Desrespeito, Racismo, Violência e Tapetes voadores: Imagina depois da Copa!

Vou começar este tragicômico post relatando o que aconteceu comigo na final da Copa do Brasil: desrespeito. Desde 1983 estive presente em quase todas as finais que o Flamengo disputou no Maracanã.

Ao longo de 30 anos presenciei vitórias épicas como a própria conquista da Copa que uniu o legítimo futebol brasileiro em cima do Internacional em 1987, o tricampeonato sobre o Vasco da Gama com gol de Petkovic ou a Copa do Brasil com gols do folclórico Obina e derrotas acachapantes como o gol do Cocada, a barrigada do Renato Gaúcho e a humilhação diante do  Santo André.

No último 27/11, mesmo com um superfaturado ingresso na mão fui impedido de entrar no intervalo para assistir mais uma final rubro-negra. Tive que chegar após o início da partida, pois estava aplicando provas finais em uma universidade próxima ao Maracanã, mas a cega paixão pelo clube me levou a comprar o abusivo direito de ir para o estádio, independentemente do horário. Só não imaginava o constrangimento que passaria junto com vários outros torcedores, dentre eles até o jornalista Sérgio Bocage. Simplesmente fomos impedidos de entrar no Maraca, mesmo com o tíquete na mão, sem que nenhuma autoridade do consórcio, da polícia ou do Flamengo desse qualquer satisfação.

Rasgaram a Lei.10.671/03 que equipara o torcedor à consumidor e abusaram da boa fé de cidadãos que ainda acreditam que o espetáculo futebolístico transcende as mazelas político administrativas dos nossos dirigentes. Sobre o assunto ver o link.

Nenhum dano moral repara a perda de não assistir ao vivo os gols do título do seu time de coração, pois, como afirmou o filósofo alemão Kant, a justiça é subjetiva visto que faz parte do mundo dos sentidos e cada um tem  a sua visão do que é justo e injusto, certo e errado, feio ou belo.

E por falar em beleza, infeliz coincidência ocorreu no pitoresco sorteio de grupos realizado em “terra brasilis” na última sexta-feira. Enquanto o mundo homenageava o mártir da luta contra a discriminação racial Nelson Mandela, destarte o discurso presidencial e os dez segundos dedicados por Blatter ao estadista, foi o decote da BBB (Bela, Branca, Brasileira) Fernanda Lima que chamou mais atenção que as bolinhas frias ou quentes, as imagens estereotipadas da miscigenação do povo brasileiro nos telões e os artistas e ex-jogadores convidados.

A suposta substituição do belo casal afrodescendente Camila Pitanga e Lázaro Ramos, divulgada nas mídias digitais nas semanas anteriores, pela vistosa dupla gaúcha arianíssima acabou sendo olvidada diante da dona de divinas e siliconadas tetas. Racismo padrão FIFA ou violência velada tupinquim? Saiba mais aqui.

Seguramente, ostensiva violência foram as chocantes cenas da partida realizada em Joinville entre Vasco e Atlético Paranaense que pautam o noticiário nacional esta semana. Mais uma vez o Estatuto do Torcedor foi claramente descumprido. Seria o estatuto mais uma lei fadada a ineficácia devido a omissão do poder público em aplicá-la? Estaria este importante diploma legal passando pelo temeroso misoneísmo? Segue abaixo a definição do termo pelo Desembargador Sérgio Cavalieri Filho:

Misoneísmo como se sabe, é aversão sistemática às inovações ou transformações do status quo, o que em nosso país constitui na realidade uma forte causa de ineficácia da lei. Velhos hábitos, costumes emperrados, privilégios de grupos, impedem que a lei seja aplicada ou mesmo elaborada. Às vezes porque há grandes interesses políticos, econômicos ou religiosos em jogo; outras vezes por mero comodismo da autoridade que não levou a sério a aplicação da lei. Por mais estranho que possa parecer, costuma-se dizer que a lei não pegou (2012, p. 113-114 )

Se a Lei 10.671/03 ainda não pegou, pois a violência nos estádios não é devidamente coibida, os direitos dos torcedores não são respeitados, outra discussão legal envolta em velhos e sórdidos hábitos retorna após a última rodada do Brasileirão. Enquanto escrevo estas linhas “tapetes estão voando” revestidos de uma armadura de legalidade digna das interpretações mais duras e herméticas dos regulamentos disciplinares do egrégio reino de indicações políticas, o STJD. Não existe concurso público para este órgão da “Justiça” do nosso país, pois conforme assinala o jurista Heraldo Luis Panhoca:

Como é sabido, em cada Tribunal (STJD, TJD) haverá uma comissão disciplinar composta por cinco membros (antigamente denominada auditores) que não comporão os Tribunais, mas por estes serão indicados. Nesta indicação, não há segmentação a ser observada. O colegiado escolhe à livre arbítrio, desde que os indicados preencham os requisitos legais (maioridade civil, notório saber jurídico desportivo e ilibada reputação (2003, p. 49).

Neste sentido, a subjetividade das decisões dos tribunais desportivos brasileiros transcendem a própria filosofia kantiana e o que foi decidido em campo no último domingo, pode ser “legalmente” modificado. Mas apesar da estreita relação entre Direito, Moral e Ética, nem tudo que pode ser interpretado como ilegal e punível é condizente com a ética esportiva ou com o “fair play” dos gramados. Espero que prevaleça o bom senso, agora entre os ilustres juristas de ilibada reputação “indicados”, para que seja mantido os resultados do âmbito da bola, independentemente das interpretações herméticas possíveis na linha “dura Lex, sed Lex” como anda solenemente declarando nas mídias o Sr. Procurador Desportivo Paulo Schmit.

Clamo assim, segundo o princípio mais lídimo do futebol que é a bola na rede, pela manutenção de um mínimo de dignidade e credibilidade do torneio, que, destarte rivalidades clubísticas e subjetividades jurídicas, as equipes rebaixadas na relva disputem a segunda divisão.

Durante a Copa seguramente como definiu o embaixador Ronaldo o “jeitinho” brasileiro vai funcionar e maquiar os problemas e como rogou por nós Zeus Blatter, Deus, Alá e a mão invisível do mercado vão ajudar. Mas do jeito que as coisas vão, imagina depois da Copa!

REFERÊNCIAS

Aidar, Calos Miguel. Curso de Direito Desportivo. São Paulo: Ícone, 2003.

Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica. 12.Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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