Por Jerson Pita Dos Santos Júnior
Mestrando em Comunicação Social (PPGCom/UERJ)
As tecnologias permitem que a sociedade tenha ao seu alcance uma ampla gama de interações proporcionadas pela vida contemporânea. Suas transformações encurtaram distâncias e alteraram significativamente a organização social, bem como as construções de sentido resultantes dessas interações, ampliando a discussão sobre o exercício do jornalismo nesse contexto. No cenário atual, permeado pela criação incessante de canais de comunicação, o jornalismo testemunha uma nova forma não apenas de se posicionar no mercado, mas também de consumir produtos audiovisuais, com uma intensa disseminação de informações.
O Relatório Reuters de 2020, por exemplo, aponta que, no Brasil, a busca por notícias em plataformas de redes sociais atingiu a marca de 67%, superando pela primeira vez, desde 2012, quando o relatório começou a ser produzido, a demanda por notícias via televisão, que registrava 66%. O ranking revela que o Facebook lidera a procura por notícias, com 54%, seguido pelo WhatsApp com 48%, YouTube com 45%, Instagram com 30%, Twitter com 17% e Facebook Messenger com 13%.
Nesse contexto de disseminação rápida de notícias nas redes sociais, observa-se um aumento no número de influenciadores digitais, que direcionam seu foco para nichos específicos e se utilizam da paixão pelo esporte, especialmente o futebol, para estimular a formação de grupos e fomentar o sentimento de pertencimento e identificação. Com o elevado volume de informações propagadas, esses agentes se tornam porta-vozes de um segmento do público, consolidando sua posição em uma comunidade virtual. Pierre Lévy (1995), por exemplo, defende a ideia de que:
Os novos meios de comunicação permitem aos grupos humanos pôr em comum seu saber e seu imaginário. Forma social inédita, o coletivo inteligente pode inventar uma ‘nova democracia em tempo real’, uma ética da hospitalidade, uma estética da invenção, uma economia das qualidades humanas (LÉVY, 1995, p.67).
O agrupamento de torcedores, por exemplo, é capaz de criar uma consciência coletiva que reconhece a si mesma no papel do influenciador, por meio de diversas representações nas redes sociais. Essas representações permitem o desenvolvimento de elementos distintos de pertencimento. Esse agrupamento em comunidade pode gerar, além da identificação coletiva inerente, em alguns casos, um senso de pertencimento ao processo de produção jornalística. O receptor se coloca como parte integrante da informação e se sente representado pelo conteúdo exposto por esses influenciadores digitais.
Essas transformações comunicacionais e socioculturais levantam questionamentos sobre as preferências dos torcedores em relação à abordagem das notícias. Um exemplo disso é o canal de maior audiência de um torcedor de futebol no YouTube, Guilherme Pinheiro, de 31 anos, torcedor do Flamengo. Em apenas sete anos, o canal conhecido como “Flazoeiro” ganhou 2,13 milhões de inscritos, utilizando a narrativa da semelhança com o público. Sibilia sublinha a importância do gerenciamento de imagem através da performance e espetacularização:
É preciso espetacularizar a própria personalidade com estratégias performáticas e adereços técnicos, recorrendo a métodos compatíveis aos de uma grife pessoal que deve ser bem posicionada no mercado. Pois a imagem de cada um é a sua própria marca, um capital tão valioso que é necessário cuidá-lo e cultivá-lo a fim de encarnar um personagem atraente no competitivo mercado dos olhares (Sibilia, 2008, p. 255).
Flazoeiro promove uma cobertura que prioriza o conteúdo e a periodicidade em vez da estética de um programa de notícias. Com uma rotina dedicada à cobertura dos jogos, o canal publicou 26 vídeos categorizados como pré-jogo e pós-jogo ao longo de nove meses (04/03/19 – 23/11/19), durante os 13 jogos do Flamengo na Libertadores de 2019. Com uma média de 69 mil visualizações, os vídeos foram gravados em diferentes locais, como escritório, cabines de imprensa, hotéis, aeroportos e ao redor dos estádios. Flazoeiro possui um terço dos inscritos do canal oficial do Flamengo, a FlaTV (2,1 milhões contra 6,7 milhões, respectivamente), e adota estratégias como interatividade, bom relacionamento com as fontes e presença in loco para consolidar sua posição de destaque no cenário jornalístico.
