Árbitra no Futebol: reflexões

Ao começar a assistir no sábado passado, dia 7 de setembro, a partida entre Flamengo e Avaí, algo me chamou a atenção e não era o terceiro uniforme usado pela equipe, o que nós, rubro-negros, costumamos acreditar que não traz boa sorte. O que me chamou a atenção foi que o “árbitro” da partida era a “árbitra” Edina Alves Batista. Pesquisando na internet descobri que Edina tinha sido a primeira mulher a apitar um jogo de Série A depois de 14 anos. Ela arbitrou a partida entre CSA e Goiás pela sexta rodada do campeonato.

Edina Alves Batista
Fonte: esporte.uol.com.br

No entanto, esta foi a primeira vez que vi uma partida do Flamengo sendo arbitrada por uma mulher. Muito feliz com o fato, comecei a refletir sobre a longa luta das mulheres para adentrar um universo tradicionalmente masculino e, mais do que isso, do pior que pode existir neste masculino: machismo e homofobia.

O espaço recente conquistado pelas mulheres no futebol pode ser visto nas bancadas das mesas redondas de televisão e na quantidade de mulheres repórteres de campo. O que seria motivo de chacota uma ou duas décadas atrás, passou a ser encarado como algo rotineiro.

O mundo está melhor, ainda que tenhamos a sensação contrária. Estamos evoluindo e nos tornando mais tolerantes. O psicólogo e linguista Steven Pinker publicou em 2011 o livro Os anjos bons da nossa natureza, justamente para tentar demonstrar como a violência diminuiu através dos séculos. Isso não quer dizer que a sociedade deixou de ser violenta, racista misógina e homofóbica. Apenas que estas características abrandaram. É preciso termos um olhar para um longo período da história e não de um curto tempo para estarmos de acordo com Pinker.

Se não me engano, foi Marilene Dabus a primeira mulher a cobrir futebol. Isso no final dos anos 1960. Não deve ter sido fácil para ela naqueles tempos. Algumas décadas depois, na esteira de Dabus, surgiram outras mulheres como, por exemplo, Mariana Becker. Contávamos nos dedos as jornalistas mulheres. Imagino que todas essas precursoras sofreram com o preconceito e o assédio masculino. Mas, pouco a pouco o espaço foi sendo preenchido e creio que em breve teremos também um número maior de narradoras de partidas de futebol, algo ainda escasso. Os episódios de machismo ocorridos na Copa da Rússia ano passado não passaram despercebidos. Talvez, em décadas passadas, tivéssemos outras reações para fatos semelhantes.

Feliz com o resultado da partida de sábado, já que meu Flamengo venceu por 3 a 0, fiquei mais feliz ainda em não ter observado resistência por parte da torcida à árbitra Edina Alves Batista.

Marilene Dabus
Fonte: http://www.osaopaulo.org.br

Neste universo permeado pelo o que há de mais perverso no masculino, lembro das dificuldades enfrentadas pela presidente Patrícia Amorim no Flamengo no período 2010-2012. Incomodava-me o fato de que quando alguém queria criticar sua gestão se referia a ela como “aquela mulher”. Imagino que hoje o linguajar dos homens seria, ao menos, um pouco mais cuidadoso. Afinal, muitas piadas com teor machista, que eram contadas até algumas décadas atrás, caíram em desuso. O humorista Fábio Porchat em recente entrevista ao programa Conversa com Bial disse que já sofreu de e por conta da “masculinidade tóxica”, mas que hoje não vê graça em algumas piadas que contava no passado. É louvável a pessoa reconhecer erros do passado, algumas vezes ocorridos por falta de esclarecimento, e não os cometer mais.

Certamente ainda falta muito nesta caminhada de conquistas das mulheres no universo do futebol, mas um caminho já foi percorrido. É fundamental que mais vozes do meio acadêmico, da imprensa e da sociedade se manifestem sobre o tema. E aqui lembro de uma frase atribuída a Martin Luther King que possui, a meu ver, um valor ímpar: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Não fiquemos em silêncio. O mal faz mais barulho e, por isso, temos a sensação de que é maioria.

*Artigo publicado originalmente no Globo no dia 10 de setembro de 2019.

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