O HSV – Hamburger Sport Verein, um dos clubes de futebol mais tradicionais da Alemanha, alcançou o acesso à primeira divisão do campeonato alemão, a 1ª Bundesliga, no dia 10 de maio de 2025, após amargar sete temporadas na segunda divisão, a 2ª Bundesliga. A mídia alemã tratou de dar ampla cobertura ao acesso, potencializada pela expectativa que se formou em virtude de o clube ter sucumbido nas edições anteriores, no afã de retornar, o quanto antes, à elite do futebol alemão. Poderíamos pensar no acesso até mesmo como algo corriqueiro, mas havia um ingrediente a mais: o fato de que, pela primeira vez em sua história, o clube havia sido rebaixado na temporada 2017/2018, e a expectativa por seu retorno era enorme. Para termos uma ideia, nas temporadas anteriores da 2ª Bundesliga, estas foram as colocações do HSV: 4º lugar (2018-2019), 4º lugar (2019-2020), 4º lugar (2020-2021), 3º lugar (2021-2022), 3º lugar (2022-2023) e 4º lugar (2023/2024). Por duas vezes, ao alcançar o 3º lugar, o HSV teve o direito de disputar a “repescagem” (Relegation) com o 16º colocado da primeira divisão. Na temporada 2021/2022, o HSV realizou duas partidas contra a Hertha BSC, de Berlim, tendo vencido o confronto na capital alemã pelo placar de 1 x 0, mas com derrota em casa por 0 x 2. Já na temporada 2022/2023, foram duas partidas contra o VfB Stuttgart, com 3 x 0 para os anfitriões em Stuttgart e nova derrota em Hamburgo, pelo placar de 1 x 3. Por sua vez, na temporada de acesso, 2024/2025, o HSV ficou em 2º lugar, com 59 pontos, dois a menos que o campeão 1.FC Köln, time da cidade de Colônia (BUNDESLIGA, 2025). Desse modo, o tradicional clube de Hamburgo, fundado em 1887, um dos mais antigos da Alemanha, que tem, inclusive, o “Hermann”, um dinossauro, como sua mascote, pôde voltar a sonhar com novas conquistas maiores no futuro, para enriquecer sua sala de troféus, que conta com seis títulos do campeonato alemão nas edições 1923, 1928, 1960 e, já na fase da Bundesliga, iniciada em 1963, nas edições 1978/1979, 1981/1982 e 1982/1983, três títulos da Copa da Alemanha, nas edições 1962/1963, 1975/1976 e 1986/1987, além de um troféu da Recopa Européia da UEFA na edição 1976/1977 e de um troféu da Liga dos Campeões da UEFA na edição 1982/1983 (HSV, 2025; KAUFMANN; HOLLENSTEINER, 2014, p. 45-46; STOLPE, 2013, p. 110-111).
Fig. 1 – Volksparkstadion, a casa do HSV
(fonte: acervo pessoal do autor)
O canal de TV e radiodifusão NDR – Norddeutscher Rundfunk, com sede em Hamburgo, publicou em seu site, no dia 11 de maio de 2025, a matéria „Aufstieg perfekt! HSV kehrt in die Fußball-Bundesliga zurück“ (“Acesso perfeito! HSV retorna à Bundesliga”), assinada por Sebastian Ragoß, que tratou de detalhar os principais momentos da festa que tomou conta do Volksparkstadion (Fig. 1), a casa do Hamburgo. Inicialmente, Ragoß sintetizou as informações sobre a partida disputada na noite anterior: “Na sétima tentativa, o HSV conseguiu: Os hamburgueses venceram na noite de sábado com um placar de 6 x 1 (3 x 1) contra o SSV Ulm e tornaram perfeito o acesso na 33ª rodada. Definido o rebaixamento do Ulm”. (RAGOß, 2025) Mas, logo em sequência, o tom muda, traduzindo em palavras um pouco da emoção daquele momento: “Esperanças frustradas e derrotas dolorosas na 2ª Liga: No sábado à noite, às 22h25, tudo estava esquecido. Já minutos antes do apito final milhares de torcedores haviam se reunido à beira do gramado, a fim de invadir o campo e comemorar o acesso à Bundesliga”. (RAGOß, 2025) E o relato prossegue: “Então, soou o apito final do árbitro Max Burda – e o Volksparkstadion tremeu. Os torcedores comemoraram com os jogadores no gramado, que se tornou um souvenir almejado. De qualquer modo, num futuro próximo, não será possível realizar uma partida de futebol no que era o tapete verde”. (RAGOß, 2025) As palavras de Sebastian Ragoß sintetizam toda a cena, em que milhares de torcedores invadiram