossos jornalistas que o Brasil não é tão ruim quanto sugerem.

 

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