Publicidade, futebol e aberrações

Lembro de uma piada que um ex-professor, nos idos da graduação em Economia, na uff, contava. Dizia ele que um torcedor tinha ido ao estádio assistir a uma partida de futebol, mas, sem estar muito familiarizado com certas picuinhas (como patrocínios em camisas), não havia entendido direito. Ao retornar ao lar, perguntado como tinha sido o jogo, ele responde:

– Foi um jogo e tanto. Torci muito pelo time verde, mas deu empate.

– E que times estavam jogando?

– Doril X Lubrax…

Bons tempos, prof. Silvando (era esse mesmo o nome dele. Dava aula com “O Capital” –versão original, autografada – em mãos, traduzindo direto do alemão arcaico).

Falei disso só pra mostrar o quão errante tem sido essa saga publicitária relacionada aos esportes de maneira geral e ao futebol em particular. Ainda me assombra ver coisas como as recentes camisas do Corinthians, ou , voltando um pouco no tempo, aquela camisa da seleção canarinho com o logotipo da coca-cola, em 1987…

Entendo perfeitamente que, no atual cenário, o purismo de antigamente já não cabe mais, que os supervalorizados profissionais-atletas (consequentemente os clubes), não conseguiriam se manter apenas com a renda das bilheterias (cada vez menores, mesmo com ingressos cada vez mais caros…), porém algumas práticas são muito difíceis de se digerir. A que mais salta aos olhos, no futebol brasileiro é o caso (ou case, como gosta o pessoal do marketing, e dá-lhe colonialismo cultural) do banco mineiro BMG. A tal instituição financeiro-filantrópica (ta dando dinheiro até pros velhinhos do INSS! Só chegar lá e pegar!) patrocina coisas tão inconcebíveis como dois clubes se enfrentando. Os dois exibindo “BMG” em suas camisas! Quando presenciei tal desatino pela primeira vez perguntei: Será que só eu vejo que o Rei está nu?!?

Estranhamente, o BMG, em sua página oficial, cita apenas  5 times profissionais e um feminino:

“Futebol:  O BMG é patrocinador master dos clubes Coritiba, Atlético Goianiense, América-MG, Ipatinga e Tupi FC. E patrocinador da equipe feminina de futebol do Santos.”

É por isso que ADORO a (academicamente – injustamente – contestada) Wikipédia. Busquei a informação lá e pronto. Completa, mil vezes melhor que a “oficial”:

O Banco BMG patrocina diversas entidades esportivas. O Banco BMG e o Vasco firmaram contrato de patrocínio até o término do Campeonato Estadual do estado do Rio de Janeiro de 2011, no valor de 1,5 milhão de reais. Atualmente são patrocinados pela empresa o Esporte Clube Pelotas, Brasil de Pelotas, Vasco, Flamengo, Atlético-MG, Cruzeiro, América-MG, Bahia, Uberaba, Coritiba, Atlético Goianiense, Itumbiara, Santa Cruz, São Paulo, Sport Recife, Rio Branco Atlético Clube, Botafogo-SP, Santos FC, São Bernardo FC, Campinense Clube e Treze Futebol Clube, além das equipes da Superliga de vôlei masculino BMG-Vivo/Minas, BMG/Montes Claros, BMG/São Bernardo e de vôlei feminino BMG/Mackenzie e BMG/São Bernardo. O Banco é administrado pelo empresário mineiro Ricardo Guimarães.

Percebam o desatino: A entidade filantrópica “dá dinheiro” para coisas tão opostas quanto Brasil e Pelotas (rivais na cidade), Vasco e Flamengo, Galo e Raposa e Coelho em MG…Vou parar, porque acho que já me fiz compreender. Como a CBF permite uma coisa dessas? Aqui um textinho sobre o pretenso “Banco do futebol”… a propósito… você sabe o que significa BMG? Não? Nem eu sabia! Acho que nem os jogadores que vestem a camisa do banco sabem! Felizmente achei no “dicionário de siglas”: Banco de Minas Gerais.

