É notória a mudança em que vive a NBA. O tradicional all-star game que antes era disputado entre os melhores das conferências Leste e Oeste, agora é feito por uma seleção de capitães decididos pelos fãs da liga via internet. As restrições aos jogadores em quadra é maior se comparada com épocas passadas, quando as provocações e o contato físico no garrafão ditavam o ritmo do jogo. Hoje, as bolas de três e a predominância do jogo rápido, em transição, ocuparam o lugar do jogo físico de antigamente. Já nos negócios, as trocas entre jogadores consolidados na liga eram algo raro em períodos passados, mas, atualmente, é de certa forma comum e tem causado bastante polêmica entre críticos e até entre os próprios jogadores.
A criação de “super times” no papel está relacionada com o atual cenário da liga, em que muitos jogadores, com uma identidade criada há alguns anos, trocam suas franquias para construírem times mais competitivos. Alguns deram certo, vide o Miami Heat em 2011 ao recrutar LeBron James e Chris Bosh para formar um time forte com Dwayne Wade. A franquia da Flórida conquistou dois títulos da liga, em 2012 contra o Oklahoma City Thunder e em 2013, quando bateu a equipe do San Antonio Spurs. No entanto, muitos foram os times que não corresponderam à expectativa que se gerou em torno deles e logo foram desmontados, como o Los Angeles Lakers em 2012 de Kobe Bryant, Steve Nash e Dwight Howard. Além do time de Los Angeles, mais recentemente, o Thunder recrutou Carmelo Anthony e Paul George para se juntarem ao seu astro Russel Westbrook, mas, após uma temporada com muitos problemas de vestiário e sem muito brilho, caiu ainda na primeira fase dos Playoffs. A pergunta que fica é: a lealdade pela franquia é algo que deve pesar para o jogador?
No verão passado, o assunto que predominou durante a agência livre foi a escolha de Kevin Durant, até então jogador do Thunder por oito temporadas, pelo Golden State Warriors. Vale lembrar que, alguns meses antes, as duas franquias fizeram a final da conferência Oeste vencida pelo time da Bay Area depois de sete jogos. O Golden State era considerado até então a melhor franquia da liga, além de ter quebrado o recorde de mais vitórias em uma só temporada (73). Para muitos especialistas e fãs da liga, o all-star Kevin Durant optou pelo caminho que o levaria mais rápido ao título, ao assinar com um time já hegemônico e considerado como o principal rival do Thunder, embora tenha chegado perto de bater nos playoffs na temporada passada. Não há nada que impeça que isso aconteça, mas a moral de Kevin com os fãs do Thunder e com seus ex-companheiros de equipe ficou bastante desgastada. A questão é que a franquia de Oklahoma tem um histórico de times competitivos, mas que não conquistaram o título. Em 2012, ficaram com o vice-campeonato e em 2011, 2014 e, por último, em 2016, perderam na final de conferência. Foi justamente o Golden State, time que Kevin passou a defender, que derrotou o Thunder. Por isso, a sensação de traição, após tantos anos juntos, foi a tônica da saída. Certo ou errado, Kevin Durant e a agência livre de 2016 é um exemplo de que a fidelidade entre jogadores e franquia na liga está em xeque.

Já nessa off season, mais uma troca movimentou o debate na liga. DeMar DeRozan, após sete temporadas com o Toronto Raptors, foi trocado pela franquia que, segundo DeRozan, assegurou que não o trocaria. Entretanto, desde a sua última renovação de contrato, a desconfiança e as decepções recorrentes em playoffs pesaram para a franquia de o Canadá trocar seu principal jogador. Além disso, o jogador foi trocado por outro all-star, Kahwi Leonard, que teve uma temporada marcada por lesões em San Antonio, mas pode dar um novo caminho à equipe de Toronto. Chateado, DeRozan não escondeu nas redes sociais sua frustração: “Ser prometido uma coisa e o resultado ser outro. Não pode confiar neles. Não existe fidelidade nesse jogo. Eles te vendem rápido por um pouco de nada.”
