Os problemas da espacialização do futebol de mulheres do Campeonato Alagoano de futebol de mulheres

Em agosto deste ano, o grupo de pesquisa Crítica da Economia Política da Comunicação (Cepcom) encerrou o projeto de iniciação científica (Pibic-Ufal 2024-2025) “Os problemas da espacialização do futebol de mulheres no Brasil: Análise exploratória da cobertura midiática do Campeonato Alagoano (2021-2024)”. Este texto faz parte do relatório final para tratar sinteticamente dos resultados.

O projeto foi executado desde a Unidade Santana do Ipanema, com atuação ainda de estudantes de Jornalismo no Campus AC Simões da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), com uma bolsa do CNPq e outra da Fapeal (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas).

Introdução teórico-metodológica

Se o futebol masculino tem seus primeiros jogos no Brasil nas décadas de 1890 e 1900, Bonfim (2023) apresenta relatos de partidas entre equipes com mulheres em 1915, num momento em que a territorialização sobre o que era um país das dimensões do nosso ainda era algo de difícil comunicação e articulação.

Porém, nas décadas seguintes, enquanto a prática masculina caminhou para sua estruturação a partir de federações e profissionalização via decreto federal, a de mulheres foi proibida de 1941 a 1983 pelo Conselho Nacional de Desportos (CND). A primeira Copa do Mundo FIFA ocorreu apenas em 1991, quando já haviam sido disputadas 14 edições da masculina.

Quando se trata do futebol enquanto programa midiático, é importante ressaltar que se trata de algo relevante para a disputa da concorrência da transmissão audiovisual no Brasil. Entretanto, quanto menor a visibilidade de determinada modalidade ou determinado estado, menor interesse de marcas e grupos midiáticos por ele. É o caso do futebol de mulheres e de Alagoas (em escala nacional).

A partir disso, como continuidade, o projeto seguiu aplicando os três pontos da Economia Política no futebol (Santos, 2014) para um caso específico, ao analisar: elementos de espacialização a partir de diferentes formas de cobertura midiática, seja a transmissão dos jogos ou a cobertura dessas competições em programas de TV, sites e perfis de mídias sociais; o aprimoramento dos critérios de análise do padrão tecnoestético desenvolvidos em pesquisas do grupo desde o ciclo 2022-2023 do Pibic-UFAL, agora com maior auxílio da Análise de Conteúdo (Bardin, 2016) para tal, para captar a peculiaridade narrativa do futebol estudado; assim como a estruturação do torneio estadual nesta década, considerando a maneira que a Federação Alagoana de Futebol (FAF) e os próprios clubes o tratam em suas formas de divulgação.

Para isso, considerando a formação do orientador, foram montados dois grupos de planos de trabalho. Um voltado aos elementos de gestão da difusão midiática, com estudantes de Ciências Econômicas e Ciências Contábeis na análise do que se refere ao material produzido por clubes e Federação Alagoana de Futebol (FAF); com a dupla de Jornalismo lidando com o levantamento e a análise da cobertura midiática de sites e programas esportivos da TV aberta de Alagoas.

Assim, para atingir os objetivos estabelecidos, desenvolveu-se pesquisa qualiquantitativa a partir de métodos histórico, descritivo e estatístico, tendo como base teórico-metodológica principal a Economia Política da Comunicação (EPC), especialmente seus estudos sobre futebol, gênero e jornalismo.

Agregou-se como procedimento para coleta de dados a pesquisa documental em fontes primárias: canal do YouTube e perfil do Instagram da Federação Alagoana de Futebol (@fafalagoas); perfis no Instagram de 5 dos 6 clubes da edição de 2024 do Campeonato Alagoano de futebol de Mulheres (Acauã, Atlético Alagoano, Canoense, CRB e Guarani de Paripueira) – pelo volume de dados e tempo de coleta, optamos por deixar a União Desportiva Alagoana (UDA) para pesquisa específica futura; sites Gazeta Web, Globo Esporte Alagoas e Tribuna Livre; programa televisivo Globo Esporte Alagoas (no Globoplay).

Para o que se tratou de audiovisual (programas de TV e transmissão), os parâmetros seguiram os de análise de padrão tecnoestético apresentado por Santos et al. (2024), representando tanto questões de ordem técnica quanto das linguagens expressadas numa mercadoria cultural para atrair e manter público.

Para a Análise de Conteúdo, partiu-se de Bardin (2016, p. 42) para estabelecer “[…] procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”, aqui, qualitativos, que possibilitaram “[…] a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”.

Seguimos com algumas categorias de Santos et al. (2024), mas também elaboramos outras a partir de um conjunto de textos sobre jornalismo esportivo (sobre futebol de mulheres), casos de Leal e Mesquita (2023) e Peixoto et al. (2023) como: valores-notícia; o quesito (des)valorização; modelos de destaque; e o infoentretenimento.

A discussão teórica foi feita numa série de reuniões no primeiro semestre do projeto, que partiram da EPC e dos estudos interdisciplinares necessários para cada plano de trabalho, com 17 episódios no podcast Jogando Dados (https://open.spotify.com/show/56fuGwgZ6z5xp9ONkr9BFR). Houve apresentação na coluna “Dados na Mesa”; discussão dos textos na série “Ciclo CEPCOM”; além das palestras do curso de extensão “Patriarcado, Valor e Comunicação”.

Outra forma de publicação inicial do material trabalhado, fosse do referencial bibliográfico ou da primeira compreensão sobre os dados coletados, na coluna do “Observatório das Transmissões de Futebóis” no periódico Arquibancada, parte do portal “Ludopédio”.

