Da Kyocera Arena ao MorumBis: a explosão dos naming rights em estádios brasileiros

Foto: SPFC/Facebook

Em dezembro de 2023, o São Paulo FC vendeu os naming rights do seu estádio, o Morumbi, para a Mondelez, multinacional do ramo alimentício e dona de diversas marcas de chocolate no Brasil. Pela bagatela de R$75 milhões, a Mondelez comprou o direito de renomear a casa do clube paulista da forma que quisesse por três anos, e a escolha do novo nome não poderia ter feito mais sucesso. Veio aí o MorumBis. 

O anúncio oficial da parceria só aconteceu mesmo em fevereiro (época em que estava programado para acontecer, mas a informação foi vazada em dezembro), em um vídeo que viralizou na internet e fez o novo nome cair nas graças do público. Recheado de trocadilhos com o nome da marca, a Bis apresenta seu “Departamento de Trocadilhos”, setor responsável por colocar “Bis” em tudo que for possível, inclusive no estádio. Em apenas um dia e meio, o vídeo chegou a 6,1 milhões de visualizações no Instagram da Mondelez, e diversos novos trocadilhos foram criados pelos torcedores, que ficaram “aBISmados” com o marketing genial da marca.

Mas a genialidade da Bis não parou por aí, a marca também está fazendo diversas “modificações” no estádio que estão viralizando na internet. Um dos exemplos é o novo VAR, que fica em cima de um púlpito em formato de Bis, e contém a frase “BISbilhotando”. 

Foto: @bizarrofut/X

As substituições também estão diferentes, agora os jogadores que entram e saem são representados por um Bis entrando e outro saindo da caixinha.

Em breve vamos ver até novos setores pelo MorumBis. A marca fez um “BISquisa de opinião” com a torcida são paulina para renomear os setores do estádio com nomes de marcas do portfólio da Mondelez, como a Diamante Negro, Club Social e Tang.

Foto: @somosaopaulinos/X

O MorumBis sem dúvidas é o caso de naming rights esportivo de maior sucesso aqui no Brasil, mas não é o primeiro. O pioneiro nesse movimento, que hoje virou tendência, foi o Athletico Paranaense, que em 2006 rebatizou a Arena da Baixada de Kyocera Arena por três anos. A mudança de nome rendeu R$3,4 milhões anuais para os cofres do clube, um total de R$10 mi, sem correção de inflação.

Sabendo disso, dá pra entender que a prática dos naming rights, isto é, vender os direitos de nome de determinado local, espaço ou equipamento, não é exatamente recente no Brasil, mas nunca esteve tão em alta quanto agora.

Na Europa, por exemplo, há um mercado bem consolidado, e dezenas de clubes das principais ligas do continente têm seus estádios batizados com nomes de marcas, como é o caso de Arsenal (Emirates Stadium), Manchester City (Etihad Stadium), Bayern de Munique (Allianz Arena), Borussia Dortmund (Signal Iduna Park) e Juventus (Allianz Stadium). 

Nos Estados Unidos a exceção são os estádios e arenas sem naming rights, já que as ligas de hóquei, basquete e futebol no país tem 93,8%, 90% e 82,8% de suas casas rebatizadas com nomes de marcas, respectivamente. A maior parte dessas transações são com empresas do ramo financeiro e algumas remontam ao início dos anos 2000, como o Fedex Field (Washington Commanders/NFL), o American Airlines Center (Dallas Mavericks/NBA e Dallas Stars/NHL) e o NGR Stadium (Houston Texans/NFL).

O Gillette Stadium é a casa do New England Patriots/NFL e New England Revolution/MLS (Reprodução: Gillette Stadium/Site oficial)

Por aqui, a prática enfrentou dificuldades para se estabelecer, e a principal delas sempre foi fazer com que as pessoas criassem o hábito de chamar o estádio pelo novo nome. Aos poucos esse “preconceito” foi diminuindo, e alguns clubes pavimentaram o caminho para a explosão que estamos vendo hoje.

Depois do Athletico em 2006, foi a vez de Palmeiras, Bahia e Náutico negociarem com marcas em 2013. Por R$15 milhões* anuais o Verdão garantiu a troca do Parque Antarctica pelo Allianz Parque por um período de 20 anos. Por uma década o Bahia jogou na Itaipava Fonte Nova, e recebeu um total de R$100 milhões* por isso. Já o Náutico não teve a mesma sorte, negociou a Itaipava Arena Pernambuco pelo mesmo tempo e valor, mas viu o negócio afundar em 2016 e até hoje briga na justiça com a Arena S.A para receber um ressarcimento.

Uma nova venda de naming rights só foi acontecer de novo depois de sete anos, quando o Corinthians fechou parceria com a Neo Química, que detém os direitos de nome do antigo Itaquerão por 20 anos. Para isso, o clube recebe anualmente R$15 milhões* da farmacêutica. Daí em diante diversos clubes e arenas entraram na onda, como o Atlético-MG com a MRV Arena, a Arena BRB Mané Garrincha e a Casa de Apostas Arena Fonte Nova. 

