Recreio sem futebol

Antes mesmo da posse, a ministra do Esporte, Ana Moser, deixou clara a prioridade da pasta, recriada após quatro anos: promover acesso universal e igualitário à prática esportiva. Após o ciclo encerrado de megaeventos no Brasil e de investimentos bilionários em um grupo seleto de atletas de ponta, o orçamento agora tem outro foco [1], pelos próximos quatro anos: o esporte na escola.

O objetivo é combater o sedentarismo, promover igualdade de gênero, reduzir a agressividade entre os alunos, promover sociabilidade entre os jovens e tirá-los da rota das drogas. Mas e se isso começasse justamente desmontando aquilo que mais simboliza a educação física, a típica quadra de futebol?

 Pátio do colégio Nossa Senhora de La Paloma, em Madrid. Foto: Claudio Álvarez

Arquitetos verificaram como é positivo para o cotidiano escolar que as duas traves não sejam o centro das atenções de um pátio. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Viena [2] analisou o design e a estrutura de 20 áreas de recreação de escolas austríacas.

Os pesquisadores concluíram que os meninos ocupam o espaço do pátio com o futebol, enquanto as meninas permanecem em lugares periféricos, menores e realizavam atividades com menor gasto calórico. Nem a maior difusão do futebol feminino foi capaz ainda de mudar o apartheid entre os gêneros nas áreas de recreação, que são 80% “futebolcêntricas”, segundo a Equal Saree [3], organização não-governamental de arquitetura e urbanismo feminista na Espanha.

Para mudar esse cenário, as arquitetas da Equal Saree mudaram a dinâmica dos pátios de algumas escolas. Novas modalidades, como o vôlei, foram incluídas, mas o difícil rompimento com o esporte dominante resultou em interações mais igualitárias. As meninas aumentaram a atividade física, o jogo ficou mais compartilhado, e o recreio foi ocupado de forma mais equilibrada pelos alunos, que mudaram a percepção equivocada que tinham do futebol e de outros esportes serem apenas masculinos.

Nas avaliações, os alunos também afirmam sentir maior conforto e redução de conflitos após a reformulação dos pátios. Portanto, o modelo tradicional de quadra de futebol transmite uma imagem “cinzenta”, de muito cimento e “pesada” para quem a utiliza e quer um equipamento esportivo mais tranquilo e com mais vegetação, por exemplo.

No Brasil, no entanto, o desafio não é só pensar em uma adaptação, mas também construir do zero. Levantamento feito pelo Ministério da Cidadania, em 2021, aponta que quase metade das escolas de educação básica do país não tem nenhum espaço para os alunos praticarem esporte [4].

Referências:

[1] Ana Moser toma posse e diz que prioridade será esporte para todos, não alto rendimento. Folha de S.Paulo, 4 de janeiro de 2023. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2023/01/ana-moser-toma-posse-e-diz-que-prioridade-sera-esporte-para-todos-e-nao-alto-rendimento.shtml>. Acesso em: 20 abr. 2023.

[2] Disponível em: <https://www.univie.ac.at/schulfreiraum/index.htm>. Acesso em 20 abr. 2023.

[3] Disponível em: <https://equalsaree.org/wp-content/uploads/2018/03/Patis-igualitaris_-Equal-Saree_-Article-Vocento_Ganar-el-Patio.pdf>.  Acesso em 20 abr. 2023.

[4] Quase metade das escolas brasileiras não têm local para prática de esporte. UOL, 14 de dezembro de 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2021/12/14/quase-metade-das-escolas-brasileiras-nao-tem-local-para-praticar-esporte.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em 20 abr. 2023.

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