O clima de insegurança entre franquia e jogadores é reflexo dessa mudança constante de identidade, visto que não é garantido que o jogador será fiel a franquia e terá seu contrato renovado. Muitos são os jogadores que são trocados, mas, após ter completado o contrato em seu novo time, já procuram outro caminho pela agência livre. As franquias cada vez mais não querem correr o risco de saírem sem ganhar nada, ainda mais quando o jogador possui mercado, visto que as chances de perdê-lo são grandes. O que afeta diretamente na confiança das franquias na hora de apostarem por mais alguns anos ou pela troca é a sede de títulos a qualquer custo e a falta de empatia com a franquia que os recrutou.

A questão do contrato máximo permitido pela liga é mais um fator que influencia esse debate. Alguns jogadores, visto que a manutenção do bom rendimento na liga de basquete mais disputada do mundo não é algo fácil, buscam logo nos primeiros anos de carreira ter a garantia de receber, por alguns anos, o máximo em dinheiro estipulado pela organização. Entretanto, as franquias estudam diversos fatores que viabilizam ou não o contrato máximo: potencial, idade, possibilidade de título, histórico de lesões, entre outros. A NBA determina um teto salarial para cada franquia e para esta, ter um jogador que não atinge às expectativas, durante todo seu contrato, é extremamente prejudicial.
No verão de 2017, outra grande troca agitou a off-season: Kyrie Irving, armador do Cleveland Cavaliers, foi trocado para o Boston Celtics por Jae Crowder, Isaiah Thomas, Ante Zizic e uma escolha de 1ª rodada no draft do ano seguinte. A temporada tinha sido marcante para Isaiah Thomas e para os fãs do Boston, porque assistiram o armador de 1,63m levar a franquia para o primeiro lugar da Conferência Leste. Além disso, ainda viram Isaiah Thomas ser selecionado, pela primeira vez, para o All-Star Game. Já nos playoffs, um dia antes do primeiro jogo do 1º round, contra o Chicago Bulls, Isaiah perdeu sua irmã, Chyna Thomas, em um acidente de carro em Washington. Visivelmente abalado, Isaiah mesmo assim se recusou a abandonar a temporada e levou os Celtics até a final do Leste, quando sofreu uma lesão no quadril e viu seu time perder a série para o Cleveland, de LeBron James. A história de Isaiah é marcante não só para ele, mas também para todos os torcedores de Boston. No entanto, poucos imaginavam que acabaria ali.
Isaiah iria para seu último ano de contrato em 2018 e, após duas temporadas liderando o Celtics em quadra, deixou bem claro que só renovaria pelo valor máximo do contrato. Por sua vez, seria arriscado demais para o Celtics ceder o preço pedido por Thomas, visto que comprometeria todo processo de reconstrução que Boston havia iniciado em 2013. No mesmo período, Kyrie pediu para ser trocado de Cleveland e Danny Ainge, General Manager dos Celtics, não pensou duas vezes em fechar negócio. Logo depois, as indagações vieram à tona de novo: o Celtics não foi leal ao Thomas, ao trocá-lo, após tudo que construíram? O Thomas vale um contrato máximo? Boston seria candidato ao título com ele como principal jogador? Para qualquer uma das respostas, Ainge fez o que era benéfico para os Celtics.
Logo, verifica-se que a questão da lealdade fica comprometida quando os interesses particulares de uma das partes são prejudicados. Da mesma forma que os jogadores visam os melhores contratos, prêmios individuais e títulos, as franquias buscam a manutenção de times competitivos à longo prazo. No cenário atual, nota-se times cada vez mais híbridos, com prazo de validade. A lealdade é algo importante, sim, mas que só é ressaltada quando uma das partes rompe com a imagem que propagou durante sua passagem pela franquia. Vince Carter, membro do hall da fama da liga, deu entrevista à ESPN Brasil sobre o assunto: “As relações entre franquias e jogadores são diferentes de qualquer outro tipo de relação. Obviamente eles têm que cuidar dos interesses da organização e o atleta fica de lado. Então, é muito complicado. Chega a ser assustador.” É necessário pensar várias vezes antes de comprar uma jersey de seu atleta favorito, pode ser que na próxima temporada o jogador defenda as cores do rival.