Temos observado uma crescente do número de casos de conflitos envolvendo o futebol no Brasil. Somente esse ano houve sete mortes de torcedores em conflitos. Carlos Henrique e Eder Eliazar, no Rio de Janeiro, torcedores do Vasco; Ítalo Silva, em Fortaleza, torcedor do Ceará; Rafael Merenciano, em Belém, torcedor do Corinthians; Rodrigo Miguel de la Torre Machado Pereira, no Rio de Janeiro, torcedor do Vasco; Lucas Gabriel, em Olinda, torcedor do Santa Cruz e o caso que mais repercutiu na mídia, da Gabriela Anelli, em São Paulo, torcedora do Palmeiras[1].

Se observarmos os conflitos que não chegaram à violência letal, temos casos em Sergipe[2], Paraná[3], Mato Grosso do Sul[4], Minas Gerais[5], Rio Grande do Sul[6], Goiás[7], Paraíba[8], entre outros estados. Nem todos envolvem somente as torcidas, por vezes também apresentam uma atuação policial agressiva, com equipamento de menor potencial ofensivo, como gás lacrimogênio e bala de borracha, que pode piorar o estado das emoções e tensões do jogo.
Diante de tantos casos existem dois pontos de atenção: a proposição de soluções rápidas e a escolha dos casos para maior visibilidade. As repercussões na grande mídia tendem a propor respostas rápidas e simples. Como, por exemplo, o incentivo à torcida única, sem a presença da torcida visitante, ou a proibição da venda de bebida alcoólica nos estádios. Tendem a generalizar as manifestações torcedoras e associar qualquer tipo de violência nos estádios à ação das torcidas organizadas. Além da pequena repercussão dos casos quando as vítimas possuem o perfil que mais sofre com homicídios e mortes violentas por causa indeterminada, isto é, jovens, pretos e pardos (CERQUEIRA, 2021). Ou a falta de atenção para outros tipos de violência que os torcedores sofrem, por exemplo, o alto valor dos ingressos e medidas que afetam os seus direitos.
No entanto, as ações propostas, geralmente, se concentram nos efeitos dos problemas e não em sua raiz. Para buscarmos uma resolução efetiva para esse fenômeno social, devemos atuar de modo mais concentrado na raiz do problema. Acredito que o cerne da violência no futebol parte de dois vetores: I) vertical, proveniente das violências institucionais; e II) horizontal, pelas violências interpessoais e intergrupais.
As violências de vetor vertical são as violências que os torcedores sofrem, das mais variadas ordens, por meio das imposições estatais e mercadológicas. São os ingressos caros praticados pelos clubes. São as violências que sofrem das polícias, da atuação de órgãos como ministério público, com punições coletivas, isto é, são lidas como violência institucional. Esse tipo de violência muitas das vezes não é noticiada e não é percebida enquanto uma das facetas da violência nos estádios.
Já as violências de vetor horizontal seriam aquelas interpessoais e intergrupais, que possuem maior concentração midiática. Percebidas entre os torcedores do próprio time ou de time adversário, podendo ser violência verbal ou física. Geralmente, esse tipo de violência, de vetor horizontal, se baseia em concepções de masculinidade e poder.
Ao pensarmos sobre o tema da violência nos estádios, as reflexões e as estratégias de diminuição do problema precisam ir além do discurso e da atuação da polícia. As fontes consultadas precisam ir além do pronunciamento das instituições. Na busca de uma solução rápida, mais um jovem foi preso sem a devida investigação. A polícia errou, errou prendendo mais um jovem negro[9].
É possível criarmos saídas para o combate da violência de forma preventiva, para além da lógica punitiva e policialesca. Para isso, proponho cinco alternativas que podem ser pensadas em conjunto: I) Faz-se necessário criar um observatório para o acompanhamento real desses conflitos, com produção de dados confiáveis. II) É preciso incentivar a colaboração entre clubes, torcida, polícia, guarda municipal e outros órgãos públicos para construção do planejamento dos eventos esportivos. III) As punições não podem recair sobre as torcidas, a responsabilização deve ser individual para aqueles que cometem crimes no ambiente esportivo. IV) Incentivo à organização dos torcedores, enquanto movimentos sociais, na busca por seus direitos. Em combate aos processos de elitização que os estádios sofreram nos últimos anos. Essa organização só será possível com a integração entre torcidas e a redução da lógica de poder e masculinidade que fomenta a violência interpessoal e intergrupal. V) Estabelecer a criação de espaços culturais que possa ser ocupado por diferentes torcidas, promovendo a valorização da cultura torcedora. Fomento de ações sociais em conjunto e discussão de temas como racismo, machismo e homofobia no ambiente esportivo.
Portanto, além da identificação dos indivíduos que cometem atos violentos, baseada em uma investigação séria e realizada pela instituição competente. Estas seriam algumas alternativas para se pensar a redução da problemática, sem se voltar para soluções “mágicas”, simplistas, que fomentam a lógica punitiva. Pois a maioria são tomadas como uma resposta rápida, mas não resolvem os problemas para a população.
Referência
CERQUEIRA, Daniel, et al. Atlas da Violência 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021. 108p.
[1] Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/07/11/levantamento-mostra-que-sete-torcedores-morreram-durante-brigas-de-torcidas-em-2023.ghtml>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[2] Disponível em: <https://www.bnews.com.br/noticias/nordeste/torcedores-que-agrediram-jovem-com-pauladas-irao-responder-por-tentativa-de-homicidio.html>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[3] Disponível em: <https://ge.globo.com/pr/noticia/2023/03/13/briga-entre-torcidas-de-athletico-e-coritiba-deixa-uma-pessoa-gravemente-ferida-veja-o-video.ghtml>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[4] Disponível em: <https://www.campograndenews.com.br/esportes/apos-comercial-ir-para-2a-divisao-torcedores-brigam-e-pm-intervem>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[5] Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2023/03/21/interna_gerais,1471438/integrantes-de-torcida-organizada-sao-afastados-por-briga-em-bar.shtml>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[6] Disponível em: <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/03/26/torcedor-do-inter-invade-campo-com-menina-no-colo-e-agride-atleta-do-caxias.htm>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[7] Disponível em: <https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2023/04/29/video-mostra-briga-generalizada-entre-torcedores-rivais-em-terminal-de-goiania.ghtml>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[8] Disponível em: <https://saobentoemfoco.com.br/noticia/110684/pm-abrira-sindicancia-para-apurar-denuncia-de-violencia-contra-torcedores.html>. Acesso em: 17 de jul. de 2023.
[9] Considerando a classificação de raça/cor do IBGE, em que negro é a composição de pretos e pardos.
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