Semana passada a seleção brasileira de futebol completou sua milésima partida em disputa acirrada com a boa seleção colombiana realizada nos Estados Unidos. A famosa trajetória de glórias, conquistas e decepções como a trágica derrota na final de 1950 para os uruguaios teria se iniciado com um amistoso no longínquo 21 de julho de 1914 contra uma equipe da terceira divisão inglesa, o Exeter City. Mais informações na página da Fifa.
Independentemente da razoável partida com belos lances como os gols do lateral colombiano Quadrado, que mostrou que não é preciso ser mágico para ser eficiente, ou de Neymar ao empatar o jogo que depois ficaria marcado pelo fieldgoal executado pelo craque em cobrança de pênalti, outra questão me chamou atenção nesta véspera de comemoração cívica.
Em um momento em que muitos pesquisadores acadêmicos discutem a relação do futebol com a Nação, uma partida com um apelo midiático ao simbólico número mil e com muitas pessoas relaxando antes do feriadão que marca a Proclamação da República, o que percebi ao realizar de forma descompromissada uma observação empírica em bares de Copacabana e Botafogo foi a pouca importância atribuída ao amistoso internacional.
Será que a hipótese trabalhada por Helal, Lovisolo, Soares e outros acadêmicos de que atualmente a identificação com a seleção brasileira está vinculada a um nacionalismo cíclico que ocorre apenas durante as Copas do Mundo pode ser cada vez mais comprovada nos botequins e espaços públicos? A própria pesquisa etnográfica de Edson Gastaldo em bares brasileiros pode trazer luzes para esta investigação. Todavia a questão final do artigo “Pra Frente Brasil! Comunicação e Identidade brasileira” escrito em 2008 por Helal, Cabo e Silva continua sem resposta há apenas um ano e meio do início do torneio mundial de 2014:
Seremos testemunhas de um resgate simbólico de um nacionalismo exacerbado ou a espetacularização do evento nos moldes do capitalismo do século XXI diluirá a identificação nacional? (clique aqui para ler o artigo na íntegra)
Como o presente post não é acadêmico e também não tem a pretensão de responder as complexas questões levantadas a partir de pesquisas teóricas aprofundadas, sendo derivado apenas de uma pontual observação empírico-etílica e de reflexões acerca da relação atual entre o brasileiro e a seleção de futebol atualmente, vou levantar algumas considerações especulativas filosóficas típicas de papo de bar que muitos podem considerar o óbvio ululante:
a) Existe atualmente uma banalização dos jogos da seleção brasileira.
Antigamente uma partida do escrete “canarinho” era um acontecimento, uma celebração. Os torcedores aguardavam ansiosos o momento de começar a partida, assim como Penélope esperava o retorno de Ulisses da Guerra de Tróia. Jogos com a Bósnia Herzegovina, China e Iraque, com todo respeito que devemos ter com essas nações simplesmente não acrescentam nada para a preparação do futebol brasileiro.
b) A identificação com os clubes.
Não conheço nenhum apaixonado por futebol que prefere assistir uma partida da seleção brasileira ao invés de um jogo do seu time de coração. Se isto deriva de um sentimento de pertencimento maior ao clube, se é consequência de um efeito inverso no processo de globalização que estimula os regionalismos, ou se é pelo fator econômico que faz com que os principais jogadores estejam atuando em equipes da Europa é difícil de avaliar. Possivelmente é o resultado de uma combinação de diversos fatores.
c) O Futebol não é o ópio do povo brasileiro.
Muitos brasileiros apaixonados por futebol felizmente questionam os abusos cometidos pela C.B.F, que por exemplo acabou de mudar a data das eleições para a presidência para antes da realização do torneio de 2014, provavelmente temendo um novo totalmente privatizado “Maracanazo”. O temido superfaturamento nos projetos de construção e remodelação dos estádios e as instalações para a infraestrutura da Copa do Mundo, além das especulações sobre os interesses econômicos de grandes empresas multinacionais maculam a imagem institucional da organização do futebol no Brasil que acaba respingando na própria paixão pela seleção.
d) A bola da seleção do Mano está bem quadrada.
Independentemente da construção mitológica do arquetípico futebol-arte brasileiro, o jogo apresentado pela equipe dirigida pelo ex -“truta” do “bando de loucos” tem sido muito pobre. O quadrilátero se tornou metáfora no senso comum tanto para cerveja que desce mal quanto para a bola que rola com dificuldades. Se da equipe de coração esperamos apenas o pragmatismo dos resultados, observo que é cultural do brasileiro proclamar que o futebol da República Federativa do Brasil seja o maior do mundo, fato bem questionável nos dias atuais.
Isto posto, estamos às vésperas da última partida oficial da seleção este ano, justamente contra a rival Argentina em uma conjuntura de muitas críticas e questionamentos por boa parte da imprensa devido ao jogo ser realizado apenas com jogadores dos times que atuam em ambos os países no final da temporada, banalizando assim um super-clássico que chegou a ser chamado de sub-clássico por um renomado jornalista esportivo no programa linha de passe da ESPN Brasil. Pode até ser que o fato da partida ser realizada pela primeira vez na Bombonera e justamente com jogadores cujas imagens estão vinculadas aos times nacionais, o evento desperte a atenção dos amantes da bola, mas dificilmente provocará um clamor popular.
Assim sendo talvez tenha chegado a hora de tentarmos valorizar mais este símbolo pátrio que junto com o hino, as armas e a bandeira encontra-se também em um processo de vulgarização. Para quem ainda gosta da amarelinha, vamos tentar salvar este lindo estandarte da esperança nacional evitando que a seleção canarinho não caia historicamente no ostracismo assim como a bela letra do poeta parnasiano Olavo Bilac e musicada por Francisco Braga.
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