o campo e tentaram levar alguma lembrança daquele momento histórico para o clube, sendo que vários deles retiraram pedaços do gramado, o qual ficou seriamente danificado e demandará amplos reparos. Não obstante toda a festa e euforia da torcida, o jornalista registrou também em sua matéria o saldo da invasão: “Lágrimas jorravam – lágrimas de alegria. Infelizmente, houve cerca de 25 feridos na invasão de campo. Segundo informações da NDR, várias pessoas precisaram ser atendidas por paramédicos, algumas foram levadas para o hospital”. (RAGOß, 2025) O feito daquela vitória é acentuado na matéria a partir da chave do “sofrimento”: “Um longo período de sofrimento chega ao fim para o clube hexacampeão alemão, na próxima temporada não estarão mais como visitantes no Volkspark o Braunschweig, o Münster ou o Hannover 96, mas, sim, o Werder Bremen e o Bayern de Munique”. (RAGOß, 2025) Todavia, Ragoß não deixou também de se referir ao clima de festa que tomou conta da cidade de Hamburgo durante aquele sábado:
Para os torcedores do HSV foi um golpe de sorte a penúltima rodada não ter sido realizada em um domingo à tarde. Assim, os torcedores puderam se preparar, o dia todo e sob um belo clima de primavera, típico do Norte da Alemanha, para uma festa animada. Nos bares, no Aniversário do Porto, no estádio: Em toda parte da cidade hanseática podia se ver as cores preto, branco, azul. (RAGOß, 2025)
Em sua argumentação, Sebastian Ragoß faz menção ao “Aniversário do Porto” (Hafengeburtstag), uma das principais festividades da “cidade hanseática” (Hansestadt). Devemos lembrar que o nome oficial de Hamburgo é Freie und Hansestadt Hamburg (Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo), que remonta a sua história medieval, quando integrara a Liga Hanseática, uma aliança de cidades portuárias do Mar do Norte e do Mar Báltico, que contava também com Amsterdã, Brugge, Lübeck, Rostock, Stralsund, Stettin, entre outras, que detinham o monopólio mercantil na região (STÄDTEBUND DIE HANSE, 2005). Neste ano, o 836º Aniversário do Porto de Hamburgo (Fig. 2), um dos principais da Europa, foi celebrado justamente nos dias 09, 10 e 11 de maio, coincidindo, assim, com a partida decisiva para o HSV no campeonato da segunda divisão, disputada no dia 10. Nessas ocasiões, o rio Elba, onde o porto está localizado, se torna palco para o desfile de embarcações de diversos calados, de transatlânticos a navios cargueiros, rebocadores e barcas de transporte fluvial, enfeitados e iluminados, e um vasto público em ritmo de festa se concentra diante de um dos palcos erguidos no cais, para acompanhar diversos shows e a tradicional queima de fogos.
Fig. 2 – Porto de Hamburgo, no rio Elba
(fonte: acervo pessoal do autor)
Todavia, quando o assunto é Hamburgo e seu porto, em geral, não o associamos ao HSV, mas, sim, à outra equipe famosa da cidade: o FC St. Pauli, muito querido dos fãs brasileiros. O próprio nome do clube remete ao distrito portuário de Sankt Pauli (Fig. 3), com sua vida noturna intensa na principal via, a Reeperbahn, e adjacências, ponto obrigatório para turistas. Aliás, foi em bares e clubes de Sankt Pauli onde os Beatles fizeram suas primeiras aparições entre 1960 e 1962, ainda adolescentes, quando eram cinco: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Stuart Sutcliffe e Pete Best, ainda sem Ringo Starr na bateria. Não é por acaso que o bairro conta com uma praça em homenagem aos quatro de Liverpool, a Beatles-Platz (INGLIS, 2012). Sankt Pauli se tornou célebre também em canções interpretadas pelo ator Hans Albers nos filmes Große Freiheit Nr. 7 (1944; Grande Liberdade nº 7), nome de um dos endereços famosos de lá, Auf der Reeperbahn nachts um halb eins (1954; Na Reeperbahn, a meia noite e meia) e Das Herz von St. Pauli (1957; O coração de St. Pauli), o qual também está reverenciado topograficamente com uma praça, a Hans-Albers-Platz (HEIKE, 2025).
