Por Leda Maria da Costa e Ronaldo Helal
É tempo de futebol feminino. Copa América, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, além de outras competições, proporcionaram e continuam proporcionando jogos emocionantes e de excelência técnica. Não é novidade que as mulheres têm talento para jogar bola. Porém, como diz o ditado popular, nunca é só futebol. Está em jogo a desigualdade de acesso a oportunidades.
No Brasil, as narrativas sobre idolatria costumam privilegiar a genialidade e o dom como elementos fundamentais e suficientes para se alcançar o sucesso. Questões como trabalho e treinamento são, frequentemente, secundarizadas no imaginário futebolístico nacional. Mas sem esforço e disciplina é difícil sustentar uma carreira esportiva exitosa e a trajetória do futebol feminino é um bom exemplo que nos mostra que devemos ir além da exaltação pura e simples do talento como garantia de atuação plena no ambiente esportivo e que não devemos esquecer do abismo de acesso a direitos e oportunidades que sempre se fez presente no futebol e na sociedade.
Foto: Futdelas – Brasil x França Feminino
Nesse universo, mais do que trabalho e treinamento aliados ao talento, a carência de condições materiais e institucionais para a prática esportiva sempre foi outro obstáculo a ser superado. Durante mais de três décadas, jogar futebol representava para muitas mulheres o embarque em uma aventura de risco que misturava o prazer lúdico do jogo e a vontade de exercer o direito legítimo de fazer parte do esporte mais popular do país. Quando falamos em risco não se trata de uma alusão metafórica. Os órgãos oficiais que controlavam a prática esportiva do país costumavam recorrer à ameaça e mesmo ao uso de força policial para impedir a realização de partidas de futebol feminino.
Esse esporte foi oficializado no Brasil somente em 1983, quase um ano depois da realização da 12.ª edição da Copa do Mundo masculina da FIFA, evento existente dede 1930.
As mulheres sempre souberam jogar bola, porém, o que tem mudado é o tratamento institucional e midiático conferido ao futebol por elas praticado. O contexto mais favorável ao futebol feminino vem sendo construído aos poucos e, certamente, o protagonismo desse processo foi sempre das mulheres.
Para além dos problemas legais, muitas mulheres tiveram que lidar com o constante risco de enfrentamento dos olhares condenatórios e das falas ofensivas vindas do público e até de seus familiares. Assim, várias atletas sequer tiveram a chance de se manifestar na história do futebol brasileiro e, certamente, nesse conjunto há uma parcela imensa de mulheres que tiveram o dom para o futebol desperdiçado, invisibilizado e deslegitimado.
Portanto, o futebol feminino nos convida a pensar sob prismas renovados a respeito do futebol brasileiro e da nossa própria sociedade. Porque nunca é só futebol, caso contrário as mulheres não precisariam ter enfrentado décadas de uma proibição sustentada pelo preconceito. O que está um jogo é a necessidade de se construir um futebol brasileiro mais democrático e que se configure como um bem comum e não exclusivo.
É tempo de futebol feminino e das mulheres resgatarem cada instante que estiveram longe dos gramados.
Versão do artigo publicado no jornal O Globo Impresso do dia 17 de setembro de 2025.
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