Outro exemplo de presença digital é o Canal do Fábio Azevedo, jornalista desde 1999 e professor universitário desde 2003, com experiência na mídia tradicional, incluindo passagens pelo Sistema Globo de Rádio, Estadão/ESPN, Bradesco Esportes FM, Jornal O Globo, TV Bandeirantes, ESPN e Canais Fox Sports, entre outros. Fábio segue uma trajetória contrária à produção tradicional, migrando da mídia tradicional para a construção de seu próprio canal no YouTube como uma forma independente de produzir conteúdo e se comunicar com seu público específico.
Os números expressivos de presença digital justificam a atenção necessária ao nicho do jornalismo esportivo, especialmente no YouTube. Com essa expressividade, a comunicação de massa e os mercados de nicho coexistem. Isso é evidente no projeto “A voz da torcida” do Grupo Globo, anunciado em maio de 2021, no qual influenciadores de 12 times interagem em vídeos, matérias, programas e podcasts do Globoesporte.com, SporTV e Premiere, dando destaque ao discurso dos torcedores mesmo dentro da mídia tradicional.
No atual cenário convergente, onde novas e antigas mídias se confrontam e os poderes dos emissores e receptores interagem de maneiras cada vez mais diversificadas, a função de criador de conteúdo no YouTube ainda busca sua afirmação, especialmente em relação aos jornalistas, para se estabelecer como uma profissão reconhecida, inclusive no âmbito do Poder Legislativo. Exemplo disso são as duas tentativas de regulamentar a profissão de youtuber, que não foram devidamente aprovadas no Congresso Nacional. Refere-se ao projeto de lei 4.289/2016, o qual está arquivado na Câmara dos Deputados, e ao projeto de lei 10.938/2018, que foi retirado de pauta a pedido do autor da proposta.
Hoje tem muito dessa divisão (formados e não formados na área). Mas só quem está viajando são os youtubers. Se a Globo não manda ninguém, a culpa não é minha, eu estou fazendo o meu. Aí o Luis Roberto foi falar que os clubes fazem uma panela onde só os amigos perguntam. Eu não pergunto porque sou amigo dos dirigentes, até porque eu não sou. Eu pergunto porque eu estou lá. (…) A faculdade vai me ensinar a teórica porque a prática a gente já tem no dia-a-dia” (Guilherme Pinheiro, o “Flazoeiro”, em entrevista ao canal Charla Podcast )1.
Como esses influenciadores constroem esse discurso autorizado? Embora sua atuação seja fundamentada em suas vivências no campo do esporte, Guilherme Pinheiro e Fábio Azevedo também incorporam elementos da comunicação, utilizando técnicas aprimoradas de SEO e uma linguagem própria para engajar e conectar os torcedores do Flamengo e do Vasco. Suas abordagens estão ancoradas em suas próprias experiências como torcedores, mas também refletem o contexto esportivo em que estão inseridos. Dessa forma, eles se apropriam de um discurso autorizado ao oferecerem um espaço de interação e participação para os torcedores, abordando as narrativas em torno dos clubes com base em suas observações in loco do dia a dia dos jogos.
Essa conclusão é, evidentemente, preliminar. No entanto, ela parece indicar que a comunidade profissional se comporta como uma espécie de grupo étnico, tentando diluir a presença de estranhos como uma forma de autopreservação para os jornalistas graduados. Com a expansão dos canais na web e a diversidade de formas de conteúdo, também ocorre uma migração de jornalistas para as plataformas digitais, o que alimenta a discussão sobre a prática jornalística por parte de todos os envolvidos.
Novas formas de comunicação no esporte
Em relação ao panorama contemporâneo das novas formas de comunicação, de acordo com Orozco (2014), encontramo-nos em um período de transição no qual a televisão está deixando de ser uma plataforma dominante para se posicionar entre diversas outras telas. Esse contexto impulsiona a competitividade tanto no âmbito do modelo de transmissão aberta (broadcasting) quanto no do direcionamento específico (narrowcasting), e até mesmo em relação aos produtores de conteúdo de forma mais abrangente.
