Por Glauco Costa
Eric Hobsbawm, renomado pesquisador de fama internacional, salientou no livro Era dos Extremos que “à medida que o historiador do século XX se aproxima do presente, fica cada vez mais dependente de dois tipos de fonte: a imprensa diária ou periódica e os relatórios econômicos periódicos e outras pesquisas, compilações estatísticas e outras publicações de governos nacionais e instituições internacionais”. 1Tal pensamento, importante destacar, vem como uma base importante para o século XXI refletir sobre algumas mudanças em curso nos hábitos de torcer e que podem provocar modificações no jeito de jogar futebol.
A torcida clássica, cuja imagem (em parte real, em parte ilusória) que se fez presente sobre as pessoas, que lotaram os estádios no Brasil na segunda metade da centúria passada, não é a mesma que acompanhamos na atualidade. Cada vez mais, o “torcedor raiz”, isto é, aquele sujeito apaixonado por seu clube que, em razão de um amor incondicional, ocupava as arquibancadas brasileiras, agora deu lugar às pessoas que consomem uma partida esportiva. Como consumidores, não precisam apenas de boas performances dentro das quatro linhas para se manterem entretidos; é necessário também que haja uma estrutura mercadológica para atendê-lo.
Longe das arenas (sim, pois a maior parte dos antigos estádios agora encontram-se esteticamente padronizadas), as mudanças não param de acontecer. Os 90 minutos de uma peleja transmitida na TV não é mais assistida a partir de um único aparelho, pois nem sempre o interesse central de quem assiste é o resultado do duelo em sim, mas o que determinado fator pode lhe proporcionar, por exemplo, em ganhos financeiros pessoais, como o resultado de apostas. “Assistir à televisão enquanto utiliza o celular se tornou uma realidade para muitas pessoas no mundo. O brasileiro, que possui hábitos próprios ao acompanhar um jogo de futebol ou qualquer outro esporte, ganhou no consumo das apostas esportivas uma nova forma de entretenimento durante as partidas. As coisas se complementam, com a interatividade e a emoção da torcida brasileira ao lado agora da segunda tela, os aparelhos móveis, que facilitam a experiência do usuário ao apostar”, observou Hans Schleier, diretor de marketing da Casa de Apostas, em entrevista à Revista Exame.2
A distração visual, por assim dizer, provocada pelo uso quase que simultâneo da TV (ou de outro instrumento audiovisual) com o aparelho telefônico, não é algo que atinja exclusivamente o futebol, bem como a existência de apostas neste esporte também não é algo originário no século XXI. Todavia, todos estes movimentos combinados apontam para o surgimento de mudanças de torcer e que podem também ser acompanhadas de transformações nas formas de jogar. E antes de mais nada aproveito para informar de que não estamos aqui nos referindo a atitudes antiéticas e criminosas de atletas envolvidos em favorecimentos de resultados, mas tão somente em refletir acerca de quais mudanças podemos ter nos jogos futebolísticos a partir das mudanças nos jeitos de torcer.
Uma delas está relacionada à dinamicidade dos duelos. Não é de hoje que há fortes preocupações envolvendo os jogos esportivos de maneira geral e à necessidade de torná-los poucos momentos de “busca da excitação”, parafraseando termos que permeiam as ideias de Norbert Elias. 3Com o transcorrer dos anos 1900, regras criadas no século XX deixaram de ser mantidas, como o recuo proposital da bola para o goleiro e a consequente defesa dela com as mãos. Para além de equilibrar esportivamente as partidas, tal decisão buscava dar mais intensidade aos jogos.
Atualmente, a busca pelo equilíbrio e pela equidade nos embates do ludopédio é sempre um dos pilares utilizados para possíveis modificações nas regras do esporte bretão. O aumento nas substituições tem por finalidade reduzir o desgaste de um número maior de atletas, bem como minimizar a necessidade de profissionais atuarem machucados, ao mesmo tempo que permite partidas mais dinâmicas pela entrada de jogadores mais descansados.
Dessa forma, temos cada vez mais que perceber e refletir quais caminhos os embates entre saúde x intensidade vão nos apresentar a respeito do futebol. Em mais de 120 anos, este esporte passou, passa e passará por mudanças das mais variadas possíveis. É um novo mundo que exige um novo jeito de jogar para um novo time de torcer.
1 HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 / Eric Hobsbawm; tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
2 Disponível em https://exame.com/casual/como-industria-esportiva-e-do-entretenimento-se-adequa-a-novos-habitos-de-consumo/. Acesso em 20 jun. 2023.
3 ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric A Busca da Excitação: Desporto e Lazer no Processo Civilizacional, Lisboa, Edições 70, 2019.
BIBLIOGRAFIA
ELIAS, Norbert e DUNNING, Eric A Busca da Excitação: Desporto e Lazer no Processo Civilizacional, Lisboa, Edições 70, 2019.
EXAME. Como indústria esportiva e do entretenimento se adequa a novos hábitos de consumo. Disponível em https://exame.com/casual/como-industria-esportiva-e-do-entretenimento-se-adequa-a-novos-habitos-de-consumo/. Acesso em 20 jun. 2023.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 / Eric Hobsbawm; tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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