Por Carolina Diniz
Mestranda em Comunicação pela UFPB
Há pouco mais de um ano, a comunidade internacional reconheceu o Sudão do Sul como mais novo país no mundo. Em guerra civil entre os anos de 1983 e 2005, o Sudão, até então maior país da África teve sua hegemonia dimensional quebrada com a divisão em julho de 2011. Em um ano de independência, o Sudão do Sul conseguiu formar um governo que tem funcionado, estabeleceu uma constituição provisória, ministérios e agências nacionais e, segundo o pesquisador John Mukum Mbaku[1], está conseguindo manter a liberdade de imprensa.
Estima-se que, durante a guerra civil que culminou na divisão do país, cerca de 2 milhões de pessoas tenham morrido e 4 milhões tenham saído do país. O maratonista de 28 anos, Guor Marial, foi um desses sudaneses que sofreu os horrores da guerra e tanto teve parentes mortos pela guerra – 27 ao todo – quando precisou sair do país, migrando para os Estados Unidos, onde vive há 16 anos. Marial teve sua história conhecida depois que ele e mais três atletas das Antilhas Holandesas não puderam entrar sob a bandeira de seus países, uma vez que ambos não possuem Comitês Olímpicos Nacionais. Por isso, foram declarados atletas independentes que desfilam e competem sob a bandeira do COI.
Guor Marial, apesar de possuir o Green Card americano que dá a ele a permissão de livre trânsito nos Estados Unidos, não é um cidadão americano e, devido a atual situação do país de origem, nem mesmo possui passaporte. Marial recebeu o convite do agora vizinho Sudão, mas preferiu representar simbolicamente a parte do Sul, mesmo não podendo carregar a bandeira.
Apesar de ainda não possuir um Comitê Olímpico Nacional, em menos de uma semana de independência, o Sudão do Sul já possuía o esboço de uma seleção de futebol nacional. Em matéria da Rádio ONU[2], o então técnico da seleção, Saleh Lolako Samuel, mostrava-se feliz por conseguir, pela primeira vez, escalar um time sul-sudanês. Em sua roupa de treino, um resquício da colonização: a camisa vestida por Samuel tem no peito direito o escudo da seleção inglesa de futebol. O cenário ao redor – o campo de terra e a pobreza evidente – dá o resto das provas da herança colonial.
No dia 25 de maio desse ano, o Sudão do Sul filiou-se a FIFA, órgão máximo do futebol internacional. Em 10 de julho, as “Estrelas Cintilantes”, como foi apelidada a seleção sul-sudanesa, fizeram seu primeiro jogo oficial em Juba, capital do país, contra Uganda. A partida terminou em um empate em 2 a 2 visto por 22 mil pessoas.
O esporte tem o poder de reforçar a ideia de identidade nacional. Não é sem motivo a recorrente representação bélica do atleta – vista com Kapuscinski em “A Guerra do Futebol”, com Eduardo Galeano em “Futebol a Sol e Sombra” e algumas crônicas de Nelson Rodrigues em “Às Sobras das Chuteiras Imortais” – que quando estão atuando, são comparados a soldados que defendem uma nação, mas quando estão fora de campo/quadra/piscina, são cicerones, aqueles que nas propagandas apresentam o país, são eles que conhecem o lugar e vão indicar “o melhor” a ser visto em sua cultura. Por isso, não é à toa que, no mundo, das três fortes entidades internacionais, duas são ligadas ao esporte. Enquanto a FIFA tem 209 países filiados e o COI tem 204, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui apenas 193.
Guor Marial representa não só o Sudão do Sul, mas todas as nações africanas, uma vez que reforça a tradição do continente no atletismo. Marial correrá na mais tradicional as provas olímpicas, a maratona. Esperamos que, assim como Filípides, que correu os 42km da planície de Marathónas até Atenas em 490 a.c, Guor Marial possa ao final também dizer: vencemos.
[1] Mbaku comentou sobre o avanço político do Sudão do Sul em entrevista ao G1. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/07/sudao-do-sul-completa-um-ano-de-vida-ainda-pobre-e-violento.html
[2] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=GSv8cKemOtw