Fig. 3 – o distrito portuário de Sankt Pauli by Night
(fonte: acervo do autor)
Além desses aspectos e do fato de que a casa do St. Pauli, o Millerntor-Stadion (Fig. 4), se localizar no bairro portuário, um dos emblemas do clube é justamente a caveira com dois ossos cruzados, lembrando as bandeiras dos navios piratas (Fig. 5). Inclusive, o apelido do clube é „Freibeuter der Liga“ (“Piratas da Liga”) (FC ST. PAULI, 2025).
Fig. 4 – Arquibancada do Millerntor-Stadion, casa do FC St. Pauli
(fonte: acervo pessoal do autor)
Ciente da rivalidade entre as duas principais agremiações de Hamburgo, a imprensa alemã tratou de cobrir também as impressões de torcedores do St. Pauli sobre o acesso do rival à Bundesliga. O jornal Tagesspiegel, com sede em Berlim, publicou em 18 de maio de 2025 a matéria „‘Der Aufstieg ist nicht verdient.’ Wie St.-Pauli-Fans auf den Erfolg des HSV blicken“ (“‘A ascensão não é merecida’. Como torcedores do St. Pauli olham para o sucesso do HSV”), assinada por Charlotte Bruch. Logo de início, evidencia-se o clima de rivalidade aflorada em um momento de celebração do clube adversário: “O HSV está de volta à Bundesliga. Isso despertou diversas reações entre os torcedores do FC St. Pauli. Entre alegria antecipada por dérbis e tons críticos, coloca-se a questão: Qual é o verdadeiro número 1 em Hamburgo?”. (BRUCH, 2025) E a jornalista menciona um episódio logo após a partida, em que a rivalidade, mais uma vez, tornou-se patente:
Em menos de meia hora, o grito “St. Pauli de merda” ecoou pelo Volkspark pela primeira vez na noite deste sábado, há uma semana. Robert Glatzel, atacante do HSV, irrompeu no cântico de insulto em plena euforia. Os torcedores em campo, que haviam deixado as arquibancadas em júbilo depois de assegurado o acesso do clube à Bundesliga, juntaram-se ruidosamente ao cântico. (BRUCH, 2025)
Tal “cântico” é explorado também em termos de marketing como um “slogan” contra o rival. Ele aparece, por exemplo, em uma camiseta estampada com os dizeres „Scheiss St. Pauli“ (“St. Pauli de merda”) acompanhados do desenho de um inseto que está sendo atingido pelo jato de uma lata de spray nas cores do HSV, ou também nos tradicionais cachecóis do clube, ou mesmo em bonés. Inclusive, torcedores do St. Pauli, e também os do F.C. Werder Bremen, rivalizam com o adversário ao exibirem cachecóis com os dizeres „Scheiss HSV“ (“HSV de merda”).
