Assim como no ano passado, dois mil e vinte e três também é ano de Copa do Mundo. Agora é a vez das mulheres entrarem em campo para um jogo que vai além das quatro linhas do gramado. Forças políticas, sociais, esportivas se entrelaçam nesse megaevento que coloca em evidência, tanto a potência das mulheres, quanto o ódio destilado a elas.
A intolerância com aquelas que rompem os padrões normativos de feminilidade não é de hoje. No esporte não é novidade que o futebol e outras modalidades foram proibidas – por lei – para o gênero feminino. Isso acontece em pleno Estado Novo, durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas. Durante 38 anos (1941 a 1979), as mulheres praticavam um futebol de guerrilha e de guerreiras. Clandestino. Marginal. Sagaz. Resistente.
A justificativa para a proibição se encontrava na – suposta – fragilidade dos corpos femininos, que serviam para engravidar, não para jogar bola. O mesmo corpo que pare é o corpo que corre, é o corpo que se retrai, é o corpo que é machucado. Corpo que é atacado diariamente por homens, os mesmos que nos julgam frágeis, os famosos “cidadãos de bem”. Inseguros. Complexados. Covardes. Violentos.
O título desse texto faz alusão a uma coleção de livros do autor sueco Stieg Larsson “Os homens que não amavam as mulheres” ou “Os homens que odeiam as mulheres”, dependendo da tradução. O livro, embora fictício, narra de forma bem verossímil como os homens se apropriam dos corpos femininos e, como um sistema social falho, pode também estar à serviço da misoginia.
A escolha por este título em específico também veio após me deparar com a entrevista da jornalista Milly Lacombe, no videocast “Desculpa alguma coisa”, no qual ela afirma: “homem gosta de homem, das mulheres eles só querem o sexo”. Há quem diga que essa frase é forte demais, ou que “as coisas não são bem assim”. Fica difícil, porém, contestá-la quando, em um dia que era para ser festivo para os amantes de futebol, uma estreia de Copa do Mundo, você se depara com a notícia de que a CazéTV teve que desativar os comentários da transmissão Nova Zelândia x Noruega, o jogo de abertura da competição, por estarem recebendo centenas de mensagens preconceituosas.
O que leva um sujeito a acordar de madrugada (a partida começou às 04h30 da manhã), abrir o computador, buscar a transmissão do jogo, e escrever coisas para menosprezar as mulheres? Em qualquer rede social, as postagens relacionadas à Copa do Mundo Feminina são inundadas de comentários preconceituosos feitos por homens que, além de ignorantes, propagam desinformação, e não têm base nenhuma para serem feitos.

Outra situação que movimentou os bastidores da Copa foi a denúncia anônima de uma atleta da Zâmbia relatando abuso sexual por parte do treinador da seleção, Bruce Mwape. O relato veio à tona através de uma reportagem do The Guardian. O resultado: duas atletas afastadas. A goleira Hazel Nali, por lesão, embora ela tenha dito que nunca recebeu os exames médicos. E mais recentemente a meio campista Grace Chanda, uma das lideranças da seleção, também foi cortada por “indisciplina”. Esse é o recado que a Associação de Futebol da Zâmbia dá para as mulheres que ousam lutar pelos seus direitos: denuncie que é vítima de violência e perca uma Copa do Mundo. Uma forma de violência institucional apoiada na desqualificação da experiência feminina e na validação do comportamento masculino.
Em uma conversa com a jornalista Gabriela Moreira, ela relatou que tinha mais facilidade de se conectar com as jogadoras mulheres do que com os atletas homens, quando o assunto eram pautas sociais, pois a trajetória das mulheres é indissociável dessas causas. Ou seja, se na Copa do Mundo Masculina os homens recuaram no protesto de usar a braçadeira em apoio à causa LGBTQIA+ por medo da punição com cartão amarelo, para as mulheres, o que é um cartão em meio a tanta violência que elas já sofreram e sofrem? São sentidos diferentes porque são sofrimentos diferentes.
Como dito no início, porém a história das mulheres é de luta, e não de ressentimento. Resiliência. Força. De alguns anos para cá soma-se a essas palavras: companhia. A consciência é de que a caminhada é longa, mas não mais só. Mulheres torcedoras, mulheres jogadoras, mulheres pesquisadoras, mulheres apropriadas de seus corpos. Mulheres que não odeiam as mulheres.