O futebol me representa

Nas rodas de conversas e nas redes sociais durante as últimas duas semanas circulam discursos e depoimentos sobre as manifestações e os protestos por todo o Brasil, além da Copa das Confederações. Por esse motivo, soa quase que impossível escrever para o blog sem abordar esses assuntos, ainda que os companheiros (nessa altura do campeonato, melhor: colegas!) do grupo, Joaquim Tavares Júnior e Chico Brinati, já tenham elaborado análises tão contundentes.

A Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014 entraram na lista de protesto de boa parte dos brasileiros que foram às ruas manifestar insatisfação com a atual conjuntura política, algo muito além dos R$ 0,20 da passagem. Logo, nesse momento, a Copa surge como um bode expiatório para também motivar os protestos. Ainda que tenham acontecido manifestações contrárias à realização da Copa no Brasil, uma onda de otimismo tomou conta de todo o país quando saiu à escolha do nosso país como sede. A euforia de trazer a Copa do Mundo girou em torno da possibilidade de conquistar o título em casa e da esperança de transformar o Brasil num país respeitado pelo mundo.

Foto de cartaz em SP contra a Copa
Foto de cartaz em SP contra a Copa

Infelizmente, no caso Copa do Mundo, o gigante pode ter acordado tarde demais. Está certo que numa democracia, a população deveria ser consultada sobre o desejo ou não de realizar o evento no país. Mas isso não aconteceu. O custo da Copa já passou, os estádios estão prontos. E esses estádios são meus, e seus também. É hora de cobrar como os investimentos públicos serão devolvidos e quem pagará a conta dos financiamentos. Como bem afirmou OLIVER SEITZ, doutorando pela Universidade de Liverpool sobre a comercialização do futebol brasileiro, em texto publicado no blog de Juca Kfouri, “agora é justamente a hora de começar a colher os parcos frutos do bilionário investimento, por menor que eles sejam, e evitar um prejuízo ainda maior. Boicotar a Copa (…) só impedirá o pequeno ganho sobre o dinheiro já empenhado. Os estádios estão aí e não vão pra lugar algum. A Copa vai acontecer”. (Veja estimativa sobre o retorno que a Copa do Mundo pode trazer ao Brasil clicando aqui).

Já que temos a Copa das Confederações, muitos decidiram aproveitar o evento e trazer para dentro dos estádios os protestos que tomaram conta das ruas. Simoni Guedes parte do pressuposto de que “é característica inerente ao futebol a transformação dos inúmeros eventos que produz em eventos narrativos, cujo sentido nunca está dado. O processo semântico desencadeado pelo jogo constrói-se em um campo de debates no qual diversas posições se confrontam.”

Se entendemos que em nosso país instituições secundárias foram fundamentais no processo de constituição de nossa identidade nacional (DaMatta, Guedes, Helal), nada mais justo do que utilizar o futebol, tão arraigado no povo brasileiro, como forma de propagar um discurso. Refletindo com Guedes ainda, “na proliferação de discursos, a partir do jogo, várias dimensões identitárias são disputadas, negociadas e construídas, como muitos autores vêm demonstrando. Uma delas seria a da nação. (…) O futebol tornou-se, indubitavelmente, o esporte mais praticado e assistido na modernidade, transforma-se também no grande palco das nações”.

Assim, diante dos frequentes protestos e manifestações com causas múltiplas, não cabe mais essa história de que o futebol é o ópio do povo. Assim como a massa jovem hoje utiliza as redes sociais como forma de expressão, o futebol também funciona como discurso propagador dos anseios do povo brasileiro. É esse o futebol que me representa.

Basta observar tudo o que aconteceu na peculiar partida entre Espanha e Taiti, da qual fui testemunha ocular. Um jogo de futebol pouco empolgante, mas que ficou como marco histórico pelo placar de 10 X 0 em pleno Maracanã. Sim, foi um baile da Espanha. Contudo, a torcida ali presente queria celebrar a alegria dos jogadores da fraca seleção do Taiti. O apoio vinha da maioria presente no estádio e os jogadores em campo se divertiam com isso. A seleção do Taiti, não por pena, mas por simpatia, soube cativar os brasileiros por onde passou. Hoje, após a eliminação do torneio e o agradecimento ao apoio da torcida brasileira, há quem diga que esses jogadores mereciam o troféu fair-play da Copa das Confederações.

Não por acaso, neste mesmo dia, estava programada a manifestação na cidade do Rio de Janeiro que reuniu cerca de 300 mil pessoas no Centro da cidade, segundo cálculo da UFRJ. Dessa forma, preocupados em manter a ordem no evento e não permitir protestos dentro dos estádios, seguranças padrão FIFA e voluntários estavam bloqueando qualquer entrada de cartaz no Maracanã que fizesse referência à política. Só que o brasileiro sempre tem um jeitinho para tudo, e foi assim que vivi um dos momentos mais emocionantes de todas essas manifestações.

Foto do cartaz dentro do Maracanã – Fonte Valor Econômico
Foto do cartaz dentro do Maracanã – Fonte Valor Econômico

A certa altura da partida, torcedores ergueram o cartaz contra as remoções para os grandes eventos e a privatização do Maracanã. Imediatamente, os seguranças padrão FIFA entraram em campo para retirar os manifestantes de cena. Porém, eles não contavam que a torcida, em apoio, protegeria os manifestantes, não permitindo que estes fossem expulsos do estádio. No mesmo instante, teve início um uníssono grito de mais de 70 mil torcedores “O povo unido jamais será vencido”. Diante disso, os seguranças recuaram e todo o Maracanã cantou lindamente o Hino Nacional. Jamais esquecerei esse momento emocionante!

A sequência desses fatos pode ser acompanha pelos vídeos abaixo.

Provavelmente, o que aconteceu no Maracanã surtiu algum efeito. O discurso no estádio produziu sentidos sobre as reivindicações do povo brasileiro e serviu para provar que o futebol pode, assim como deve, ser forma de manifestação daquilo que deseja povo brasileiro. Ao contrário de boicotar os eventos, podemos nos utilizar deles como porta-voz.

Acredito que ainda vale pensar como o goleiro da seleção do Taiti, Mikael Roche, que é possível sonhar com o futebol.

O povo brasileiro quer pão, circo, saúde, cultura, educação e futebol!

Deixe uma resposta