No dia 28 de junho, muita gente foi às redes para comemorar o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+. Os clubes de futebol também. Ou melhor: alguns clubes de futebol. Um levantamento (1) realizado com os 60 clubes que disputam as Séries A, B e C do Campeonato Brasileiro em 2025 mostra que houve crescimento no número de postagens relacionadas à data nas redes sociais oficiais. Se em 2020, apenas 13 clubes da Série A se manifestaram sobre o Dia do Orgulho e, em 2021, esse número subiu para 16, em 2025 o cenário é de avanço, ainda que com muitas ressalvas.
Neste ano, muitos perfis vestiram — ainda que por 24 horas — as cores do arco-íris. Mas nem todos: alguns clubes continuam evitando o uso explícito da bandeira LGBTQIAPN+ em seus anúncios, optando por palavras genéricas como “amor” ou “respeito”. Seria uma escolha estética ou ainda existe, dentro e fora das diretorias, vergonha de associar a imagem institucional ao arco-íris? Quando até o símbolo visual mais conhecido da luta é deixado de fora, a mensagem que se transmite é, no mínimo, hesitante. E, além disso, com arco-íris ou sem ele, as publicações do Dia do Orgulho dos clubes de futebol são só estética ou têm substância? Tem ação concreta ou é só a velha lógica da lacração de ocasião?
Em 2025, 18 dos 20 clubes que disputam a série A se manifestaram publicamente — os únicos que não publicaram nada foram Mirassol e Juventude. O Palmeiras chegou a postar um story (que, vale lembrar, desaparece após 24 horas), mas nada no feed. O clube poderia alegar que a data coincidia com uma partida decisiva pelo Mundial de Clubes, entretanto, o Botafogo – clube que jogou contra o Palmeiras – publicou um card alusivo ao Dia do Orgulho em todas suas redes. Ou seja: não faltou oportunidade, faltou prioridade. A manifestação tímida foi publicamente criticada pelo coletivo PorcoÍris, formado por palmeirenses LGBTQIAPN+, que apontou o caráter efêmero da ação e a ausência de posicionamentos mais consistentes. Não dizer também diz muita coisa.
Na Série B, apenas 7 clubes se manifestaram — o que representa 35% da divisão. O destaque positivo vai para o América Mineiro: além de publicar um card em suas redes sociais, o clube produziu uma matéria em vídeo para a Coelho TV contando a história do casal Pedro e Carlos Eduardo, torcedores que relatam, em primeira pessoa, o que significa ocupar o estádio como homens gays e torcedores. É um material que foge do tom institucional e aposta na identificação e na realidade vivida por muitos torcedores que ainda não se sentem plenamente seguros ou acolhidos nos estádios.
Na Série C, a situação é ainda mais tímida: apenas dois clubes, Figueirense e Náutico, publicaram sobre o Dia do Orgulho, o que corresponde a 10% da série. No total, 27 dos 60 clubes (45%) postaram algum conteúdo sobre o 28 de junho, enquanto a maioria — 55% — permaneceu em silêncio.
Esses números levantam algumas perguntas importantes: por que os clubes da Série A postam mais? Teriam equipes de comunicação maiores e mais profissionalizadas? Estariam mais expostos à opinião pública e à cobrança de seus próprios torcedores, patrocinadores ou mídia? Ou o tamanho das torcidas e o alcance digital exigiria maior atenção à diversidade como valor de marca? Por outro lado, será que clubes das séries inferiores não se sentem autorizados a tratar do tema, com medo de represálias ou receio de “perder torcida”?
Ainda que a presença digital LGBTQIAPN+ esteja crescendo no futebol brasileiro, o gesto de “postar no dia certo” não garante compromisso duradouro com a pauta. A questão LGBTQIAPN+ no futebol costuma aparecer pontualmente: em junho, durante o mês do orgulho, ou em campanhas institucionais com patrocínio. Fora isso, a regra ainda é a invisibilidade — e, pior, a hostilidade. Como aponta Bandeira (2010), os estádios seguem sendo espaços de aprendizado para um “currículo de masculinidades” que valoriza a virilidade, o machismo e a homofobia como formas de pertencimento. Performar o que seria entendido como feminilidade ainda é um gesto punido pelos cantos e pelos olhares. Nesse contexto, um simples story pode soar mais como gesto de contenção (ou de marketing) do que como ação afirmativa.