Isso ocorre porque as novas formas de consumo afetam todos os componentes das cadeias de produção, negociação e distribuição de conteúdo, abrangendo tanto a transmissão aberta quanto a direcionada e a produção de conteúdo independente ou sob demanda. Observa-se uma recorrência de pesquisas que demonstram que as modalidades contemporâneas de comunicação, desvinculadas do âmbito televisivo convencional e inseridas no contexto digital, adquirem maior relevância devido à diversidade de opções disponíveis. Essa diversidade se manifesta por meio de uma ampliação significativa do número de canais acessíveis aos consumidores, juntamente com a quebra de paradigma na perda de hegemonia da Rede Globo, enfrentando a concorrência de novas plataformas.
A partir do início dos anos 2000, quando houve uma expansão e popularização da internet no país, todas as emissoras de televisão de transmissão aberta, exceto a Record, experimentaram uma queda significativa em audiência e participação de mercado. A líder de mercado, a Globo, registrou uma redução de 20% em sua base de telespectadores ao longo dessas duas décadas. No entanto, esse declínio não significa a morte da TV, mas sim sua reconfiguração. É importante notar que esse processo de transformação, impulsionado pelas redes sociais, também acompanha uma quebra de paradigma na perda de hegemonia da Rede Globo, enfrentando a concorrência de novas plataformas.
A internet rompe com a forma clássica de classificação (emissor/receptor) na qual os papéis não necessariamente se invertem. Os novos atores, como os influenciadores, representados aqui por Fábio Azevedo e Flazoeiro, desenvolvem-se nesses espaços por meio da apropriação do discurso, conjugando novas formas de relações digitais que não se enquadram no discurso tradicional. Eles adotam essa discursividade, inclusive por meio da apropriação de elementos dos clubes e das torcidas, em grande parte devido ao fato de que os próprios consumidores do conteúdo reconhecem a dimensão em que esse conteúdo se aproxima das práticas de jornalismo que eles consideram tradicionais.
Ao examinarmos o debate atual sobre temáticas esportivas, podemos identificar a presença significativa do influenciador especializado em um nicho clubístico, o que reforça a relevância do conceito de remediação. Bolter (2001) acrescenta que a utilização intensiva de recursos digitais frequentemente faz com que a televisão se assemelhe às páginas da internet. É exatamente na contramão do viés tecnicista que a obra “Cultura da Convergência”, de Jenkins (2009), emergiu como um referencial tanto no âmbito acadêmico quanto no mercado. Além da mera combinação de múltiplas funções midiáticas, o autor enfatiza a necessidade de se considerar a convergência sob uma perspectiva cultural.
Meu argumento aqui será contra a ideia de que a convergência deve ser compreendida principalmente como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos. Em vez disso, a convergência representa uma transformação cultural à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos (Jenkins, 2009, p. 29- 30).
O autor concebe a convergência como a interação harmoniosa de conteúdos por meio de diversas plataformas. Além disso, o conceito também se refere à colaboração entre múltiplos mercados midiáticos e à mobilidade dos públicos dos meios de comunicação, que buscam experiências de entretenimento em praticamente qualquer localidade (p. 29). Esse fenômeno também pode ser observado quando os atores trocam de plataforma de distribuição, migrando da mídia tradicional para o YouTube, como é o caso dos ex-jogadores Gerson e Neto, que carregam consigo características de comunicação que os acompanhavam desde a mídia tradicional.
Enquanto os youtubers tentam se legitimar perante um público que os considera formadores de conteúdo e opinião, é importante destacar as características que já existiam e permeiam a atuação desses influenciadores, como o entretenimento. Esses produtores de conteúdo fazem parte dessa nova configuração, que reconhece a importância do entretenimento na comunicação com públicos heterogêneos e na manutenção da sensação de proximidade. Não se trata apenas de se divertir, mas de permanecer próximo ao público. Essas estratégias são emocionais, uma vez que o conceito de entretenimento está intimamente relacionado às sensações e emoções.
1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1wPeUkigXk4. Acesso em 18 jun.2023.
BIBLIOGRAFIA
BOLTER, Jay David. Writing Space: computers, hypertext, and the remediation of print. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2.ed. São Paulo, 34, 2000.
OROZCO, Guillermo (org.). Estratégias de Produção Transmídia na Ficção Televisiva. Porto Alegre: Editora Sulina, 2014, ps. 119-160.
SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Nova Fronteira, 2008.