Pune, não pune Bangu

Decisão da CDB mostra que pouco mudou na administração do futebol brasileiro em 67 anos

Quem acha que as confusões na administração do futebol brasileiro são coisa recente, saiba que, como dizia um antigo político: isso vem de longe. Em dezembro de 1958, o Bangu viajou à Venezuela para participar da primeira edição do Torneio de Caracas, também conhecido como Copa Navidad de Caracas. Gozando de prestígio que não se manteria a partir do início do século XXI, o clube da Zona Oeste atraiu o noticiário de importantes veículos brasileiros. Em 19 de dezembro, o Jornal dos Sports registrou a vitória, na véspera, da equipe carioca por 2 x 1 sobre o Deportivo Espanol, da Venezuela: “O Bangu venceu em Caracas.”

Bangu Atlético Clube (Rio de Janeiro – RJ) – 1958

Fonte: Diário da Noite

Na mesma data, no entanto, o Correio da Manhã, jornal generalista mais importante daquele período, dava maior ênfase à determinação do Conselho Nacional de Desportos (CND) – então principal instância do esporte ou, na gramática da época, deporto – à então Confederação Brasileira de Desporto (CBD) – antecessora da CBF – para o “retorno imediato” do Bangu ao Brasil. O motivo? O time teria viajado sem ter sido autorizado, com a CBD tendo vetado a excursão.

Em tom enfático, o Correio chegou a anunciar que a Fifa seria acionada para cancelar a excursão do clube. Provocado pelo jornal, o presidente do CND, Manuel Maria de Paula Ramos, disse ter sido comunicado da proibição por ofício da CBD, acrescentando que, entre as falhas para o processo de liberação, incluía-se “até a falta do nome do chefe da delegação”. 

No dia seguinte, o noticiário do Correio da Manhã seguiu no mesmo tom: às denúncias sobre “as graves irregularidades em toda a documentação” do clube e à ausência de informação sobre o nome do chefe da delegação, acrescentou que o time deixara o Brasil com apenas 16 jogadores (o mínimo exigido eram 18), além de viajar à Venezuela com o pedido de licença recusado pela CBD. 

O jornal dava conta, ainda, que o CND realizou uma reunião para definir punições ao Bangu, mas ela não aconteceu por falta de quórum. Diante do barulho produzido pelo Correio, o Jornal dos Sports, nesse dia, pela primeira vez, tratou do tema, sugerindo que o clube da Zona Oeste poderia ser chamado de volta ao Rio de Janeiro.

 Como os jornais não circularam no domingo e jornalistas, então, não trabalhavam naquele dia da semana, apenas na terça-feira, 23 de dezembro, o noticiário voltava ao tema. Em chamada na primeira página do caderno de esportes, numa matéria de uma coluna, o Correio anunciava: “Bangu levantou o Torneio de Caracas”, noticiando a vitória por 1 x 0 sobre Osasuna, da Espanha. Na mesma página, no entanto, e com destaque bem maior, em três colunas, o diário decretava: “Decidirá o CND punição para o Bangu”. No soutien, porém, pela primeira vez, o jornal acolhia o contraponto banguense à ameaça da entidade: “Mas o sr. Fausto de Almeida (NA: presidente do clube) fala alto: ‘O Bangu não será punido, a culpa é da burocracia da CBD’ – Enquanto isso, o sr. José da Gama se apresenta como diretor do clube em Caracas”.

O CM, porém, insistia na necessidade de punição à agremiação, ao mesmo tempo que lamentava a inutilidade da decisão tardia: “Agora, que o Bangu se prepara para retornar após sua temporada sem autorização, reúne-se hoje pela manhã o Conselho Nacional de Desportos com uma finalidade inicial: impedir a realização da temporada que já houve. E como (sic.) outra finalidade acessória: punir o Bangu pelo desrespeito.”

E acrescentava: “Se para a primeira intenção já é tarde, para a segunda há outro obstáculo menos ponderável na determinação do Sr. Fausto de Almeida, presidente alvirrubro, de não ser punido. Vamos ver o quanto pode o CND.”

Já o Jornal dos Sports, na edição do mesmo dia 23 de dezembro, limitou-se ao aspecto esportivo, valorizando a conquista alvirrubra. Sob o título “Com o Bangu a Copa do Natal de Caracas” e com noticiário creditado à agência internacional de notícias UPI (United Press International), o diário citava que a equipe brasileira superara os espanhóis “na qualidade do jogo”, embora “cansado no segundo tempo”. Distribuída em três colunas, a matéria não fazia qualquer menção ao imbróglio administrativo que envolvia Bangu, CND e CBD. 

No dia seguinte, a virada de 180 graus no caso provocou a ira do Correio e dá amostra significativa da qualidade dos processos decisórios daqueles que definem os destinos do futebol brasileiro fora dos gramados. “CBD a maior culpada pela saída do Bangu sem licença”, esbravejou o jornal. No soutien que complementava o título, a explicação de que a confederação levara oito dias para encaminhar o pedido de licença ao CND e chamava a CBF de contraditória: “concedeu a licença e, na mesma data, exigiu punição por irregularidades”. Apesar disso, o jornal garantia que “o Bangu não escapará da punição”.

O Jornal dos Sport, também de 24 de dezembro, foi mais sintético e em letras maiúsculas, um padrão em títulos do veículo na época: “NADA CONTRA O BANGU NA C. B. D. – O PRESIDENTE HAVELANGE ENCAMINHARÁ AO C. N. D. E À F. M. F. DANDO CONTA DE QUE O CLUBE ALVIRRUBRO AGIU DENTRO DA LEI.”

Ou seja, depois de demorar oito dias para encaminhar ao CND o pedido do clube carioca para deixar o país e, na sequência, cobrar punição à agremiação, a CBD se acertou com o Bangu e ficou o dito pelo não dito. Qualquer semelhança com a atual CBF não parece ser mera coincidência.

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