Como mostrou Pinto (2014), mesmo quando coletivos LGBTQIAPN+ conseguem visibilidade nas arquibancadas — como a histórica Coligay ou os grupos mais recentes como Palmeiras Livre ou Galo Queer — isso não significa ausência de tensão. A presença continua sendo negociada, vigiada e, muitas vezes, tolerada apenas enquanto se adapta ao “torcer certo”.
O debate sobre os temas para além da bola rolando – vide o aumento das campanhas contra o racismo, o crescimento do interesse pelo futebol de mulheres e, como colocado acima, os cards de arco-íris cada vez mais comuns até tem se ampliado. Mas, apesar de se falar mais, ainda se faz muito pouco pela inclusão da diversidade sexual no futebol profissional masculino. A prova mais concreta disso é que, até hoje, nenhum jogador das divisões principais saiu do armário enquanto ainda atuava — os raríssimos casos de revelação aconteceram apenas após a aposentadoria.
E a pauta deve – ou deveria – ganhar ainda mais atenção. Não podemos esquecer que a Copa do Mundo de futebol de homens de 2036 na Arábia Saudita, país onde a homossexualidade é criminalizada e perseguições a pessoas LGBTQIAPN+ são realidade concreta, não discurso de rede social. Quais as mensagem que as confederações – a FIFA, principalmente – e marcas pretendem transmitir ao participar de um evento desse porte enquanto dizem defender “respeito, igualdade e inclusão”? A lógica mercadológica, como aponta Karhawi (2016), faz da imagem uma mercadoria. A pergunta que precisamos seguir fazendo é: qual imagem de torcedor os clubes estão dispostos a vender e qual estão dispostos a proteger? Mais do que isso, como sustentar, na prática, valores que são facilmente transformados em filtro de Instagram e logo esquecidos?
Os dados coletados mostram que houve avanço mas ainda são raras as iniciativas que ultrapassam a estética e se materializam em ações estruturantes, como espaços de acolhimento, parcerias com coletivos ou protocolos contra LGBTfobia em estádios. Seria interessante aprofundar esse debate com um levantamento sobre quais clubes possuem departamentos ou campanhas permanentes de diversidade, equidade e inclusão. Há ações sociais contínuas ou tudo se resume à gestão de imagem? Existe letramento em diversidade para atletas, comissões técnicas, funcionários e dirigentes? Há diálogo com torcedores LGBTQIAPN+ além do post comemorativo? Essas são perguntas que ajudam a deslocar o foco do que é dito publicamente para o que de fato é praticado institucionalmente.
Futebol e orgulho têm tudo a ver. Afinal, é com amor, respeito, orgulho e admiração que torcemos por nossas cores, carregamos o escudo do clube no peito e cantamos nas arquibancadas. Mas, como toda relação, isso precisa ser cultivado para não virar só performance vazia. E, nesse jogo, não basta postar: é preciso derrubar as linhas de impedimento que ainda excluem, silenciam e marginalizam a população LGBTQIAPN+ no futebol.
(1) Foram listados os 60 clubes que disputam as séries A, B e C do Campeonato Brasileiro e, então, consultados os perfis oficiais de cada um deles no Instagram. Ou seja, pode ser que manifestações restritas a outras redes ou até mesmo ações dentro do estádio não tenham sido contabilizadas nessa análise.
(2) Soraya Bertoncello é publicitária e jornalista. Mestra e doutoranda em Comunicação Social na PUCRS. Gremista e bissexual.
Referências:
BANDEIRA, Gustavo Andrada. Um currículo de masculinidades nos estádios de futebol. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v. 15, n. 44, p. 342-351, 2010.
KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais: O Eu como mercadoria. In: Tendências em
comunicação digital, organizado por Elizabeth Saad e Stefanie C. Silveira, p. 38-58. São Paulo: ECA-USP, 2016.
PINTO, Maurício Rodrigues. Torcidas queer e livres em campo: sexualidade e novas práticas discursivas no futebol. Ponto Urbe, São Paulo, Brasil, v. 14, p. 1–12, 2014