Obviamente, procurei por mais informações, junto à organização que comanda o futebol aqui em Pindorama. Na página oficial da CBF não encontrei nada a respeito o único artigo que fala em publicidade diz textualmente: “Art. 28 – Os clubes deverão usar os uniformes previstos em seus estatutos, observado o disposto na legislação quanto ao uso de publicidade”… Pensei em ir na rua da Alfândega, digo, Barra da Tijuca (esqueci que a CBF agora é emergente também)… mas desisti. E olha que não fui único a estranhar essa ausência regulamentar… esse cara aqui também não achou nada.

Alguns argumentam que “não há regras”, mas isso não é verdade. Se fosse, veríamos o que acontece na Europa, como bancas de jogos de azar (bwin, sportingbet, etc) patrocinando clubes. Isso ainda não acontece por aqui, felizmente. A legislação brasileira baniu, há alguns anos, os comerciantes de bebidas alcoólicas da publicidade esportiva. Por isso não vemos aqui o que acontece em outros países, com times de futebol exibindo marcas de cerveja, por exemplo.

O CONAR diz textualmente:

3. Princípio do consumo com responsabilidade social: a publicidade não deverá induzir, de qualquer forma, ao consumo exagerado ou irresponsável. Assim, diante deste princípio, nos anúncios de bebidas alcoólicas:

j. não se associará o consumo do produto ao desempenho de qualquer atividade profissional.

l. não se utilizará uniforme de esporte olímpico como suporte à divulgação da marca.

Engraçado que as cervejarias cansam de patrocinar as transmissões de eventos esportivos: está assistindo ao jogo e, de repente, entra uma “Skol” ou “Brahma”… de leve na sua tela. O CONAR e o governo não vêem isso, né? Pois é… fazer Lei Seca eles sabem!

Já que falei em CONAR e jogos de azar (rimou!), recentemente uma banca de jogos (Sportingbet) teve a veiculação de sua publicidade proibida pelo órgão. Recorreu aos tribunais brasileiros, mas de nada adiantou (veja notícia).

Voltando aos clubes de futebol e suas camisas: a maior torcida do Brasil comemorou, em 2011, a oportunidade de, pela primeira vez desde 1978, comprar uma camisa oficial de seu clube sem a “mácula” publicitária (ou quase, já que o BMG continua lá, nas mangas, intocável). Isso é raríssimo. O último estandarte a sucumbir foi o Barcelona, da Espanha. O clube catalão diz sobreviver das contribuições dos sócios, mas, desde 2006, talvez pra que os torcedores se acostumem com a idéia de letras poluindo o uniforme, vêm estampando a marca do “Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência – UNICEF”. O caso é ainda mais estranho, se considerarmos que, além de não receber nada da ONU, o clube ainda paga 1,5 milhões de Euros anuais para ajudar as criancinhas pobres.

Para finalizar, que já falei demais, uma gracinha que achei nos blogs da vida:

“Oi, quero anunciar na camisa do Corinthians:

“Vendo Opala 87, seminovo, primeiro dono”

Tudo é possível, caro torcedor.

Links sobre o assunto:

Futebol Money League

O “estupro das camisas”

BMG

http://futebolnegocio.wordpress.com/2009/04/30/patrocinio-banalizado/

www.donnicision.com/…/RDI_01_91_Normas_Orgânicas_da_CBF.doc

http://blogs.diariodepernambuco.com.br/esportes/?p=34731

http://www.revistaencontro.com.br/edicao/104/o-banco-do-futebol

3 thoughts on “Publicidade, futebol e aberrações

  1. Esqueceu de falar que, mesmo apelando pra saites de jogos de azar (os bicheiros modernos), os grandes clubes europeus tão operando no vermelho. Ou seja, aquela velha história de que “lá na Europa que é bom”, que lá é o “modelo a seguir”, não convence muito não.

    Johan Heninger

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