Sem Ana Moser, o ministério será do Esporte ou das Apostas?

Quando estava definido que Ana Moser seria nomeada ministra do Esporte do novo governo Lula, tive um misto instantâneo de empolgação e ceticismo.

Não dava para negar: era um conto de fadas ver um ministério recriado após 4 anos ser comandado por uma mulher que mescla a experiência de ex-atleta de ponta e o conhecimento de políticas públicas para o setor. 

Algo, de fato, precisava ser diferente no esporte brasileiro. O país conseguiu o feito raro de, em apenas dois anos, organizar com excelência os dois maiores eventos esportivos do mundo, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, mas quase metade das nossas escolas continuavam sem uma quadra poliesportiva sequer [1].

Ana Moser era a pessoa no lugar certo e engajada em redirecionar o Esporte para o que realmente importa: seu papel na educação, na saúde e na juventude. Porém, o trabalho de base, a longo prazo e sem obras faraônicas raramente traz voto. Por isso, a dúvida era constante: até quando seu trabalho na pasta iria durar?  

Como jogadora, ela já havia vencido disputa contra treinador e superou contusões para ganhar uma medalha olímpica [2], mas, na política, masculina, não conseguiu vencer sendo mulher e sem filiação partidária.

O Ministério, ainda sim, é importante: graças a ele, a verba pública para o esporte saltou de R$ 600 milhões em 2004 para R$ 3,5 bilhões em 2015, no ciclo de grandes eventos que o Brasil sediou, [3] e o Bolsa-atleta se tornou programa referência de suporte a atletas. No entanto, desde que passou a ser uma pasta autônoma, há 20 anos, somente homens, filiados a partidos da base governista e com pouca experiência em esportes, assumiram o cargo nos governos Lula, Dilma e Temer. O mais próximo da exceção e por um período curto, de 1 mês e meio, às vésperas da Rio-2016, foi Ricardo Leyser, de perfil mais técnico [4].

Este é o presidencialismo de coalizão, ou de sobrevivência, em estado puro. Em um sistema político fragmentado como o nosso, a consequência é ter tantos ministérios quanto partidos políticos para acomodar as indicações.

Em troca da governabilidade, do apoio incerto ou da chantagem do “Centrão”, sai uma campeã do vôlei e entra André Fufuca, apadrinhado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), que tem, sim, o poder de ser o “Eduardo Cunha” de Lula. Quem pouco tolerou isso – uma presidenta mais corajosa do que muitos de seus pares homens – caiu.

Fonte da imagem: O Globo.

Com Fufuca, o olho grande está em gerir os recursos provenientes dos impostos que serão cobrados dos sites de apostas esportivas e direcioná-los para obras de valores questionáveis em redutos eleitorais. Já no início deste mês, com a iminente troca de comando, o Ministério do Esporte liberou cerca de R$ 4,7 milhões para a reforma do estádio da cidade de Peritoró, no Maranhão, onde o atual ministro recebeu mais votos em sua campanha vitoriosa a deputado federal no ano passado [5]. 

O que falta para virar esse jogo em que o Ministério do Esporte é, infelizmente, uma moeda de troca? Entre outros fatores, a militância dos atletas. Lula manifesta, desde o início do mandato, estar “incomodado” com a menor atuação de movimentos sociais, como forma de pressão contra canetadas indesejadas e retrocessos [6]. 

A saída de Ana Moser é um desses, e poucos atletas e movimentos reivindicaram a permanência da ministra, como o campeão mundial Raí, a medalhista olímpica Hortência, a ex-nadadora Joanna Maranhão e o coletivo “Esporte pela Democracia”. 

Não houve mobilização de classe, pressão de sindicato, ameaça de greve ou paralisação de campeonatos. Portanto, o esporte continuará sem prestígio em governos enquanto grande parte de suas figuras mais influentes se mantiverem encasteladas ou cooptadas pelo bolsonarismo, que, paradoxalmente, extinguiu o Ministério enquanto comandou o Executivo Federal. 

Foi por essa mobilização existir em outras áreas, como a Saúde, que Nísia Trindade, ministra da pasta, nome técnico e sem partido, conseguiu ser blindada e permanecer no cargo, o primeiro alvo de cobiça do Centrão. Já Ana Moser foi a que menos tempo ficou no Ministério do Esporte em sua história [7].

Referências:

[1] Quase metade das escolas brasileiras não têm local para prática de esporte. UOL

[2] Ana Moser: A força de uma “tigresa” do esporte derrubada pelo Centrão. O Globo

[3] Investimentos do Ministério do Esporte caem ao menor nível em 14 anos. Poder 360

[4] Interino, Ricardo Leyser é confirmado como novo ministro do Esporte. GE.globo

[5] “Arena Fufuca”: Esporte liberou verba para estádios em reduto do novo ministro antes mesmo de sua posse. O Globo

[6] Lula se queixa de dormência dos movimentos sociais durante o seu governo. Folha de S. Paulo

[7] Ana Moser é a ministra do Esporte a ser demitida mais rapidamente desde a criação da pasta. O Globo

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