Quer arrumar uma polêmica? É só perguntar se alguns tipos de competições podem ser considerados esportes ou não. Os E-Sports ou esportes eletrônicos, por exemplo, para muita gente (até a ex-ministra dos esportes, Ana Moser), não podem receber essa designação, mesmo sendo incluídos como modalidades nas duas últimas edições dos Jogos Asiáticos. O mesmo acontece com o Break Dance, incluído nos Jogos Olímpicos de Paris, este ano, e que vem provocando calafrios nos mais puristas.
O dicionário Houaiss traz algumas definições de esporte: atividade física regular, com fins de recreação e/ou de manutenção do condicionamento corporal e da saúde; jogos ou atividades que requerem destreza física, com observância de regras específicas; atividade lúdica; hobby, passatempo. Salvo engano deste autor, as duas modalidades acima se adequariam com facilidade ao verbete. Ambas exigem habilidades físicas, seguem regras, se adequam a competições e ainda podem ser classificadas como uma atitude lúdica.
Estou simplificando? Talvez. Mas, o certo é que os participantes das duas atividades não estão nem aí se elas são aceitas como esporte ou não. Elas se bastam em seus próprios meios e a inclusão em megaeventos esportivos, apesar de lhes proporcionar uma visibilidade global, também tem o propósito de atrair novos públicos, principalmente os mais jovens.
Longe deste curto texto reunir todas as visões sobre o tema ou pretender esclarecê-lo. Minha intenção, na verdade, é colocar mais pimenta nessa história. O tempero, aliás, foi escolhido propositalmente, afinal, vamos falar sobre Lucha Libre no México.
Noches de Lucha. (foto do autor)
Preparação rigorosa
Antes de abandonar a leitura, sugiro, prezado leitor, a permanência por mais alguns parágrafos para que possa entender as razões de eu ter trazido esse tema para um blog que aborda mídia e esportes. Justifico: trata-se de um evento midiático de grandes proporções em todo o território mexicano, tanto que se tornou uma espécie de identidade nacional, além disso, apesar de toda a teatralidade das noites de combates, é uma claríssima demonstração de preparação física e dedicação atlética.
É bom deixar claro que não é qualquer pessoa que pode subir ao ringue nessas apresentações. É recomendável ser praticante de categorias olímpicas, como a Luta Livre e a Luta Greco-Romana e, se possível, desde muito jovem. Além disso, todos os participantes devem possuir uma licença de lutador, o que exige ser aprovado em um rigoroso exame prático; um processo que pode levar até seis horas dependendo do número de candidatos. É exigido dos lutadores o domínio dos movimentos básicos da Luta: entradas, saídas, estilo, aéreos, chaves e luta de rendição (quando o adversário pede o fim do combate). Ninguém sem uma forma física de alto nível conseguiria fazer as acrobacias que esses lutadores praticam, nem suportar o impacto das quedas que fazem parte da “coreografia” dos combates. Um movimento mal executado pode levar a uma grave lesão, ou até a um desfecho trágico.
Como em qualquer competição, a participação em grandes eventos depende do acúmulo de experiência. Os dois palcos principais da capital do país são a Arena Coliseo e a Arena México. Essa última, a maior delas, foi o local das competições de Boxe nos Jogos Olímpicos de 1968 e pode receber quase 17 mil espectadores. E, nos principais dias de combates fica praticamente lotada.
Apesar de ser uma atração turística, as noches de lucha são eventos extremamente populares entre os locais e com preços bastante acessíveis. Uma entrada para as arquibancadas custa, aproximadamente, R$15,00, já as cadeiras variam de R$40,00 a R$160,00, dependendo da localização. Também há a possibilidade de assistir às lutas no sistema de pay-per-view. Assinar um único evento fica em torno de R$ 50,00.
Cartel das lutas da noite de sexta-feira. (divulgação)
Que comece o espetáculo
Fui à Arena México numa Viernes Espetacular organizada pelo Consejo Mundial de Lucha Libre (CMLL). A sessão de sexta-feira à noite só rivaliza com a de domingo à tarde, preferida pelas famílias. Sim, crianças adoram a Lucha Libre e muitos dos pais se comportam como crianças, também. É bem comum ver marmanjos usando as máscaras de seus lutadores preferidos.
