– O Bruninho vai ser jogador de futebol!
A afirmação foi feita por um falante papai taxista. A certeza de que o destino do filho será nos gramados vai muito além da confiança no talento do pequeno Bruno. É a paixão pelo futebol, intensa e irracional, como todas as saudáveis paixões, que movimenta os sonhos do taxista. E a paixão, diz ele, foi de pai para filho, quando o pequeno, ao ver Flamengo e Grêmio pelo Brasileirão 2009, grita: “entega”.
– Ele sabia que se o Grêmio vencesse o campeão era o Internacional.
Como poderia Bruninho, jogador de três anos da divisão dente-de-leite do Grêmio, não saber que era melhor o Grêmio perder uma partida ao rival Internacional ganhar um campeonato? “Entega”! Bruninho é filho dessa rivalidade. O pai-taxista, da família de um ex-presidente do clube, num esquema Romeu e Julieta dos gramados, apaixonou-se por uma colorada, neta de um ex-presidente, mas que vestia vermelho em vez de azul. A simpatia do taxista, pelo visto, também conquistou o sogrão.
– Ele gostava de mim.
Combinação que deu certo – colorada e gremista juntos há quinze anos – materializada no pequeno futuro grande jogador.
– Bruno? É Grêmio, imortal!
A cada acelerada e freada, mais e mais histórias de futebol. Nós, eu e uma amiga, duas estranhas no banco de trás, simpatizamos com o alegre taxista, o mesmo que anos atrás driblou a rivalidade e conquistou a noiva e o sogro. Mas o futebol em família não parava por aí.
– Você sabe quem é meu tio?
Respondo, de bate-pronto, o único nome que me vem à cabeça:
– Renato Gaúcho?
– Pois é, meu tio.
Achei curioso pensar no Renato como tio do agora meu amigo taxista, mas, sendo assim, gostar de falar seria uma característica da família, pensei.
– Conheço bem o Rio de Janeiro, joguei lá por cinco anos.
Confesso que nesse momento passei a olhar para o taxista tentando lembrar de algum jovem jogador que tenha aparecido e sumido dos gramados cariocas. Enquanto isso, o tom do discurso muda, a animação dá lugar à narrativa de momentos difíceis. O taxista ex-jogador foi uma das milhares e milhares de crianças que sonhou tanto com futebol…mas que não chegou à fama daquele seleto grupo de estrelas. O outro lado do futebol-espetáculo…
– Duas pessoas que cortei: Edmundo, aquele ex-presidente do Flamengo. E Eurico Miranda. Não me deram chance. Mas, no Fluminense, foi chegar lá, fazer o teste e no dia seguinte, maravilha, eu estava treinando…
Mas aí veio o triste fim.
– Uma lesão no joelho, igual a do Ronaldo, me tirou dos campos.
Tristeza rápida que é logo substituída pela alegria de um dia poder ver seu filho cumprir seu destino nos gramados. O pequeno jogador dente-de-leite reviverá o sonho do pai…em grande estilo, ele acredita.
Na minha defesa da dissertação, o professor José Carlos Rodrigues contextualizou suas observações com um belo discurso sobre o futebol no Brasil. Não o futebol profissional, esse pelo qual torcemos e pagamos caro para ver, o esporte espetáculo, profissional e patrocinado. Ele falou do futebol que nasce com o brasileirinho. Nas brincadeiras de futebol de botão e de prego, nas peladas com os amigos, na corrida desenfreada para o recreio para não ficar de fora, na reserva…
– Aqui vai ser o novo estádio do Grêmio, é a obra mais adiantada para a Copa.
O papo segue com reclamações, minhas e dele, sobre os altos gastos e a lentidão na preparação para o torneio, até que…
– Estamos no aeroporto Salgado Filho.
Saímos do táxi e me despeço, com uma aposta e um aviso:
– Espero ver um dia o Bruninho no Maraca. Só não pode ganhar do Mengão.
Ele abre um sorriso orgulhoso e, tão animado diante dessa perspectiva, seu ‘tchau’ vira quase um ‘até logo’. Eu e minha amiga vamos embora, as duas com um sorriso no rosto, após o alegre papo com aquele ex-jogador, pai orgulhoso e animado taxista.
Os taxistas, assim como os barbeiros (alguns profissionais atuam concomitantemente em ambas as áreas…), são figuras pitorescas das metrópoles. Ambos têm algo de psicólogo e jornalista. Adoram puxar um papo com o cliente, e falam sobre qualquer assunto. Seu cardápio oral é vasto e são como os repentistas nordestinos: basta abrir a boca e desenrolam a conversa, versando sobre absolutamente qualquer assunto!
Bom texto, apesar de curto, como uma corrida de táxi sem trânsito. Se fosse no Rio certamente o tráfego intenso iria possibilitar um texto mais longo.
O sobrinho do Renight! quem diria. No meu prédio tem irmão de jogador famoso que vende cachorro quente na esquina pra sobreviver… solidariedade zero!
Lembram do Romário expulsando a tia do seu apartamento da Vila da Penha?
Outro ponto: a expectativa paterna pelo sucesso do rebento. A projeção dos sonhos frustrados. Isso dá assunto pra uma tese de doutorado.
Devem até já ter escrito.
Mais um ponto: o do futebol sem glamour, sem milhões, o da série Z, das várzeas e clubes pequenos. Na ESPN Brasil, de vez em quando mostram, em programas como o Social Cube e a Caravana do Esporte, esse lado esquecido do futebol tupiniquim.
Mas, como disse certa vez o grande Lovisolo, “É melhor ganhar R$500 pra jogar futebol que pra quebrar pedra”. Assino embaixo.
Johan
não adianta comentar, vc apaga!
pena, pois é um importante retorno pro blog.
Caro Johan, obrigada pelo seu comentário. Eu adoro esses ‘causos’, esse papo informal nos táxis, no elevador, nas filas…No entanto, por serem tão comuns o meu lado jornalista só despertou depois da conversa, o que me impossibilitou de tentar mais perguntas, de tirar fotos dele, enfim….E isso fez o texto um pouco menor do que gostaria. Mas acho uma linha interessante para se escrever sobre, o futebol longe dos holofotes, nas ruas, no papo de bar…Concordo com a frase do Lovisolo, excelente comentários.
Obrigada,
Luisa