A representação midiática do CSA na Série A do Brasileiro

Tratar da representação midiática do futebol no Brasil possibilita diferentes perspectivas de comentários e análise. Mas há quase que um consenso que os principais veículos de comunicação que se propõem a ser nacionais partem de uma base do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, onde se encontram as sedes das redes nacionais de TV aberta e fechada, rádio e internet. Isso é reproduzido quando o assunto é o futebol.

Enquanto torcedor do CSA, time que teve acessos consecutivos da Série D, em 2016, até jogar a Série A em 2019, os efeitos da falta de difusão e, em alguns casos, da desinformação sobre o clube sempre me chamaram atenção. Este texto se trata mais de um ensaio sobre o que acompanhei enquanto torcedor que pesquisador – se é possível separar as coisas – da volta de um time alagoano à Série A após mais de três décadas.

 Foto do autor (CSA 3-2 Jaciobá, 2020)

Campo midiático

Como Vasconcelos (2014) aponta ao estudar a formação dos torcedores mistos no Nordeste, o capital econômico foi fundamental para o desenvolvimento das forças que têm maior destaque na disputa do futebol enquanto campo social, com maior capital político sobre a organização do esporte profissional, maior difusão pela mídia (capital midiático) e maior capital simbólico (com mais títulos visibilizados e maior torcida).

Em artigo escrito com Irlan Simões (2020) para um livro do LEME (Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte) a ser publicado este ano, analisamos a representação do Nordeste no Jornal dos Sports, dos anos 1940 até os anos 1970, com um dos casos estudados sendo as publicações sobre os times nordestinos no período de 1968 a 1970, quando foi realizado o Torneio Norte-Nordeste. Da observação inicial, surgiram 5 categorias: resultados de jogos; notícias sobre a parte burocrática do torneio; dificuldades de participação e comentários de dirigentes; notas curtas sobre jogos; ligação com os “grandes” do país, com ex-jogadores ou amistosos; e matérias que trazem o pitoresco (fait divers, na linguagem jornalística).

Da década de 1970 até agora, o futebol brasileiro e o nordestino, em especial, passaram por diversas fases, com destaque para a organização das divisões a partir dos anos 1990, que se consolida com a criação da Série D em 2009. O torneio regional que nos interessava naquele momento foi criado em 1994, com edições contínuas de 1997 a 2003. A Copa do Nordeste, com 7 estados nordestinos representados – menos Piauí e Maranhão, situados na região Norte na “geografia” da CBF – foi o único sucesso de público, renda e competitividade entre os regionais disputados no período, mas interrompido pela falta de êxito dos demais, especialmente o Rio-São Paulo de 2002.

Nos últimos sete anos, coincidindo com o ressurgimento da Copa do Nordeste e a sequência de boa representação nordestina na Série A (4 equipes nas edições de 2018 a 2020), passou-se a tentar fazer uma melhor cobertura, para além do pitoresco, sobre a região, mas o destaque é para o que é produzido e reverberado nas mídias alternativas, especialmente as mídias sociais e os podcasts. Ainda assim, distante da repercussão da cobertura sobre os times do eixo Rio-São Paulo, com alguns casos que reproduzem elementos do “pitoresco” (gol do Campeonato Piauiense para o “Inacreditável F.C” do Globo Esporte) ou da referência à equipe “maior” (a utilização de “time do Ceni” em muitas manchetes de noticiários esportivos para tratar do Fortaleza em 2018 e 2019).

Importante ao retratar o caso do CSA é que mesmo dentro do Nordeste a repercussão é diferente. Ao contrário do que vemos em novelas e outros produtos, o desenvolvimento social, cultural e econômico de cada local é diferente, incluindo aí as divisões dentro dos Estados, cujo domínio da capital tende a ser maior – considerando o peso de Campina Grande “contra” a capital João Pessoa, na Paraíba. Sotaques e demais representações fenotípicas são diferentes, sem uma “cara de nordestino”; do mesmo jeito que, dentro do desenvolvimento desigual e na lógica da interferência do capital econômico no futebol, na estrutura deste esporte.

Maiores PIB (Produto Interno Bruto) da região, o futebol também se desenvolve inicialmente em Bahia e Pernambuco, e os clubes desses Estados conseguiram furar o eixo do futebol para conquistar títulos nacionais de primeiro escalão, casos da Série A e da Copa do Brasil. Desta forma, mesmo nas formas de representação midiática sobre o Nordeste, as equipes de Bahia e Pernambuco, especialmente, têm maior reverberação midiática da cobertura esportiva nacional para além do pitoresco.

