Os Jogos Parapan-americanos Santiago 2023, o movimento paralímpico brasileiro e a mídia: o caminho para a valorização dos atletas nacionais

Por Lucas Matheus Feitosa

No período de 17 a 26 de novembro foram disputados os jogos Parapan-Americanos, em Santiago, no Chile. A edição foi marcada pelo feito histórico da delegação brasileira, que terminou estabelecendo novos recordes de medalhas, atingindo um total de 343 premiações, sendo 151 medalhas de ouro, 92 de prata e outras 89 de bronze. Dessa forma, surge uma nova oportunidade para o aumento da visibilidade de atletas com deficiência, em uma competição de âmbito continental e de grande volume comercial, além da influência dos meios de comunicação de massa em outros setores socioculturais.

Fonte da imagem: agênciaBrasil

A primeira¹ edição dos jogos ocorreu na cidade do México, em 1999, com a participação de 18 países e contando com 1000 atletas distribuídos em 4 modalidades esportivas: natação, basquete em cadeira de rodas, atletismo e tênis de mesa. As disputas ganham um maior atrativo graças a distribuição de vagas destinadas aos jogos Paralímpicos, que ocorrem no ano posterior ao Parapan.

De acordo com Marques et al. (2013) no progresso desenvolvimento do esporte para pessoas com deficiência, observamos um processo que se iniciou nos anos 1990, caracterizado por uma maior mercantilização e midiatização. Esse processo, juntamente com outros fatores, como a ascensão pessoal proporcionada pelo esporte de alto rendimento, resultou em uma melhora da imagem e valorização dos atletas.

Não é por acaso que atualmente nos deparamos com o levantamento de pautas cada vez mais frequentes envolvendo tal parcela da sociedade brasileira, pautas estas, cada vez mais enraizadas graças a uma incorporação do imaginário social. De acordo com Hilgemberg (2019), apesar de ainda singelo, o crescimento da divulgação do esporte paralímpico tem como consequência o aumento dos conhecimentos fornecidos à população em geral a respeito das potencialidades dos atletas com deficiência.

Como uma competição de crescente apelo mercadológico, a transmissão audiovisual conta com a presença do Grupo Globo, com divulgações dos principais acontecimentos nos canais Sportv desde o ano de 2007, nos jogos do Parapan-Americanos do Rio de Janeiro. Na atual edição, o canal Sportv3 contou com a participação de nomes históricos do esporte paralímpico, como Verônica Hipólito e Clodoaldo Silva, grandes medalhistas no atletismo e natação, respectivamente.

Além disso, houve a presença de dois jornalistas “in loco” para a cobertura, Victor La Regina e Roger Casé encontravam-se em Santiago, produzindo materiais para o canal esportivo. Na cobertura virtual, diversos portais de notícias disponibilizaram informações acerca dos acontecimentos da competição, como UOL esportes, GE, portal Terra e o próprio Comitê Paralímpico Brasileiro, através de suas páginas no Instagram, Twitter e YouTube.

Ao observarmos a manutenção do canal desportivo na transmissão midiática, bem como a melhora nas formas de relacionamento com o público, incluindo a luta contra o capacitismo², notamos uma maior força no movimento paralímpico brasileiro, o que é caracterizado justamente pela maior divulgação das potencialidades das pessoas com deficiência, o que resulta num grande engajamento no campo mercadológico do meio, realçando o amplo aspecto vitorioso brasileiro com fuga do feitio estigmatizado capacitista.

Torna-se relevante considerar a importância desse modelo de fomento do esporte para PCDs ao notarmos o contexto simbólico do país para os jogos. Nesta última edição, além do que já fora citado anteriormente, observamos outros feitos históricos, como o recorde de 324 atletas, com 194 homens e 134 mulheres, sendo essa a maior delegação brasileira da história da competição, contando com a representação 23 estados brasileiros e o Distrito Federal, exceto Mato Grosso,

 Tocantins e Alagoas não tiveram representantes. Ademais, a soma surpreendente de 203 pódios somados entre modalidades do atletismo e natação, demonstram que esses esportes possuem substancial importância para o crescimento e consolidação do esporte adaptado no país.

