A manhã já estava cinza neste dia 10 de junho, quando nos deparamos com a notícia: o Gilmar Mascarenhas faleceu. Um espanto de: “como assim?” foi inevitável. Ele esteve conosco no Seminário Internacional Copa América, em 10 de abril, e nos deu o prazer de ministrar uma palestra sobre as mudanças proporcionadas às torcidas pelos novos estádios de futebol. Dia 9 de abril, uma chuva torrencial parou a cidade do Rio de Janeiro e todas as nossas palestras tiveram que ser condensadas em apenas um dia: Gilmar, que acabara de voltar de uma viagem dos Estados Unidos, veio até ao LEME, com seu sorriso caraterístico, sabendo que falaria somente por cerca de 20 minutos.

Generosidade – talvez seja essa uma das palavras que mais definem Gilmar em seu trabalho como educador e pesquisador. A sua tabelinha com Ronaldo Helal, coordenador deste grupo de pesquisa, já ultrapassava 20 anos. Foram incontáveis as bancas que estiveram juntos, trocando experiências e deixando um pouquinho de si em cada dica e orientação.
Gilmar estava indo para um trabalho de campo de geografia urbana, em sua bicicleta – há tempos tinha abandonado o carro e se propunha à experiência de “sentir” a cidade -, quando foi atingido por um ônibus.
A tragédia fez com que cerca de 20 orientandos, amigos, colegas, filhos e netos perdessem a convivência deste “cara” que a partir do seu amor ao Botafogo, desde cedo, virou gente grande, se consagrando um dos maiores pesquisadores do país quando o assunto é futebol. Gilmar pesquisava o futebol de dentro dos estádios, estava nas torcidas, lidando com as pessoas, tentando explicar o porquê deste fenômeno ser capaz de unir tantas multidões.
Poderíamos ficar linhas e linhas tentando descrever quem foi e o que fez Gilmar Mascarenhas. Mas não seria o suficiente para dar conta do seu legado, palavra que, aliás, vimos diversas vezes repetida e problematizada em seus trabalhos sobre os megaeventos esportivos. Preconizou de forma antecipada – sem nenhum tipo de pretensão profética, senão pelo seu compromisso com a realidade e com sua veia crítica – os impactos negativos hoje visíveis dessas empreitadas megalômanas.
Adotava uma abordagem muito especial sobre o futebol, provocando a reflexão sobre os estádios como parte das complexas dinâmicas do universo urbano, onde o poder do dinheiro e do Estado está sempre em confronto com as formas criativas de se recriar a vida cotidiana. Entusiasta da cultura e das festas populares, enxergava a carnavalização das arquibancadas como uma forma de se disputar os sentidos desse espaço, reivindicando reflexões filosóficas que ninguém jamais havia tentando trazer para o futebol – a exemplo das ideias das táticas de apropriação dos torcedores e do “espaço vivido” na produção social dos estádios, que tanto ressaltou em sua obra.
Essa criatividade intelectual, coerente e inovadora – ao estilo dos craques que jogam para cima, mas não se furtam de ousar, como um Garrincha, gênio do seu amado Botafogo – rendeu a Gilmar Mascarenhas a admiração e respeito do amplo campo transdisciplinar dos estudos de futebol no Brasil. Prestígio que o levou a eventos em todo o mundo, em viagens nas quais dedicava grandes porções de tempo para fazer as duas coisas que mais amava: frequentar estádios de futebol, e observar a vida com a proeza do grande pensador social que era.
Essa inquieta inventividade se transformou em uma produtiva e instigante obra de vida, cuja escrita poética e agradável, sem dúvidas, ainda influenciará diversas futuras gerações de pesquisadores e pesquisadoras. Legado, esse sim, real e concreto, que nós do Laboratório de Estudos de Mídia e Esporte faremos questão de manter vivo, guardando acesa a chama de um pensador apaixonado pelo que fazia e pelo que estudava.