Fig. 5 – O símbolo de “pirata” do FC St. Pauli, plaqueta de uma camisa oficial comercializada na loja do clube, no Millerntor-Stadion
(fonte: acervo pessoal do autor)
Inegavelmente, embora seja um clube centenário, o FC St. Pauli ainda não possui um currículo de triunfos à altura do desempenho do rival. Fundado em 1910, em termos desportivos, o St. Pauli possui apenas um título nacional, o da 2ª Bundesliga, na temporada 2023/2024, cinco títulos regionais, sendo um na 2ª Bundesliga Norte, na temporada 1976/1977, um na Regionalliga Nord (Liga Regional Norte, a 4ª divisão), na temporada 2006/2007, e outros três na Oberliga Nord, nas temporadas 1980/1981, 1982/1983 e 1985/1986, além de sete conquistas locais na Taça de Hamburgo, nas edições 1985/1986, 1997/1998, 2000/2001, 2003/2004, 2004/2005, 2005/2006 e 2007/2008 (FC ST. PAULI, 2025). Todavia, desde os anos 1980 o clube tornou-se famoso mundo afora por possuir um ethos que respeita as diversidades e não tolera racismo, fascismo, sexismo e homofobia, e que promove diversas ações sociais e obras beneficentes. É considerado como “mais que um clube”, um clube cultuado por defender a solidariedade e a democracia (STOLPE, 2014, p. 159). E o clube também é associado à cena do punk e do rock. Em suas partidas disputadas no Millerntor-Stadion, a equipe do St. Pauli vem para campo ao som da música “Hells Bell”, da famosa banda australiana AC/DC (FC ST. PAULI, 2025). A matéria de Charlotte Bruch, inclusive, exibe algumas opiniões de torcedores e de dirigentes do St. Pauli em relação ao acesso do HSV à Bundesliga, que espelham um pouco a rivalidade. Um deles, um torcedor de 30 anos, nomeado apenas como “Jorma”, declarou o seguinte: “‘Eu não me alegro com o acesso do HSV, o que tem um pouco a ver com a minha biografia’”. (BRUCH, 2025) Por fim, Jorma foi categórico em sua declaração: “‘O acesso não foi merecido. O HSV conseguiu porque os outros erraram, não porque fizeram uma temporada tão excepcional’”. (BRUCH, 025)
A partir de 22 de agosto de 2025, com o início da 63ª temporada da Bundesliga (2025-2026), as duas maiores equipes de Hamburgo voltarão a se defrontar em partidas na elite do futebol alemão. Abre-se, assim, um novo capítulo não só para se almejar a manutenção de ambas na primeira divisão, como também para dar seqüência às disputas com novos dérbis, e para alimentar a rivalidade em torno da questão, com espaço para novas matérias na mídia: “Qual é o verdadeiro número 1 em Hamburgo?”.
Referências bibliográficas
BRUCH, Charlotte. „Der Aufstieg ist nicht verdient.“ Wie St.-Pauli-Fans auf den Erfolg des HSV blicken. Tagesspiegel. 18 maio 2025. Disponível em: https://www.tagesspiegel.de/sport/der-aufstieg-ist-nicht-verdient-wie-st-pauli-fans-auf-den-erfolg-des-hsv-blicken-13708918.html. Acesso em: 20 jun. 2025.
BUNDESLIGA (site oficial). 2025. Disponível em: https://www.bundesliga.com/de/2bundesliga. Acesso em: 20 jun. 2025.
FC ST. PAULI (site oficial). 2025. Disponível em: https://www.fcstpauli.com/verein/historie/vereinshistorie/. Acesso em: 20 jun. 2025.
HEIKE, Frank. Bei St. Pauli besingen ihr Herz nicht mehr. Frankfurter Allgemeine Zeitung. Hamburg, 16 fev. 2025. Disponível em: https://www.faz.net/aktuell/sport/fussball/bundesliga/fc-st-pauli-setzt-stadion-hymne-herz-von-st-pauli-wegen-ns-historie-aus-110300089.html. Acesso em: 20 jun. 2025.
HSV – Hamburger Sport-Verein (site oficial). 2025. Disponível em: https://www.hsv.de/en/homepage. Acesso em: 20 jun. 2025.
INGLIS, Ian. The Beatles in Hamburg. London: Reaktion Books, 2012.
KAUFMANN, Göz; HOLLENSTEINER, Stephan. Hamburger Sport-Verein (HSV). In: CORNELSEN, Elcio Loureiro; CURI, Martin; HOLLENSTEINER, Stephan (orgs.). Kleines Wörterbuch zum deutschen und brasilianischen Fußball: die 111 besten Einträge. Rio de Janeiro: DAAD, 2014, p. 45-46. [edição bilíngue alemão-português]
RAGOß, Sebastian. Aufstieg perfekt! HSV kehrt in die Fußball-Bundesliga zurück. NDR – Norddeutscher Rundfunk. 11 maio 2025. Disponível em: https://www.ndr.de/sport/fussball/Aufstieg-perfekt-HSV-kehrt-in-die-Fussball-Bundesliga-zurueck,hsv30074.html. Acesso em: 20 jun. 2025.
STÄDTEBUND DIE HANSE. 2025. Disponível em: https://www.hanse.org/de/staedtebund/die-mittelalterliche-hanse. Acesso em: 20 jun. 2025.
STOLPE, Daniel. 50 Jahre Bundesliga: Die Geschichten – Die Legenden – Die Bilder. Stuttgart: Pietsch-Verlag, 2013.