Coronavírus, esportes e videogames esportivos

Por Francisco Javier López Frías* e César R. Torres**, especial para o El País.

A virada recente que as instituições deram a esse tipo de entretenimento tecnológico parece ser contraproducente ou até contraditória.

O coronavírus prejudicou a maioria das atividades que eram consideradas centrais em nossas vidas. Também para o esporte. Entre as poucas atividades que se beneficiaram com o confinamento obrigatório predominante em grande parte do planeta, estão os videogames. Seu download e seu emprego cresceram exponencialmente. Embora os esforços para unir o esporte e videogames esportivos não sejam novidade, as instituições esportivas – proibidas de comercializar seus produtos tradicionais – concentram sua atenção na promoção de jogos de videogames esportivos como FIFA 20 e NBA2K para manter sua visibilidade e atrair o seu público habitual. Nesse sentido, por exemplo, foram desenvolvidas iniciativas como a espanhola La Liga Challenge, um torneio de final de semana, narrado por famosos comentaristas esportivos, em que jogadores profissionais de futebol se enfrentaram através do FIFA 20.

Fonte: elpais

Diante da desaceleração do setor esportivo, os videogames esportivos tornaram-se a única alternativa de consumo de esportes ao vivo. As instituições esportivas se aproveitaram disso e, como expressou o jornalista Marcelo Gantman, “os videogames esportivos assumiram o entretenimento das pessoas nestes dias de isolamento social”. Deixando de lado o debate sobre se o videogame deve ser chamado ou não de esporte, os renovados esforços para associar os esportes e os videogames esportivos convidam a uma reflexão crítica sobre ambas práticas e sua relação.

Apesar de certas semelhanças, os esportes e os videogames esportivos possuem características diferentes, principalmente quanto à natureza da atividade física necessária. Grande parte dos esportes, especialmente os mais populares e comerciais, exige um nível de intensidade de atividade física muito superior às exigidas pelos videogames de esportes. Em parte, isso ocorre porque, como defende o filósofo Bernard Suits, o esporte é um tipo de jogo que requer desenvolvimento e o exercício de habilidades físicas para atingir seu objetivo. Assim, o basquete impõe a posse de habilidades especializadas relacionadas a correr, pular, lançar e manusear a bola, e entrosamento com seus colegas de equipe para alcançar a meta de marcar mais vezes do que a equipe adversária. Ainda que os videogames esportivos também exijam desenvolvimento e o exercício de habilidade física – como coordenar botões pressionando e manipulando alavancas em um controle – para atingir seu objetivo, o nível e a intensidade da atividade física necessária são significativamente menores. A tal ponto que os videogames podem ser considerados atividades sedentárias.

A diferença de nível e da intensidade das atividades físicas exigida pela maioria dos esportes e videogames esportivos tem resultados relevantes para a relação entre saúde e esporte. Um dos objetivos da promoção e uso do esporte na sociedade é manter as pessoas fisicamente ativas para melhorar sua saúde. Assim, especialistas recomendam 150 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana para população adulta. Por esse motivo, segundo seu novo diretor de medicina, a FIFA “vê o futebol como uma atividade que traz importantes benefícios à saúde” e que “pode contribuir para melhorar a saúde mundial”. Além disso, a atividade física é uma das principais ferramentas contra a obesidade, que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “alcançou proporções epidêmicas a nível mundial”, e tem como uma de suas causas o sedentarismo. A OMS enfatiza que “pelo menos, 2.8 milhões de pessoas morrem a cada ano por obesidade ou excesso de peso”.

Se a prática esportiva é crucial para conter a epidemia de obesidade, a recente mudança que as instituições esportivas fizeram em relação aos videogames esportivos parece ser contraproducente ou até contraditória. Videogames promovidos pelas autoridades do futebol – para seguir com esse esporte – parecem ser uma boa ferramenta para manter seu público conectado ao esporte, mas não geram um dos seus benefícios subjacentes: a saúde. Pelo contrário, estimulam comportamentos sedentários. Notasse que, de acordo com a OMS, “pelo menos, 60% da população mundial não realiza a atividade física necessária para obter benefícios à saúde”. O escritor Santiago Roncagliolo relatou que, como milhões de pessoas durante o confinamento obrigatório, “para evitar passar o dia conectado a mundos irreais, em casa incorporamos um programa de exercícios”. No lugar de ajudar a manter uma vida fisicamente ativa, os videogames esportivos nos incentivam a permanecer conectados aos mundos virtuais, em que a atividade física é mínima. É verdade que muitas instituições esportivas, assim como muitos atletas, promoveram atividade física. Por exemplo, a espanhola “La Liga” lançou o programa “QuédateEnCasa” (FicaEmCasa), que inclui treinamento físico com embaixadores do clube e treinadores físicos. No entanto, é necessário ir fundo no site desta instituição para encontrar esse programa. A promoção da atividade física empalidece com a dos videogames de futebol. A promoção da atividade física se enfraquece com a dos videogames futebolísticos

O emparelhamento de instituições esportivas com videogames esportivos é o resultado direto da busca de interesses econômicos pela indústria do esporte. A prioridade dada aos videogames esportivos mostra como a lógica do mercado continua a colonizar a prática futebolística até descartando muitos dos elementos valiosos que ela traz para a sociedade. O problema não está em jogar uma partida de FIFA 20 ou NBA2K, e sim nos efeitos perniciosos da lógica do mercado. No momento em que se especula como as sociedades vão mudar, ou deveriam mudar, depois do coronavírus, é importante nos perguntarmos se queremos seguir permitindo que o efeito colonizador do interesse econômico siga prevalecendo sobre os benefícios valiosos que nos oferecem as atividades que nos ocupam e nos preocupam.

Texto originalmente publicado em El País no dia 17 de abril de 2020.

*Francisco Javier López Frías es Doctor en filosofía. Docente en la Universidad del Estado de Pensilvania (University Park).

**César R. torres es Doctor en filosofía e historia del deporte. Docente en la Universidad del Estado de Nueva York (Brockport).

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