A espacialização pela FAF e pelos clubes

Apresentando uma síntese dos resultados dos dois blocos, o primeiro deles representa o trabalho desenvolvido por estudantes dos cursos de gestão. Como discutido rapidamente antes, para a dificuldade de espacialização de campeonatos de futebol de mulheres como o caso de Alagoas é necessário que a organizadora do evento e os clubes trabalhem na divulgação para que o conteúdo chegue às pessoas.

A FAF transmitiu a competição em todos os anos da coleta, com a Band exibindo a final de 2023. Com acesso a todos os jogos completos das duas últimas edições e os lances das finais de 2021 e 2022, percebemos o que denominamos de “padrão tecnoestético precário” na maior parte. 

 

Figura 1 – Jogo sem transmissão

Fonte: Print do canal @fafalagoas no Youtube.

 

Em 2024, cuja edição analisaríamos 5 jogos, um deles não foi transmitido (UDA X CRB), enquanto os outros 3 (inaugural e duas semifinais) contavam apenas com uma câmera, sem equipe de narração e reportagem, elementos gráficos. Apenas a final tinha os elementos básicos de uma transmissão de futebol, com grafismos de vinheta da competição, placar, cartões e gols; além de duas câmeras, com a possibilidade de replay. 

A final destacou-se por abordar aspectos históricos e dar visibilidade às dificuldades estruturais do futebol de mulheres. Entretanto, a análise também identificou falas inadequadas, como comparações desnecessárias com o futebol masculino e comentários sobre atributos físicos das atletas, caso do cabelo.

A transmissão da final do ano anterior foi a de maior destaque. Além do único jogo de futebol de mulheres alagoano transmitido em TV aberta na história, a exibição contou com 4 câmeras: duas fixadas no meio de campo (em cima, com uma para focar), uma móvel e outra fixa na beira do campo

 

Figura 2 – Transmissão da final de 2023

Fonte: Print do canal @fafalagoas no Youtube.

 

Já em relação à mídia social, o perfil oficial da FAF seguia um padrão de cores ligadas ao “feminino”, do rosa ao roxo. Como destaques, em 2023, criou-se vídeos com jogadoras das equipes semifinalistas. 

 

Figura 3 – Postagem de título da UDA em 2024

Fonte: Print do canal @fafalagoas no Youtube.

 

Em 2024, gravou-se um vídeo com a jogadora alagoana Marta, uma das melhores do mundo, chamando para acompanhar o torneio. O vídeo com ela teve menos de 1 mil curtidas. No quantitativo, o destaque foi a postagem do título do CRB, em 2021, com quase 9 mil visualizações.

Quanto aos clubes, percebemos que o CRB não usa o mesmo perfil do masculino, ficando no @crbesportes, com outras modalidades amadoras. Importante apontar também que o Acauã usa “@meninasdoacauã”, termo que trata as jogadoras não como adultas – algo que apareceu em postagem da FAF sobre o título da UDA de 2022.

A cobertura jornalística de sites e programas televisivos

Quanto à cobertura jornalística, são verificadas publicações no Gazetaweb e no Globo Esporte Alagoas com alguma consistência em cada ano analisado, mas com foco nas fases decisivas. Já na Tribuna Livre, foram poucos textos encontrados, só um em 2022 e 2023.

O modelo segue o padrão da notícia, sem entrevistas ou qualquer aprofundamento. Além de maior destaque, especialmente no GE, para os jogos da UDA, que venceu os três últimos estaduais de mulheres.

Entre os programas esportivos escolhidos para análise no projeto, apenas o Globo Esporte Alagoas (TV Gazeta/Rede Globo) apresentou matérias, sendo, portanto, a única fonte com registros disponíveis, acessados via plataforma Globoplay.

Com a observação dos diferentes anos, identificam-se constantes oscilações e inconsistências, sem indicar uma trajetória de crescimento. Além disso, notou-se um padrão de cobertura que prioriza o desempenho, com a UDA, campeã de 10 títulos estaduais, sendo o grande destaque. Um ponto negativo, apesar de ser um programa afiliado à Rede Globo, é que em alguns momentos se utilizou de imagens vindas da internet, sem gravação direta com jogadoras ou nas partidas.

Síntese de conclusões

O projeto ajudou a mostrar que a luta por mais visibilidade e representatividade para o futebol de mulheres de Alagoas deve ser vista como parte de uma crítica mais ampla aos mecanismos de poder, à Indústria Cultural e ao patriarcado. 

Essa falta de consistência no torneio destaca a resistência das práticas jornalísticas tradicionais e a necessidade de um maior comprometimento com a inclusão e a visibilidade do futebol de mulheres. 

Referências

BONFIM, A. F. Futebol Feminino no Brasil: entre festas, circos e subúrbios, uma história social (1915-1941). São Paulo: Edição da Autora, 2023.

LEAL, D.; MESQUITA, G. B. Entre o objetivo e o subjetivo: a presença de novos valores-notícia no jornalismo esportivo. Estudos em Jornalismo e Mídia, v. 20, n. 1, mar./jul. 2023.

PEIXOTO, A. S. et al. Pedagogia da transmissão do futebol de mulheres. EDUR, v. 39, e39224, 2023. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0102-469839224.

SANTOS, A. D. G. dos. Os três pontos de entrada da economia política no futebol. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 36, p. 561-575, 2014.

SANTOS, A. D. G et al. Padrão tecnoestético como barreira à entrada: Limitações na transmissão do Campeonato Alagoano de futebol masculino de 2023. ESPORTE E SOCIEDADE, v. 17, p. 1-25, 2024.

Deixe uma resposta