A Copa nos deixa sem oportunidades para encontros que permitam brincar com ideias e observações. Decidi voltar ao velho caminho de lhe escrever uma carta. Talvez fique longa por falta de tempo. Para maior clareza e autocontrole enumero minhas observações.
1) Tenho a impressão de que o futebol latino americano, assim incluo México, Costa Rica e Honduras, deu um salto qualitativo em termos de jogo e quantitativo em termos de torcedores presentes no Brasil. Se o Brasil se apresenta para o mundo na Copa parece que também os “hermanos” se estão apresentando de forma brilhante com seus jogos e suas torcidas. Se o mundo está conhecendo o Brasil, creio que o efeito do Brasil conhecer o mundo não é desprezível. Há bom futebol além do Brasil e existem torcidas encantadoras na América Latina. Veja, quem imaginaria hermanos chilenos forçando a entrada no Maraca? Ou os mexicanos cantando Cielito Lindo?
2) Observando seleções como a de Colômbia e Equador se produz a impressão de que os negros em elas estão. Também estão em seleções europeias, como na da França. Entretanto, parecem ter declinado na brasileira. O “fenótipo de negro” parece ter entrado em menor proporção e também ser diluído por uma espécie de efeito Michael Jackson. Veja, meu amigo, os casos de Neymar e Daniel Alves. Aliás, alguém me comentou que Neymar declarou que “ele não é negro”. O trabalho dos cabelereiros e talvez peles aclaradas que destacam mais as tatuagens produzam esse efeito. A hipótese mais benigna seria a de pensar que o “moreno” é o tipo desejado, isto é conhecido no Brasil. No fundo, a luta contra a discriminação racial estará se tornando a procura de um tipo “fusão de raças”? Em certo sentido, a fusão não significaria a rejeição tanto dos preconceitos quanto das identificações fáceis, embora com o custo da perda das origens? Neymar estaria trabalhando a favor do tipo “moreno”.
3) A energia e sua linguagem tomou conta dos dizeres e atos de jornalistas, atletas e torcedores. Uma energia que significa tanto apoio como comunhão nacional. A energia se tornou a linguagem do mito nos rituais do país do futebol? Ela parece superar pelo consenso que gera, por adequação ao contexto cultural, núcleos narrativos como “pra frente Brasil” e “força”, dominantes nos anos da Copa de 1970. A “energia” parece fusionar o material e o espiritual e esta é uma grande vantagem.
4) A Copa das Copas é tanto de craques como de negócios. De fato, “craque” e “negócio” estão visceralmente vinculados na estrutura atual do futebol. Como sempre, com a FIFA na cabeça. A escolha do jogador do ano não forma parte axial da promoção do negócio do futebol? Os craques, no entanto, podem ou não corresponder às expectativas. O negócio implica até modificar a toque de caixa leis nacionais, como a do consumo do álcool nos estádios, para satisfazer a vontade de patrocinadores e os interesses da FIFA. O negócio leva a declarar feriados e semi feriados quando os jogos e seus objetivos parecem ser o de evitar as oportunidades que a atividade normal criaria para protestos. A polícia é muito eficiente, sem engarrafamentos; com eles se perde a capacidade de rápidos deslocamentos para controlar os protestos. Os feriados, na memória, quase parecem estados de sítio abrandados.
5) Por último, há certa revolta entre o povo brasileiro, pois sentem que a COPA aqui talvez não seja diferente que em qualquer outro lugar. Os ricos podem assistir dentro ou fora, os pobres na TV, nos alzirões ou nos telões da Fanfest. Como sempre, nada mudou. Veja, se em 1950 houve 150.000 torcedores nacionais no Maracanã, hoje a proporção de “eu estive lá” é infinitamente menor, temos metade dos ingressos e grande participação de torcedores “gringos”. Por sorte, temos muitos “cucarachos”.
6) Creio que após a Copa continuará a discussão do paradigma que até ela parecia ser dominante: “ganha o jogo quem domina o tempo de bola”. A discussão coloca em no “tiro ao Álvaro”, como dizia Adoniram Barbosa, até o estilo holandês e a grandeza do jogo espanhol.
7) Merece ser dito, que os jornalistas, que devem, sobretudo, cumprir seus contratos de trabalho, primam pela redundância e pela formulação de perguntas tanto tontas quanto irritantes, principalmente para os técnicos. Em um momento de mudança no “como jogar” eles parecem ter respostas já prontas. Paradoxalmente, os técnicos se apresentam como mais participativos e reflexivos, menos donos da verdade. A área da comunicação deveria pensar sobre a formação do jornalista esportivo de forma mais sistemática.
Caro amigo, espero que minhas observações não sejam tomadas como produtos de ser contra a COPA e predicador do caos. Apenas penso que ela nos outorga oportunidades de registrar observações para futuros investimentos sobre dimensões que parecem mudar no calor dos jogos.
Aquele abraço.
Hugo