Foto do autor (Corinthians 1-0 CSA, 2019)

Casos jornalísticos sobre o CSA

Com o CSA da 4ª rodada da Série B até a 37ª no grupo de classificados para a Série A, sendo vice-campeão ao final, o clube começou a chamar a atenção de torcedores de outros times e da mídia nacional. Em 8 de setembro de 2018, Alex Sabino e Luiz Cosenzo (2018) publicaram na Folha de S. Paulo a reportagem “Ascensão do CSA e queda do Joinville passam por participação de mecenas”, comparando os seguidos acessos do time alagoano com o que ocorreu com a equipe catarinense que subiu à A em 2015 e caiu para a D, cheio de dívidas, em 2018. A reportagem escuta o presidente azulino Rafael Tenório, que assume que colocou dinheiro do próprio bolso nas Séries D e C, mas que o clube se sustentava a partir de então.

Na véspera do Natal daquele ano, Diogo Magri (2018) publica no El País a reportagem “CSA, o clube já presidido por Collor que escalou quatro divisões em tempo recorde graças a um mecenas”. Relação política com presidente que sofreu impeachment, mas que comandou o clube do final dos anos 1970 ao início dos 1980 – o filho no início dos anos 2000 –, com o fato de Rafael Tenório, em sua primeira tentativa eleitoral, ter se tornado suplente do senador Renan Calheiros, conhecido nacionalmente.

Se o Joinville chegou até a ganhar prêmio de consultoria esportiva em 2015 por “eficiência na gestão do futebol”, como inicia a matéria da Folha, o histórico do CSA era justificado pelo “mecenas” e suas relações políticas. Essas duas reportagens destacam muito bem as expectativas de cobertura midiática com o holofote da Série A.

A eliminação na primeira fase da Copa do Brasil para o Mixto e erros de planejamento que fizeram com que o clube contratasse 46 novos jogadores em 2019, tornaram o rebaixamento à Série B como algo certo, com algumas pessoas nas mídias sociais cravando que seria a pior campanha da história dos pontos corridos – do outro time nordestino fora de Bahia, Pernambuco e Ceará a jogar o torneio neste período, o América-RN, em 2007 – e, durante o torneio, que o CSA perdera a chance de se estruturar, dada a quantidade de contratações.

Em julho de 2019, após a derrota contra o Corinthians por 1 a 0, em São Paulo, o ex-jogador Muller comentou no programa Mesa Redonda, da TV Gazeta, que o CSA era “medíocre”, perguntando “o que o CSA veio fazer na Série A?”. Ele se retratou e disse que o problema foi a forma que a equipe alagoana atuou, mas serve como exemplo do que apontamos acima (ROMA; MÉLO, 2019). O CSA venceria o Corinthians na partida de volta por 2 a 1, mas com áudio do Premiere mais alto para a torcida adversária que o que se ouviu na transmissão da TV Globo.

As derrotas para o campeão Flamengo foram em jogos disputados (2 a 0 e 1 a 0). No primeiro, realizado no dia 12 de junho em Brasília, porque o CSA vendeu o mando de campo por R$ 1,5 milhão, gerou repercussão na imprensa nacional. Ainda que eu tenha sido contrário, a reação não foi a mesma que a da venda de mando por Vasco (contra o Corinthians, para Manaus, em 4 de maio) e por Botafogo (contra o Palmeiras, para Brasília, em 25 de maio). Pesava, no caso da TV fechada, a disputa entre times paulistas com o Flamengo pelo título, o que poderia interferir na tabela.

Além da melhora dentro de campo, com possibilidades matemáticas de se manter na Série A até a penúltima rodada do torneio, outro fator do capital simbólico que permeia o futebol no Brasil fez com que a opinião pública mudasse o direcionamento sobre o time: equipes “grandes” na beira do rebaixamento. De um lado, o Fluminense, que caiu em 1996, mas permaneceu na A em 1997; em 2000, graças à Copa João Havelange, não jogou a Série B; e, em 2012, graças aos erros de escalações de Portuguesa e Flamengo não foi rebaixado. Do outro, o Cruzeiro, uma das poucas equipes que não havia jogado a Série B. A torcida “anti” se juntou a uma das equipes que poderia empurrar outras. Cresceu ainda a admiração pela festa da torcida azulina no Trapichão – mesmo que já fosse algo comum até em outras divisões nacionais.

