Como narrar os esportes? Os desafios do jornalismo esportivo

Nos dias 07 e 08 de dezembro o II Seminário Internacional LEME – Jogos Olímpicos, Mídia e Cultura reuniu pesquisadores e jornalistas para a promoção de um debate acerca dos impactos dos megaeventos realizados no Brasil. Embora diversos temas tenham sido abordados pelos palestrantes, um particularmente me chamou atenção: a necessidade de renovação das narrativas produzidas pelo jornalismo esportivo. A jornalista Debora Gares da ESPN, por exemplo, afirmou haver um desgaste de algumas fórmulas de se narrar os esportes entre os quais as corriqueiras ênfases nas histórias de superação dos atletas. Para fugir desse lugar comum Débora entende que se faz necessário que os profissionais do jornalismo esportivo encontrem outros percursos narrativos, que sejam inovadores e que privilegiem boas histórias a serem contadas.

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Débora Gares, da ESPN Brasil, participou da mesa sobre os Jogos Paralímpicos de 2016. (Foto: Alexandre Botelho/FACHA)

Na última mesa do evento, os dilemas do jornalismo esportivo foram abordados de modo mais incisivo. O pesquisador Álvaro do Cabo apontou para os perigos que o jornalismo esportivo corre de descambar para a superficialidade da representação dos fatos, flertando muitas vezes, com o puro entretenimento. Os convidados Marcelo Barreto (SPORTV) e Tim Vickery (BBC) mostraram-se razoavelmente cientes desses problemas, gerados por questões relativas ao jornalismo como um todo, incluindo a formação profissional para a área, assim como à tendência de espetacularização do cotidiano presente em diversas instâncias da sociedade.

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Os jornalistas Marcelo Barreto e Tim Vickery e o pesquisador em comunicação e esporte Álvaro do Cabo debateram dilemas e perspectivas do jornalismo esportivo na mesa “As Mídias e os Jogos Olímpicos. (Foto: Alexandre Botelho/FACHA)

É interessante pensar que o jornalismo esportivo é um campo razoavelmente recente e que tem se fortalecido ao longo dos anos. Diversos estudos já demonstraram que a relação entre imprensa e futebol começou a se tornar mais íntima nos anos de 1930, especialmente, por conta de uma renovação nos modos se retratar os acontecimentos esportivos, sobretudo, o futebol. De um discurso comedido, sem excessos verbais e marcado pela rigidez formal passa-se para a uma linguagem mais ágil, menos laudatória e que focasse nos aspectos mais emotivos e conflituosos do universo futebolístico. Nas mãos de nomes como Mário Filho, o jornalismo torna-se um fiel parceiro dos eventos esportivos, produzindo e pondo em circulação um rico imaginário de heróis, vilões, momentos épicos, momentos trágicos, enfim conferindo dramaticidade aos fatos esportivos.

Certamente que esse tipo de representação dialogava com um público que mantinha familiaridade com esses elementos que eram – e ainda são – parte componente de um imaginário coletivamente compartilhado.

Ocorre que vivemos num momento de mudanças notáveis no âmbito dos esportes, no jornalismo esportivo e na sociedade contemporânea de um modo geral que geram demandas de mudanças nos modos de se narrar os esportes.

Novas mídias, novas narrativas 

A necessidade de democratização dos meios de comunicação, no Brasil, é assunto que tem sido reivindicado nos últimos anos por movimentos que denunciam o excesso de poder exercido pelos conglomerados televisivos sobre os meios massivos de comunicação. Enquanto esse debate perdura, é válido ressaltar que a internet tem se transformado numa plataforma de discursos alternativos e, muitas vezes, denunciativos dos limites e excessos das narrativas midiáticas massivas.

As narrativas da imprensa tradicional têm sofrido forte questionamento no que se refere a sua parcialidade e superficialidade na produção dos relatos dos acontecimentos. Destacam-se nesse cenário os movimentos das mídias alternativas possibilitadas pela internet, espaço capaz de potencializar a comunicação e que, em grande medida, permite o surgimento de canais independentes de acesso e produção de informação e representação. Alguns desses novos canais foram atuantes durante a Copa e os Jogos Olímpicos chamando atenção para aspectos como, por exemplo, o machismo de algumas abordagens, o privilégio concedido a determinadas modalidades em detrimento de outras, a falta de preparo de comentaristas, especialmente, dos canais abertos. Muitas foram as críticas, assim como a oferta de outras possibilidades de se contar a história dos jogos e das conquistas de atletas.

Certamente que muitas dessas propostas são limitadas e muitas delas pautadas em posturas radicais e polarizadoras. Mas de qualquer modo, o contexto proporcionado pelas novas mídias, certamente, tem contribuído para que o jornalismo esportivo – e o jornalismo de um modo geral – se preocupe em buscar diferentes modos de tratar as notícias, de produzir relatos que atendam às demandas de um público que também se renova e se individualiza. Trata-se de um fenômeno comparável, por exemplo, com o ocorrido com os seriados televisivos, forçados a se reinventar após adventos como a HBO e a Netflix.

No caso do jornalismo esportivo faz-se necessário perguntar sobre como renovar as narrativas acerca do esporte. Como promover essa renovação em um contexto no qual o campo esportivo também tem se modificado na direção de uma maior mercadorização, competitividade e profissionalização, inviabilizando, por exemplo, narrativas que ressaltam o caráter heroico dos atletas. Isso em grande medida porque como já disse Tzvetan Todorov, os heróis como classicamente representados, têm perdido espaço de representação nos tempos atuais em que o reinado é das celebridades.

Como narrar os esportes sem repetir as fórmulas já gastas, sem cair no tom apelativo e, às vezes, grotesco adotado em alguns veículos televisivos e impressos? Esse é um desafio do jornalismo esportivo e que requer melhor preparo dos profissionais, assim como um mercado de trabalho menos abusivo.

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