Presidente eleito pretende extinguir Ministério e incorporar esporte à pasta da Educação em seu governo
Embora o Brasil seja o único pentacampeão mundial de futebol e o segundo maior medalhista da América Latina nos Jogos Olímpicos, o país não tinha até 2003 um ministério próprio para o esporte. Fazendo valer o artigo 217 da Constituição, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu autonomia à gestão federal do esporte, após ela ser vinculada por anos aos ministérios da Educação e do Turismo.
“É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, com direito à autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”.
Artigo 217, Inciso I, da Constituição Federal
O Ministério, no entanto, não buscou apenas estimular a prática esportiva em escolas ou elaborar políticas de incentivo a atletas em competições. Foi parte de um ambicioso projeto de protagonismo da diplomacia brasileira entre as nações “emergentes”, em contraposição à influência global de Estados Unidos e Europa em questões políticas, econômicas e militares.

O auge dessa presença do Brasil no cenário internacional veio com a conquista do direito de sediar a Copa do Mundo em 2014 e, sobretudo, dos Jogos Olímpicos de 2016. Superfaturamentos e atrasos em obras, ataques à soberania jurídica brasileira com a “Lei Geral da Copa” e elitização dos estádios à parte, o esporte pegou carona nesses megaeventos esportivos para implementar uma série de investimentos inéditos na profissionalização de atletas e em melhorias na estrutura de treinamento em todo o Brasil. Os resultados foram a boa avaliação da imprensa internacional sobre a organização das competições, geração de empregos e a melhor participação do país, no Rio de Janeiro, na história das Olimpíadas, com 19 medalhas conquistadas, duas a mais que em Londres-2012.

De 2005 pra cá, a pasta sempre recebeu aportes de, ao menos, 1 bilhão de reais por ano. Com esses recursos, o Ministério pode, por exemplo, incluir 7295 esportistas em 2016 no Bolsa-Atleta, programa que financia a compra de equipamentos e evita que atletas sejam obrigados a cumprir uma quase sempre inconciliável jornada dupla de trabalho e treinamento.
A eleição de Jair Bolsonaro, do PSL, porém deve causar o maior retrocesso na gestão esportiva do país desde o início deste século. Sua ânsia de enxugar a administração pública a ponto de inviabilizar a capacidade do Estado de movimentar a economia tem como um dos alvos o ministério criado em 2003. Integrá-lo à pasta da Saúde ou Educação, que é mais provável, é tirar a autonomia que fez o esporte brasileiro olímpico ter sua fase mais vitoriosa, nos últimos quinze anos. Países governados por grupos de orientações político-ideológicas diversas contam com uma pasta específica, como é o caso da França, China, Coreia do Sul e Rússia. O Canadá, 12° melhor IDH do planeta segundo a ONU e liderado pelo liberal Justin Trudeau, tem 30 ministérios, um a mais que o Brasil, sendo um deles dedicado ao esporte.
“Junta lá o Esporte ao Ministério da Saúde, né…”
Jair Bolsonaro, em entrevista após o debate presidencial da TV Bandeirantes em 10 de Agosto.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), 94% da verba do esporte no Brasil (exceto futebol) vêm do Brasília, via Ministério do Esporte. Tanta dependência tem a ver com a gestão aquém de Confederações Esportivas e oportunismo de patrocinadores privados, que, em sua maioria, estampam suas marcas apenas em épocas de competições de grande porte, como as Olimpíadas, e não acompanham atletas no restante da preparação.
Na ausência de uma diversificação de fontes de financiamento, coube ao Governo Federal bancar a conta. Nessa encruzilhada, o que está em jogo é a garantia de um direito presente na Constituição. Desmontar completamente uma estrutura que trouxe frutos aos esporte nacional é reflexo do comprometimento zero de um Presidente que?—?pasmem?—?é formado em Educação Física.