Entre os casos mais recentes estão o MorumBis, o Mercado Livre Arena Pacaembu e a Arena Fatal Model Barradão, do Vitória. A negociação do Pacaembu até o momento é a mais valiosa da história, o nome do tradicional estádio paulista foi vendido para o Mercado Livre por R$33 milhões anuais*, por um período inicial de cinco anos, podendo ser renovado a cada cinco anos, com prazo máximo de 30 anos. Se o contrato chegar até o limite, pode render R$1 bilhão aos bolsos da concessionária Allegra Pacaembu, que administra o estádio. 

Já o Vitória vive seu drama particular. A venda dos naming rights foi aprovada pelos sócios do clube em dezembro do ano passado. Com isso, a casa do rubro-negro passaria a se chamar Arena Fatal Model Barradão por um período de 10 anos e o clube receberia R$10 milhões anuais. Mas até o momento o negócio não se concretizou. De acordo com o GE, que falou com o presidente Fábio Mota, a tragédia no Rio Grande do Sul atrasou as negociações, pois a sede da Fatal Model fica em Pelotas, uma das principais cidades afetadas pelas enchentes.

Provando que os naming rights são mesmo uma tendência, até o Flamengo, que ainda nem construiu seu estádio, já iniciou conversas com a Allianz, empresa alemã que detém os direitos do estádio do Palmeiras. O clube pretende levar aos seus cofres cerca de R$40 milhões por temporada por um período de 25 anos, totalizando R$1 bilhão.

Quais os benefícios dos naming rights para os clubes e as marcas?

Agora vamos à parte que interessa, por que estamos vendo tantas vendas de naming rights no Brasil ultimamente? Bom, para os clubes há uma razão bem óbvia, o impulsionamento das receitas anuais. Como pudemos ver, os acordos envolvem cifras milionárias, e em pouco tempo já representam a terceira fonte de renda dos times, atrás apenas dos fornecedores de material esportivo e patrocínios em uniformes. Ainda há o adicional de ser uma negociação de baixo risco para os clubes. Apesar de cada contrato ser diferente e sigiloso, as equipes e concessionárias dificilmente terão obrigações a mais em relação a administração do estádio e prejuízos a sua reputação.

Já o lado da balança das marcas tende a pender mais. A visibilidade dessas marcas é uma das chaves para a compra dos naming rights, mas também pode ser um risco. Como dito anteriormente, um dos problemas da venda de direitos de nome no Brasil é fazer com que o público aceite o rebatismo dos locais e crie o hábito de chamá-los pelo novo nome. Se o nome pegar, ponto para a marca, caso não, é importante ter outras estratégias para fazer valer o investimento. 

No MorumBis, por exemplo, nós vemos que a Mondelez garantiu muito mais do que o “Bis” no letreiro. As diversas ativações mostradas aqui fazem parte de um plano da marca para gerar brand awareness, isto é, reconhecimento de marca junto ao público. De acordo com o vice-presidente de marketing da empresa no Brasil, Alvaro Garcia, a estratégia não é voltada apenas para a torcida tricolor, mas também para os consumidores do segmento de chocolates e o público que comparece a shows no estádio. Por contrato, a marca tem direito a espaços de venda de seus produtos e a realizar ativações dentro e fora do local. 

O Allianz Parque, casa do Palmeiras, também um bom exemplo de naming rights de sucesso (Reprodução: Diogo Moreira/MáquinaCW)

Outra questão que pesa para as marcas é a sua reputação, que pode ser diretamente atingida em decorrência de situações problemáticas durante partidas e eventos. Em análise sobre o tema, a Exame afirmou ser importante discutir protocolos para casos de violência, roubos, racismo e outras formas de preconceito, a fim de garantir proteção à reputação da marca. Eles também listam algumas penalizações em casos do tipo, como a aplicação de multa, indenização e até o encerramento de contratos.

A própria Mondelez tem experiência com o assunto. No ano passado, a empresa mudou sua política de contratação de garotos propaganda no Brasil depois do boicote de bolsonaristas à campanha que trazia Felipe Neto, influenciador digital e streamer crítico do ex-presidente. Os extremistas subiram a hashtag “#BISnuncamais”, que foi rebatida pelo público de Neto com a hashtag “#corujaspedemBIS”.

O mercado brasileiro ainda não apresenta padrões para uma análise mais aprofundada do assunto, mas o que podemos afirmar é que está apenas em seu começo, a tendência é que a moda dos naming rights siga firme. Ainda mais em um cenário pós-pandemia em que as marcas estão buscando brand awareness através do setor esportivo e de entretenimento. 

*Os valores descritos aqui correspondem aos valores iniciais das negociações entre as partes, sem contar as correções de inflação feitas anualmente. 

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