O futebol brasileiro não se resume ao Sudeste

Reprodução: internet

O Vasco da Gama estava em nono lugar do Campeonato Brasileiro da Série B, algumas rodadas atrás, quando o colunista de um portal de notícias dito nacional insistia em fazer contas sobre a possibilidade de acesso para a Série A.

Pior do que isso.

O Cruzeiro lutava contra o rebaixamento para a Série C, em certo momento da competição, mas ainda assim os debates também circulavam em torno das “chances remotas”, mas “ainda possíveis”, do clube engrenar uma sequência insana de vitórias para assim, quem sabe, a depender dos resultados de uma dezena de outros clubes, ascender para a primeira divisão nacional.

Como agora já se sabe, nenhum dos acessos se tornará realidade. Ambos os clubes não têm mais chances de subir de divisão. E, nas grandes redações que se dizem “nacionais”, o tom era quase de velório. De dor. Tragédia. Incompreensão. Uma letargia quase insuportável, mas solidária, diante de clubes “incaíveis” que tinham caído e que, pior de tudo, não tinham feito a jornada supostamente inevitável de retornar imediatamente à divisão de cima.

O debate tem suas nuances, eu bem sei.

Porque, acima de tudo, eu defendo o direito de veículos como o rádio ao localismo. A falar com o seu público e com mais ninguém.

A Rádio Itatiaia, por exemplo, fala com o público mineiro, sob a ótica dos clubes mineiros, defendendo as perspectivas dos clubes mineiros. Logo, a Rádio Itatiaia calcular rodada a rodada as chances de o Cruzeiro subir de divisão, ou do Atlético ser campeão de forma antecipada da Série A, ou mesmo comemorar a boa campanha do América, é um direito editorial que lhe cabe. 

O problema, penso, torna-se maior, ou ao menos mais difuso, em portais de notícias, emissoras de TV, alguns programas de rádio, que arvoram para si o título de “nacionais”.

Não é mera semântica. Não é mero argumento mercadológico, propaganda para se vender como grande.

É algo maior. É tentativa de se definir como autoridade. De ditar regras e tendências. É um processo que, de forma sonsa, escancara o preconceito, define um valor de notícia – e de importância clubística – que é antes de tudo geográfico.

A quem interessa convencer que o acesso de Vasco ou de Cruzeiro seria mais importante, indistintamente para toda a população brasileira, do que o de CSA, CRB ou Náutico (clubes que, esses sim, brigam pelo acesso)? Por que coberturas que se definem como nacionais, que se pretendem dialogar com todo o país, não se constrangem em fazer isso mesmo diante de alagoanos e pernambucanos?

Tentaram ao menos entender o momento histórico de Alagoas, em que dois rivais históricos lutam por uma possível vaga na Série A? Ou apenas o fato de ser Vasco e Cruzeiro já basta para dirimir qualquer dúvida?

E que fique claro. Eu não estou “roubando” o direito da CBN Rio ou da Tupi de torcer pelo Vasco, por exemplo. Mas que projeto político é esse que, repito, “coberturas nacionais” tentam dar valores diferentes a clubes do Sul e Sudeste em detrimento a todos os demais?

Não me venham falar em tradição, em torcida, em história.

Já é consenso na antropologia que nenhuma tradição é inata, existente em si mesma. Toda tradição é construída a partir de vivências e experiências que são contadas e recontadas ao longo dos tempos.

Estamos falando de cinco clubes centenários, com torcidas apaixonadas, histórias memoráveis. Esses argumentos, pois, não justificam a violência da cobertura esportiva “nacional” diante dos clubes nordestinos.

Pois, quando as ditas “redações nacionais” querem nos convencer de que o acesso do Vasco ou do Cruzeiro é mais importante do que o acesso de clubes do Nordeste, eles querem nos convencer que o nosso futebol, o futebol do Nordeste, é um futebol mais apequenado, de menor importância, sem tanto apelo popular.

E isso, (in)felizmente, não é possível de ser aceito de forma passiva e sem contestações.

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