No clima da disputa. (foto do autor)
Poucos são os lutadores que não usam máscaras. Elas são uma marca registrada do esporte (ops, já posso chamar assim?). São coloridas, brilhosas, chamativas e estão espalhadas pelas barraquinhas de ambulantes na porta da Arena. No entorno, também não faltam ambulantes vendendo tacos, tortillas e outras guloseimas, inclusive chapulines, pequenos grilos salgadinhos que segundo eles, são um ótimo acompanhamento para aquela cerveja gelada (experimentei um e não desgostei, mas um saquinho cheio deles, acho que seria um pouco exótico demais pra mim). Comer na rua também é um “esporte” muito praticado pelos mexicanos.
Máscaras para todos os gostos. (foto do autor)
A movimentação é intensa, mas não se preocupe em achar seu lugar, existem os “sentadores”, rapazes que lhe indicam o local exato por uma gorjeta de uns R$10,00. É algo bem corriqueiro. Logo as luzes se apagam e os grandes telões atrás do ringue começam a mostrar os lutadores do Match Relámpago (10 minutos) entre Valiente Jr. e Felino Jr. É muito comum ver, no cartel de lutadores, o sufixo JR. Suponho que sejam filhos de lutadores de sucesso que seguiram a carreira de seus pais.
Fica claro, logo à primeira vista, que tudo é muito teatralizado. Quanto mais inexperientes os lutadores, mais cômica é a situação. Mas, a partir do momento em que os principais competidores vão subindo ao ringue, você vê, claramente, o quanto é atlética aquela apresentação e o quanto os lutadores estão fisicamente aptos para todos aqueles golpes aplicados e sofridos. Pulam das cordas em saltos mortais e, algumas vezes, voam para fora do ringue. Todos sabem que é um teatro, mas a plateia vibra com cada lance mais ousado. Uma catarse coletiva muito parecida com qualquer outro esporte de massa. As torcidas aplaudem e vaiam, comemoram e protestam, como se tudo fosse realmente à vera.
Arena lotada e animada. (foto do autor)
Cada lutador tem sua característica. Não basta apenas ser atlético, é preciso carisma, afinal é um espetáculo. E não há apenas aquele roteiro padrão do lutador bonzinho contra o vilão. Há toda uma construção de personagens, o que torna a pantomima mais interessante para um espectador não aficionado como eu.
A luta mais esperada da noite envolvia o galante Máscara Dorada e o grotesco Bárbaro Cavernario (um tipo de homem das cavernas). Um combate tipo “mano a mano”. Pelo que entendi, se tratava de uma melhor de três “caídas”, ou seja, momento em que um dos lutadores é subjugado pelo outro. Mas, nessa luta, em particular, houve um componente de dramaticidade. O fim do combate se deu quando o Bárbaro Cavernario, para delírio de seus torcedores, que o saudavam com gritos guturais de “UH! UH! UH!”, arrancou a máscara do adversário e, com isso, alcançou a vitória. Coube ao Máscara Dorada, já sem ela, esconder o rosto até que lhe atirassem uma máscara emprestada para que deixasse o local.
O “temível” Bárbaro Cavernario. (foto de divulgação)
Minha experiência “sociológica esportiva” (eu insisto) se encerrou após duas cervejas (sem chapulines) e um combate onde estavam, simultaneamente, no ringue, oito lutadores. Era hora de sair sem tumulto, pedir um Uber e voltar para o hotel.
Apesar de toda a teatralidade da coisa, aconselho enfaticamente a experiência para aqueles que gostam de competições de massa, mesmo para que acreditem, piamente, que tal espetáculo jamais possa ser considerado um esporte. Ir à CDMX (Cidade do México, para os íntimos) e não assistir às luchas é perder a oportunidade de conhecer um pouco mais da tão rica cultura mexicana. Arriba!