Neymar e Messi foram protagonistas das vitórias de suas equipes nesta quarta-feira, dia 7 de março. Enquanto Messi marcou cinco gols contra o Bayer Leverkusen na goleada por 7 a 1, Neymar marcou três na vitória contra o Internacional por 3 a1. O que teriam em comum estes jogadores? O que suas trajetórias nos dizem sobre a relação entre talento e treinamento?
Uma diferença entre estes feitos foi o fato de que o de Messi, por ser um jogo entre equipes da Europa, recebeu mais destaque da imprensa internacional, ainda que a mesma também tenha destacado a atuação de Neymar.
Faz parte do universo esportivo as comparações sobre quem é o melhor ou qual a melhor equipe. Não vou entrar no mérito deste debate, pois ele se resumiria a uma questão de gosto pessoal. Ambos os jogadores são considerados os melhores da atualidade. A partir daí, destaco uma semelhança importante em suas trajetórias: os dois foram preparados deste cedo para a prática do futebol.
Messi treina no Barcelona desde os 13 anos. Neymar treina no Santos desde os 11. Tanto no Brasil quanto na Argentina, a fundação simbólica de seus supostos estilos de jogar futebol destaca os campos de várzea (“potreros” na Argentina) como elemento básico para o surgimento de craques. Não se questiona a imensa maioria que começou na várzea e não chegou ao profissional. Trata-se de um discurso romântico que também costuma destacar a pobreza na infância como o resultado das habilidades fantásticas dos craques, já que tiveram que “driblar” adversidades relacionadas à pobreza. Se esticarmos um pouco mais este discurso, estaríamos então fazendo apologia da pobreza, sob o argumento que ela seria fundamental para continuarmos tendo craques? Soa muito raro.
As trajetórias de Messi e Neymar derrubam o mito da várzea. Eles não sabem o que é isso desde cedo. O talento extraordinário dos dois foi trabalhado em seus clubes. Talento faz parte das coisas inexplicáveis. E, quando treinado, supera vários obstáculos, ou como destacou a manchete de O Globo do dia 8 de março, na seção de Esportes, na matéria que narra a vitória do Barcelona: “O céu é o limite para Messi”.
Temos a tendência a “mitificar” no Brasil o talento puro, sem “esforço” – palavra quase sempre usada de forma pejorativa. Geralmente, o aluno que passa em primeiro lugar no vestibular não diz abertamente que estudou muito para alcançar o êxito. É como se o “esforço” fosse desmerecer seu mérito. O mesmo quando falamos de equipes fantásticas como a famosa seleção brasileira de 1970. Ao rememorarmos a conquista de 1970 tendemos a deixar em segundo plano o treinamento ao qual aquela equipe foi submetida. Marco Santoro e Antonio Jorge Soares tratam bem do tema no livro “A Memória da Copa de 70”. Os autores demonstram como as imagens identitárias do futebol brasileiro, que falam de alegria e improvisação, superam as de treinamento e preparação física.
Vejam o que disse o respeitado e saudoso jornalista João Saldanha no clássico “Os Subterrâneos do Futebol”, escrito em 1963, logo após o bicampeonato brasileiro: “Qualquer time de primeira divisão, onde haja profissionalismo na Europa, tem um treinamento de alta categoria. Alguém poderia argumentar que ‘nós é que estamos certos e eles estão errados’. Que nosso espontaneísmo e nossa anarquia é que são bons. A prova é que ‘ganhamos Copas do Mundo pra cima deles’. Isto é absolutamente falso. A anarquia não é forma de desenvolvimento em nenhum setor de atividade humana.” O que seriam Messi e Neymar hoje se não tivessem sido e não continuassem sendo submetidos a um contínuo treinamento? Seus treinamentos desmerecem seus talentos? É claro que não. Muitos podem treinar como eles, mas lhes faltará o talento. Parafraseando a manchete de O Globo citada acima, podemos dizer que talento quando treinado “o céu é o limite”. Até onde podem ir estes dois jogadores fantásticos? Tomara que o talento inigualável de ambos continue brilhando nos gramados e fazendo nosso deleite. E que aprendamos de uma vez por todas que treinamento não antagoniza com o talento. Pelo contrário, é um grande aliado.
Como sempre perfeito, meu mestre querido!
Estimado Ronaldo. Sua rtículo es muy bueno, pero deja intocada la metáfora del “talento” natural. Metáfora que sirve para achacar a la naturaleza “individual” de cada uno sus triunfos y sus derrotas, y que, fuera del ámbito deportivo o artístico -ámbitos en los que se habla del talento- implicaría que un millonario, Carlos Slim o Bill Gates, por ejemplo, tendrían un “talento natural” para los negocios o una inteligencia “naturalmente superior” a la de otros. El potrero es un mito, pero el talento también. Lo que Messi y Neymar tienen, lo que tuvo Maradona, se llama deseo, deseo que ni siquiera es de ellos, pero que funciona en ellos. La fórmula no es talento+entrenamiento (esa es una fórmula del siglo XIX), la fórmula es enseñanza+deseo, deseo incluso del que enseña. Cordialmente, Ricardo Crisorio
Curioso notar que, quando esse talento espontâneo não se mostra, a culpa recai sobre o treinamento e preparação física. O caso do Ronaldinho e do Adriano é um exemplo. Eles, a princípio, eram blindados pelo talento, mas quando este começa a “falhar”, a torcida e a imprensa começam a procurar falhas na formação do atleta pegando histórico de faltas nos treinamentos, vêm a preparação física, etc. Parece que só nesse momento o esforço passa a valer alguma coisa.
Muito bem pontuado, Carolina. Nesses casos, realmente, procura-se na preparação física uma “desculpa” para a ausência temporária (ainda que com ares permanentes) de talento desses craques que você citou.