Estanho, estanho, estanho,
Gol de Valentin
(refrão cantado pelos torcedores de Boca para Paulo Valentim).

O tempo está fresco em Belo Horizonte neste último domingo do mês de julho de 2014. Desço para tomar o café da manhã no Hotel e passeio pelas saídas do Estado de Minas. Tem uma boa matéria sobre Hilda Furacão, personagem criada por Roberto Drummond, a partir da sua realidade suposta em seus tempos de solteira, Hilda Maia Valentim, após casamento com Paulo. A série homônima da rede globo utiliza como base o romance de Drummond.
O nome de Paulo Valentim faz cócegas em minha memória. Eu me lembro dele!
Os futebolistas brasileiros foram contratados pelos clubes argentinos antes das recentes contratações de argentinos pelos brasileiros. De fato, um bom estudo sobre essas contratações entre os países vizinhos diria coisas interessantes sobre o futebol, os clubes e os contextos nos quais estão inseridos.
Volto ao Paulo. Jogou pelo Boca Juniors entre meados de 1960 e 1964. Um pouco de ter chegado ao clube, fez seu gol inicial em amistoso com o Racing Club de Mar del Plata. Isso não foi nada. Em setembro do mesmo ano fez dois gols contra o adversário River Plate. Tornou-se ídolo da torcida “bostera” e matéria dos jornais esportivos. No tempo do Boca fez 128 gols, perto de 30 por ano. A “pareja”, ele e Hilda, apareceram em eventos e nas páginas sociais de jornais e revistas. A vida parecia ser boa, agitada e boêmia.
Paulo nasceu em Barra do Piraí em 1932. Uma juventude inquieta onde os tragos, se contava por aí, esquentavam a máquina para aventuras mais de fundo, corpo a corpo. Como sempre, o pai, cansado de guerras, o invejoso para Belo Horizonte. Tinha sua carreira na Central de Piraí iniciada e passada pelo Guarani de Volta Redonda. Em Belo Horizonte deu um salto significativo: foi contratado pelo Atlético Mineiro durante um ano (1955/56) onde fez 33 gols. Deve ter sido um craque para Roberto Drummond, atleticano até na vida, que compôs o famoso hino cuja destacada frase “o atleticano torce contra o vento” ainda se escuta, embora sem referência bibliográfica.

O romance de Hilda Furacão parece encaixar no imaginário futebolístico e quase no certamente boêmio do autor e do ídolo futebolístico. Compartilhamos experiências em comum. Do Atlético, Paulo saltou para o Botafogo (1956/1960) puxado pela confiança de João Saldanha em suas avaliações, que deveriam superar os gestos icônicos da vida boêmia: álcool, fumo e sexo. No tempo do Botafogo fez quase 140 gols e participou de partidas memoráveis. Naquela época, o Botafogo não era para jogadores mornos. Sempre será lembrado o jogo de 1957 contra o Fluminense: cinco gols de Paulo e um de Garrincha. Resultado final 6×1.
Depois do Boca, já no Brasil novamente, terá uma rápida passagem de um ano pelo São Paulo, dez jogos e quatro gols. Encerrou sua carreira futebolística em Monterrey do México.
A seguir a história da decadência. Parece que trabalhou como estivador no próprio México. Do estrelato à pobreza. Paulo morreu pobre em 1984, jovem com apenas um pouco mais de cinquenta anos. Penso que morreu em Buenos Aires, embora não tenha confirmação deste dado.
O foco da matéria do Estado de Minas é Dona Hilda com 83 anos refugiada em um asilo público municipal de idosos em Buenos Aires, alternando momentos de lucidez com esquecimentos. Na verdade, o casal voltou para Buenos Aires e as informações situam Paulo formando jogadores. Afirma-se que deverá retornar à Argentina com o apoio de amigos generosos. Contudo, não sabemos muitos desses amigos nem mesmo eram brasileiros ou argentinos. Poderíamos agradecer ao Governo da Cidade de Buenos Aires que mantém o refúgio onde Hilda está asilada junto com uma nora, viúva de um dos filhos que teve com Paulo.
O casal tinha morado quatro anos na Argentina, especificamente em Buenos Aires. Mesmo considerando que foram anos muito intensos, com alto reconhecimento profissional do Paulo e social de ambos, dizem que Hilda foi tratada como primeira dama no Boca Junior. Teriam sido suficientes os rescaldos dessas experiências para provocar a opção de retorno à Argentina?
As teorias da migração enfatizam tanto as forças de expulsão quanto as de atração para explicar as opções dos migrantes. Contudo, no plano da biografia as razões se tornam mais existenciais, mais emocionais e menos dominadas por condições coletivas. A opção de Paulo e Hilda pelo retorno à Argentina mereceria tanto uma explicação sociológica quanto a segunda parte do romance de Hilda Furacão.
Pesquisadores são assim: uma notícia de jornal e aí… Prestar atenção no que está a sua volta e pensar sobre é requisito básico. Quem sabe depois deste texto outros se animem a desvendar um pouco mais da História de Hilda e Valentim.
Ótima narrativa e espero que instigue a outros pesquisadores ( ou o próprio Hugo) a tentar responder a questão que ficou colocada no último parágrafo..