Adriano “Imperador” e a narrativa sem fim

Por: Lucas Albuquerque**

Assediado pela mídia e por torcedores a cada aparição pública, Adriano parece não ter direito a escrever sua própria história.

Em julho de 2004, a seleção brasileira se preparava para jogar a Copa América. Uma espécie de “time B” foi levado para a competição. Ronaldo, artilheiro do time, não iria jogar. Em sua ausência, a responsabilidade de fazer gols recaía sobre Vágner Love, Luís Fabiano e Adriano. Mesmo já jogando na Europa, Adriano não era um craque reconhecido. Segundo os jornalistas, nem mesmo titular seria. De fato, o jogador iniciou o torneio no banco, mas cresceu durante a competição, marcou gols importantes e tornou-se um dos principais heróis daquele improvável triunfo. Naquela competição era forjado o “Imperador”.

Perceberam o que eu acabei de fazer? Eu criei uma narrativa. Isso significa que escolhi personagens, um cenário, destaquei alguns fatos em detrimento de outros e construí um sentido para eles. A Copa América virou “o nascimento do Imperador”. Assim como eu acabei de fazer, os jornalistas, cronistas e comentaristas esportivos fazem todos os dias: criam narrativas. O problema, a meu ver, é que Adriano nunca parece poder se libertar da narrativa criada para a sua carreira.

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Figura 1 – Na Copa América de 2004, o herói Adriano era forjado

A lenda do Imperador nascia naquele julho de 2004.

A Copa de 2010: o ano em que Adriano “traiu a pátria”

Em minha dissertação de Mestrado, Adriano foi o meu estudo de caso. Analisando as reportagens sobre alguns momentos de sua carreira, queria entender como o discurso da mídia acompanhava as oscilações de seu desempenho profissional e suas aparições sociais. Março de 2010 foi, de longe, o mês mais interessante. Graças ao episódio da Chatuba.

Naquele mês Adriano quase não jogou. Entretanto, apareceu mais de 25 vezes nas capas do Extra, por exemplo. Antes da confusão na favela (narrada em detalhes também pelo Extra) o jogador era considerado nome certo na Copa. Depois do episódio, começou a ser questionado pela imprensa. Críticas às suas ausências em treinos foram feitas. Sua sanidade mental foi questionada e investigada – falou-se que o jogador poderia estar em depressão. Até conselhos foram dados ao Imperador. E um constante aviso pairava nas páginas dos jornais: “desse jeito você não vai à Copa”.

E ele realmente não foi convocado. A grande questão, para mim, é a seguinte: qual o problema dele não ter ido?

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“Ele não quis…”

Se você acompanha regularmente programas de mesa redonda, já deve ter visto essa cena. Adriano entra em pauta. Alguém comenta que ele tinha muito talento, mas não brilhou tanto quanto poderia. Outro jornalista comenta que ele era nome certo para a Copa de 2010. E às vezes um terceiro ainda arremata, com uma voz entristecida e um meneio de cabeça: “ele poderia ter sido o sucessor de Ronaldo, mas não quis”.

Na trajetória clássica do herói (estudada pelo historiador Joseph Campbell, por exemplo), o personagem deve usar seu grande poder para vencer as provações e trazer benefícios para sua comunidade. Em 2004 Adriano foi esse herói clássico. O garoto pobre da favela, com seu incrível talento para o futebol, ganha a Europa, fica rico, defende as cores do seu país e traz uma conquista para ele. E todos viveram felizes para sempre. Então quando Adriano foge a essa narrativa, com seu comportamento pouco profissional ou seu retorno a uma origem que supostamente deveria ter sido abandonada, ele não é mais o herói. Ele torna-se o vilão em 99% das vezes que sua história é recontada pela imprensa. O “ele não quis” é dito com tristeza porque não consideramos ser um direito dele recusar seu destino: jogar futebol em alto nível – de preferência pela seleção.

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Figura 3 – O “diagnóstico” de Adriano

A redenção do Imperador

Então quer dizer que para sempre Adriano será o vilão? Não, definitivamente não. E aí nasce uma vertente do mesmo problema: muitos jornalistas e torcedores anseiam pela narrativa de Redenção. Então quando Adriano dá dois chutes despretensiosos em um jogo festivo de fim de ano, torcedores eufóricos compartilham o vídeo no Facebook avisando: “O IMPERADOR ESTÁ VOLTANDO!”. Quando Renato Gaúcho o chama para conversar, imediatamente se especula seu retorno ao futebol jogando no Grêmio nos noticiários esportivos.

Porque Adriano vende jornal, claro, mas uma narrativa de redenção do “Imperador” vende muito, mas muito mais. É uma narrativa pronta para ser escrita, filmada, fotografada… E pouco importa se Adriano quer ou não participar dela. Na ânsia de muitos torcedores e jornalistas de quererem escrever a vida do jogador, esquece-se de perguntar à pessoa o que ela quer fazer. Porque se Adriano quiser continuar sem pisar no campo de futebol, é direito dele. Se ele quiser treinar para voltar a jogar na China, nos EUA ou no Flamengo, caberá somente a ele a decisão.

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Figura 4 – Em 2011, em sua passagem pelo Corinthians fez apenas 1 gol. Mas foi o suficiente para o “Imperador” voltar

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