A ideia do presente post surgiu em uma discussão com dois amigos jornalistas que trabalham em importantes canais esportivos da TV fechada, que aconteceu informalmente em uma reunião na casa do “sábio do sofá”, alguns meses atrás.
Após algumas garrafas de vinho, o assunto passou a ser a qualidade do conteúdo das reportagens cotidianas dos principais programas esportivos. Eu defendia um eventual aproveitamento dos trabalhos acadêmicos para servir como fonte de informações para as pautas e também a possibilidade de especialistas das universidades participarem mais dos debates televisivos e da elaboração das pesquisas de documentários e matérias dentro dos respectivos canais. Argumentei que isto aumentaria a qualidade das informações fornecidas aos espectadores.
Ambos discordaram, afirmando que o grande problema para o acadêmico é a objetividade e afirmaram que a utilização de trabalhos universitários na elaboração da maior parte das pautas é inviável devido ao pouco tempo que o jornalista possui para realizá-las.
Ademais propuseram que eu improvisasse ser o comentarista esportivo de um programa naquele momento como espécie de brincadeira/teste. Tentei encenar, mas como não fui bem, pois, gaguejei, falei demais para a fantasiosa pauta e não mostrei a tão aclamada objetividade, recebi um veredicto: “Alvaro, o acadêmico é chato”.
Como toda ação leva a uma reação, contra-argumentei rebatendo. Pode ser verdade, mas o “jornalismo esportivo brasileiro é pobre e superficial”. Percebemos que era melhor mudar o rumo da prosa e a partir desta data nunca mais falamos sobre o assunto apesar de trabalharmos com temas comuns.
Confesso que fiquei com este dilema na mente ao longo desses meses. Passei a refletir mais sobre os estereótipos da “chatice” do acadêmico para o grande público e o discurso da objetividade jornalística.
A participação no XXXV Congresso brasileiro de Ciências da Comunicação – INTERCOM, que teve como mote principal a temática esportiva, trouxe novos fatos a minha reflexão (veja o post aqui do blog sobre o evento). Não assisti a conferência de abertura, feita talvez pelo mais conhecido acadêmico brasileiro vivo, o intelectual Roberto DaMatta, mas sei que ela teve maior repercussão entre os ouvintes que conheço pelo caráter lúdico e divertido do que pelos novos apontamentos teóricos ou metodológicos para o campo do esporte no país.
Nas ótimas mesas, cujas discussões participaram importantes pesquisadores brasileiros e estrangeiros do campo esportivo, uma voz me pareceu dissonante. Um renomado jornalista da Folha de São Paulo e Carta capital, além de ter falado apenas sete minutos sobre divagações cosmológicas e sua relação com o esporte, ele próprio parecia não entender a razão de estar presente no recinto. Acredito que tenha sido uma tentativa da própria organização de aproximar simbolicamente o jornalista militante do acadêmico, mas qual o motivo da aparente indiferença por parte do jornalista em estar no espaço mais nobre do evento?
Outro fato que me chamou atenção sobre este suposto dilema foi o artigo do Luís Nassif encaminhado esta semana pelo Fausto para os membros do nosso grupo.
O grande jornalista, a quem admiro bastante pela clareza e lucidez com que escreve, fez um ataque contundente a dois importantes colegas da área e ao CNPQ enquanto órgão que fomenta a pesquisa acadêmica no país. Aconselho a leitura e a polêmica gerada nos diversos comentários.
Independentemente de conhecer pessoalmente os pesquisadores, que também admiro muito pela seriedade e competência, fato que pode até ser interpretado como corporativismo da minha parte, entendo que o jornalista foi excessivamente agressivo nas suas críticas e que elas reverberam no próprio preconceito acadêmico com o objeto. Os jornalistas, enquanto “senhores da memória”, escrevem livros com a alcunha de pesquisas históricas, sobretudo nos anos de Copas do Mundo, mas o trabalho longo e duradouro de uma tese ou pesquisa financiada pelo CNPQ é desnecessário ou banal?
Infelizmente ainda não li de forma aprofundada esta pesquisa específica dos colegas de Pernambuco, mas, na minha visão, fica muito fácil pinçar determinados trechos da maior parte dos trabalhos acadêmicos, estabelecer críticas parciais e supostamente neutras afim de ridicularizar os respectivos trabalhos em nome de uma sagrada objetividade.
Por que os comentaristas esportivos podem discutir insanamente se houve ou não impedimento nas mesas-redondas televisivas pelo menos três vezes na semana e a lei do impedimento e seus desdobramentos sociológicos seria uma tolice no âmbito acadêmico?
Enfim. Voltamos ao dilema inicial dos mitos do ofício. Acredito que nem todo o acadêmico é chato, mas ele escreve para os seus pares, respeitando regras metodológicas, utilizando conceitos teóricos e embasando suas afirmações em fontes primárias e secundárias.
Se quiser atingir o grande público ou participar de programas televisivos vai ter que se adaptar e efetivamente aprender técnicas da profissão do jornalista sem perder sua cumplicidade com as fontes e muitas vezes se tornando uma espécie de desmancha-prazeres, pois vai acabar negando construções imaginárias reproduzidas acriticamente como a própria ideia do futebol-arte brasileiro.
Com relação à objetividade jornalística, acredito que ela não pode se confundir com superficialidade. Em sua função precípua de informar o espectador, o bom profissional deve estar em contato com as pesquisas acadêmicas na elaboração das pautas e até mesmo para a criação de programas mais complexos e diversificados sobre a temática esportiva. Sabemos que muitas vezes prevalece a lógica do entretenimento banal dentro das próprias empresas, mas cabe ao jornalista crítico lutar internamente para melhorar a programação ou pelo menos para aprimorar sua formação pessoal.
Assim sendo, gostaria de ver uma obra que integrasse a “chatice” séria do acadêmico com a objetividade funcional dos bons jornalistas. Com certeza quem sairia ganhando mais com essa fusão seria o leitor.
Bem oportuna a lembrança do depoimento do jornalista da Folha que participou da mesa citada no Intercom. Estava lá e foi bem embaroçosa a participação, ilustra bem esse constrangimento refletido aqui!
Rapaz, você já viu o mesa redundante, quadro humorístico da MTV? “O entendido só não se torna abominável porque o ridículo o salva”. http://www.youtube.com/watch?v=oV9pYPGy8LU
Simplesmente hilário o mesa redundante. Seriam os jornalistas esportivos engenheiros de obras feitas?
jornalistas… pra que eles servem? são os fofoqueiros de plantão.
Jornalista não servem pra nada… só pra fazer fofoca e falar mal dos outros. o que eles criam?
Muito oportuno o texto. Aliás, externou um incômodo particular. Depois que me aventurei pelo mundo acadêmico tornei-me um jornalista diferente. E sei lá se isso é bom. As vezes sou um jornalista exigente demais, o qual o mercado não quer. Por outro lado, tento ser um acadêmico sem pedantismo, o que, as vezes, me torna superficial. Dilema complicado.