Fonte da imagem: Comitê Paralímpico Brasileiro

Entretanto, há, de forma clara, uma necessidade de maior circulação das notícias sobre os atletas, disputas e eventos que circundam o aspecto fenomenológico do campo esportivo adaptado às pessoas com deficiência. A proporcionalidade do que é veiculado pelos meios jornalísticos em relação às realizações proporcionadas pela delegação brasileira, se torna aquém do que é comumente visualizado em eventos esportivos de semelhantes magnitudes, mas sucedidos por pessoas com o dito corpo padrão.

Cabe ainda finalizarmos o raciocínio sobre a representação jornalística pelo olhar das mídias citadas anteriormente. Em relação às transmissões do canal Sportv3, a permanência e crescente especialização no campo midiático esportivo para à PCD, transmite a sensação não apenas de uma maior valorização econômica e simbólica que regem as escolhas mercadológicas contemporâneas, relativas a esse grupo de atletas, mas também um sentido educacional ao haver a preocupação de lidarem com o fenômeno do preconceito ainda fortemente presente em nossa sociedade.

Sobre os meios de comunicação na internet, incluindo as mídias sociais, foram notadas, infelizmente, nuances de desprestígios para as modalidades adaptadas. Nos portais de notícias, a midiatização se caracterizava pela veiculação restrita de alguns aspectos específicos da competição, como os recordes brasileiros e atletas mais renomados, raramente focando em histórias de medalhistas de prata ou bronze, por exemplo.

 Além disso, cabe destacarmos que a atuação das coberturas nas redes sociais foi inferior ao que observamos nos jogos Pan-americanos, com exceção dos veículos do Comitê Paralímpico Brasileiro, que diariamente postavam inúmeras publicações sobre os acontecimentos do Parapan.

O contexto demonstra que a difusão do esporte adaptado não é só uma maior oportunidade de contemplar atletas com deficiência, mas de proporcionar o reconhecimento que merecem por toda a representação histórica e relevância que criaram para a nossa sociedade.

É importante ter em mente que os progressos não estão apenas ocorrendo, mas criando bases que ajudam no combate ao preconceito e ao capacitismo, presentes na população brasileira. Mas ainda há muito trabalho a fazer. A reflexão, o planejamento e a execução não requerem apenas uma base sólida, mas, sobretudo, uma construção que não limite e finde em situações pontuais e responda a todas as dificuldades com a certeza de que a equidade será atingida.


¹ Embora os jogos tenham sido oficialmente registrados em 1999, esse marco surgiu a partir da união de diversas competições, como a competição Pan-Americana para paraplégicos (1967) e para pessoas com deficiência mental (1995).

² Como Wolbring (2008) explica, o capacitismo é um conjunto de crenças, práticas e processos que favorecem algumas habilidades em detrimento de outras, exaltando aqueles que possuem as habilidades que são habitualmente vangloriadas e inferiorizando aqueles que não as possuem — isso se aplica tanto à forma como o indivíduo enxerga outras pessoas quanto à sua própria.


Referências

HILGEMBERG, Tatiane. Jogos Paralímpicos: história, mídia e estudos críticos da deficiência. Recorde – Revista de história do esporte, v. 12, p. 1-19, 2019

MARQUES, Renato Francisco Rodrigues et al. Mídia e o movimento paralímpico no Brasil: relações sob o ponto de vista de dirigentes do Comitê Paralímpico Brasileiro. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 27, n. 4, p. 583-596, 2013Tradução. . Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1807-55092013000400007. Acesso em: 17 nov. 2023.

Parapan: Brasil mira topo do quadro de medalhas pela 5ª edição seguida: https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2023-11/parapan-brasil-mira-topo-do-quadro-de-medalhas-pela-5a-edicao-seguida

WOLBRING, G. The Politics of Ableism. Development, v. 51, n. 2, p. 252–258, 2008.

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