O que tinha Pelé para ser chamado de Rei do Futebol? Perfeição. Essa é a palavra que melhor o define. Pelé era completo em todos os fundamentos. Seu jeito apolíneo de jogar futebol impressionou o mundo em 1958, quando ele tinha 17 anos. E o corou definitivamente como o melhor de todos os tempos, após o milésimo gol em 1969, e na conquista do tricampeonato, em 1970, com 29 anos de idade.

Durante muito tempo sua “realeza’ era inquestionável, uma unanimidade. Mesmo na Argentina. Muitos não sabem, mas Pelé foi colunista do Jornal Clarín nas Copas de 1978, 1982, 1986 e 1990. Sendo que nessa última, ele foi anunciado, em uma foto cumprimentando Maradona, como o maior da história na apaixonante atividade de se jogar futebol.
Nas Copas de 1982 e 1986, os jornais brasileiros e argentinos debatiam sobre Zico e Maradona, para saber quem era o melhor. Pelé estava fora dessa discussão. A partir dos anos 2000, por conta de uma votação na internet promovida pela FIFA, criou-se o debate entre Pelé e Maradona sobre o maior da história.
Uma heresia comparar jogadores de épocas distintas. Mas isso faz parte do esporte. Ainda assim, jornais do mundo inteiro, como franceses e alemães, por exemplo, noticiaram a morte do Rei como o melhor da história.
Quais os atributos perfeitos de Pelé para ser o Rei? Todos. Ou melhor, todos aqueles que imaginamos ser possíveis na atividade futebolística. Cabeceio, passes, dribles, gols, arrancadas, tiro livre etc. Em tudo, parecia que a figura de Apolo, o Deus da perfeição, estava presente.
Idolatrado mundialmente, Pelé criou um repertório de jogadas e gols que levaram a conquistas memoráveis. E surpreendentemente até de gols antológicos que, infelizmente, não aconteceram, mas que, ainda assim e talvez por isso mesmo, se tornaram célebres, inesquecíveis, como o contra o Uruguai, na Copa de 1970.
Pelé, um homem preto, atleta extraordinário, tema de artigos acadêmicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Simplesmente o Rei do futebol. E isso em um país e em uma época em que casos de racismo eram frequentes e que, ainda hoje, se tornam evidentes.
Pelé passou um tempo de sua vida tendo que se explicar e se justificar de acusações de que ele poderia ter feito mais para o movimento negro, por exemplo. Alguns o criticaram por isso. Inclusive, se tornou famosa a frase de que Pelé calado seria um poeta. Mas Pelé em campo era pura poesia.
O fato é que sua simples presença em lugares onde pretos não costumam frequentar e que são barrados na entrada, era de uma importância ímpar e orgulho de muitos. E mesmo sendo alvo de críticas dentro de seu país, sua comparação com qualquer outro atleta de futebol era considerada uma blasfêmia para a maioria dos brasileiros. Pelé, atleta, era sagrado. E, portanto, intocável, incomparável.
Eu tive o privilégio de ver Pelé jogar quando eu era criança. Foi o único atleta a marcar gol contra o meu amado Flamengo e a torcida aplaudir (eu inclusive). Pelé estava além e acima das rivalidades. Ídolo mundial, herói do Santos, se tornou ídolo e herói de todos os brasileiros. Eternamente.
Obrigado, Pelé.
Artigo publicado no jornal “O Globo”: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/01/por-que-pele-era-o-rei-do-futebol.ghtml