CBF erra ao iniciar campanha contra o racismo na Espanha

Por Marcelo Resende

No fim de maio, assistimos chocados aos ataques racistas contra Vinícius Júnior diante do Valencia, pelo Campeonato Espanhol. Apesar de anulada posteriormente, ainda houve a expulsão do brasileiro após reagir a um mata-leão de um adversário. Foi o 11º caso racista sofrido (fora os não contabilizados) por Vini Jr. e representou o estopim, o que o levou a lutar contra a opressão generalizada dentro do estádio Mestalla.

O caso gerou revolta em todo o mundo. Fifa e entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas, condenaram os insultos ao atleta do Real Madrid e pediram o fim da discriminação racial no esporte. A ONU, por meio de seu alto comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou que o que se passou com Vinicius Júnior “é um lembrete gritante do racismo no esporte” e pediu ação antirracista de organizadores de eventos esportivos, autoridades e sociedade.

No Brasil, no mesmo dia dos atos racistas, a Confederação Brasileira de Futebol apoiou o jogador brasileiro, em nota assinada pelo presidente Ednaldo Rodrigues. No texto, o dirigente questionou que “até quando a humanidade ainda será apenas espectadora e cúmplice de atos cruéis de racismo?”. Além disso, clubes e torcedores de Norte a Sul do país fizeram postagens em defesa do craque.

Link da postagem publicada no Instagram da CBF em apoio a Vinícius Júnior.

O racismo sofrido por Vinicius Junior causou um debate mundial sobre o racismo no esporte, que é apenas um dos espaços onde ultraconservadores encontram palco para engendrar o ódio. Seja na Espanha, na Argentina, nos EUA, ou até mesmo no Brasil. Como sabemos, tudo que é visto no estádio é reflexo da sociedade. No caso de Vini Jr., se é possível destacar algo positivo, é justamente a reação contrária ao que o brasileiro tem sofrido pelo menos desde 2021, quando torcedores do Barcelona ofenderam o atleta da Seleção Brasileira num “El Clásico”.

A reação da comunidade internacional serviu como uma rede de apoio a Vinicius Júnior, até para dar um possível alívio a ele em meio àquele caos assistido em todo o mundo. Foi necessário o camisa 20 do Real Madrid chegar ao limite para obter certo apoio e ser ouvido, apesar dos claros e subsequentes ataques sofridos, como o boneco enforcado representando Vini em janeiro deste ano, uma ação de fãs do Atlético de Madrid.

Se Vini Jr. chegou ao limite, a comunidade internacional tem que virar a chave junto com o jogador para combater o ódio no esporte e avançar além de notas oficiais. Vini levantou-se e tornou-se referência mundial no combate ao racismo e vai liderar um comitê antirracismo da Fifa, que vai ouvir sugestões de jogadores para erradicar racismo e comportamentos discriminatórios no futebol. Que não fique apenas no papel e nas falsas promessas.

CBF inicia campanha antirracista na Espanha

Além de a Fifa anunciar um novo comitê, uma das primeiras ações concretas após o caso foi a decisão da CBF realizar um amistoso justamente na Espanha. Tudo bem que já estava marcado antes do racismo generalizado no estádio Mestalla, mas a entidade decidiu manter a realização da partida lá por considerar que a crise era com La Liga e não com a federação espanhola, segundo o UOL. Quaisquer problemáticas em relação ao racismo, que deveriam nortear as decisões, não foram consideradas?

A partida contra Guiné, no RCDE Stadium, em Barcelona, estava visivelmente vazia. É possível crer que os espanhóis, prováveis público-alvo da campanha antirracista, não deram a mínima para o duelo, até porque eles jogariam a final da Liga das Nações no dia seguinte ao amistoso brasileiro – venceram a Croácia e sagraram-se campeões. Não é possível mensurar a repercussão midiática das ações da CBF na Espanha, mas a vitória do Brasil sobre Guiné não deve ter ganhado muito destaque por lá.

Fonte da imagem: Terra.com.br

Durante a transmissão, uma torcedora vestida de verde-amarelo apareceu mostrando um cartão pedindo “Fora, Lula” junto dos dizeres “Luladrão”. Pedir a saída de um presidente democraticamente eleito com a justificativa da corrupção é uma tática da extrema-direita, além da cooptação de símbolos nacionais para si, colocando-se como os legítimos brasileiros.

Numa coalização formada por Vox e Partido Popular, o fascismo conquistou importantes vitórias em 10 grandes cidades nas eleições regionais da Espanha em maio, inclusive em Valência, onde Vinicius Júnior sofreu o derradeiro caso racista. Os fascistas usam a hierarquia, baseada num passado mítico e tradicional (Stanley, 2019) que só favorece aos da raça pura, para justificar o discurso de ódio contra qualquer minoria que conquiste direitos sociais, inclusive negros.

Em termos simbólicos, seria muito mais forte uma partida no Brasil, onde Vini Jr. recebeu importante defesa, para os brasileiros festejá-lo e apoiá-lo e demonstrar apoio à defesa do tema antirracista. Mais para frente, numa discussão que envolva importantes vozes no debate racial (não só a questão preta) e as grandes entidades esportivas, poderia acontecer uma partida com elementos mais importantes (um pequeno amistoso que não vale nada não é capaz disso) que pudesse agendar a discussão antirracista na sociedade espanhola. A própria CBF anunciou um amistoso contra a Espanha para 2024 com essa intenção. FIFA, UEFA e CBF podem se unir e fazer outras atividades antirracistas que não envolvam apenas uma partida de futebol. Com investimentos, eventos públicos, debates na TV etc.

Mas, por agora, Vinicius Júnior merecia o carinho dos brasileiros com o estádio lotado.

Instagram do autor: @marcelorsde

Referências
STANLEY, J. Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”. São Paulo: L&PM Editores, 2018.

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