O CSA cairia, com 32 pontos, em 18º lugar, à frente de Chapecoense e Avaí, que em momento algum tiveram comentários tão negativos quanto os nossos. Pese-se o carinho à Chapecoense após o acidente de 2016, mas o clube atrasou pagamentos e o presidente precisou se afastar em agosto 2018 para focar na busca de recursos (DEBONA, 2019). Enquanto isso, em novembro, o “mecenas” do CSA anunciava que as dívidas trabalhistas do clube haviam sido pagas (PRESIDENTE, 2019).

O Centro de Treinamento Gustavo Paiva estava sendo reestruturado até abril de 2019, quando se confirmou que o bairro em que fica, o Mutange, era um dos que estavam afundando devido à extração de sal-gema pela Braskem. A “falta de oportunidade” nada mais era que a impossibilidade de investir no aprimoramento de algo que deve ser abandonado nos primeiros meses de 2020 por questões de segurança (NASCIMENTO, 2019). Isso também não foi tão comentado na mídia nacional, como o que afeta milhares de famílias de 4 bairros de Alagoas desde o primeiro semestre de 2018, talvez pela força financeira da empresa pertencente ao grupo Odebrecht.

Foto do autor (CT Gustavo Paiva, 2019)

Considerações

A desinformação é um fenômeno contemporâneo marcado pela dúvida até mesmo de fatos comprovados cientificamente, com a “verdade” voltada ainda mais aos efeitos gerados pelas mensagens e por quem a fala que à comprovação sobre o que se diz. Problema grave é quando isso vem por quem deveria prezar pelo que é apresentado.

Num ano em que o Twitter, incluindo alguns jornalistas, acusaram perseguição de canais esportivos ao Flamengo, briga dentro do eixo político, econômico e simbólico que demarca o futebol brasileiro, este ensaio mostra que havia quem deveria reclamar mais de diferentes construções narrativas formadas pela cobertura esportiva nacional.

Referências

DEBONA, Darci. NSC Total, Florianópolis, 23 ago. 2019. Disponível em: <https://www.nsctotal.com.br/noticias/presidente-da-chapecoense-pede-afastamento-temporario>. Acesso em: 02 fev. 2020.

MAGRI, Diogo. CSA, o clube já presidido por Collor que escalou quatro divisões em tempo recorde graças a um mecenas. El País Brasil, São Paulo, 24 dez. 2018. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/18/deportes/1545165765_862713.html>. Acesso em: 29 jan. 2020.

NASCIMENTO, Jean. Direção do CSA anuncia saída do Mutange após 97 anos e transferência para Nelsão. Gazetaweb, Maceió, 21 nov. 2019. Disponível em: <https://gazetaweb.globo.com/portal/noticia/2019/11/rafael-tenorio-confirma-saida-do-centro-de-treinamentos-do-mutange-em-dezembro_91055.php>. Acesso em: 29 jan. 2020.

PRESIDENTE do CSA anuncia fim da dívida trabalhista do clube: “Quitamos 100% do passivo”. Globoesporte.com, Maceió, 14 nov. 2019. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/al/futebol/times/csa/noticia/presidente-do-csa-anuncia-fim-da-divida-trabalhista-do-clube-quitamos-100percent-do-passivo-em-quatro-anos.ghtml>. Acesso em: 29 jan. 2020.

ROMA, Denison; MÉLO, Victor. CSA diz que comentário de Müller sobre o clube foi preconceituoso, e ex-jogador pede perdão. Globoesporte.com, Maceió, 16 jul. 2019. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/al/futebol/times/csa/noticia/csa-diz-que-comentario-de-muller-sobre-o-clube-foi-preconceituoso-e-ex-jogador-pede-perdao.ghtml>. Acesso em: 29 jan. 2020.

SABINO, Alex; COSENZO, Luiz. Ascensão do CSA e queda do Joinville passam por participação de mecenas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 set. 2018. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2018/09/ascensao-do-csa-e-queda-do-joinville-passam-por-participacao-de-mecenas.shtml>. Acesso em: 29 jan. 2020.

SANTOS, Irlan Simões; SANTOS, Anderson David Gomes dos. A invenção do “Nordestão” e o futebol-arte: investigações a partir do Jornal dos Sports. In: HELAL, Ronaldo; MOSTARO, Felipe. Narrativas e representações do esporte na mídia: reflexões e pesquisas. Curitiba: Editora Appris, 2020. No prelo.

VASCONCELOS, Arthur Alves de. “Eu Tenho Dois Amores que em Nada São Iguais”: Bifiliação Clubística no Nordeste. Ponto Urbe – Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, v. 14, 2014.

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