Eleições no Vasco: um treinamento político

As análises sociológicas sobre o futebol e o esporte de modo geral, nas décadas de 1970 e 1980, costumavam associá-lo a um opiáceo que desvirtua a população de suas verdadeiras preocupações, papel ocupado pela religião outrora. Esse viés crítico, apesar de continuar presente, perdeu muito de sua força nas décadas seguintes, cedendo lugar a abordagens mais culturalistas, que colocavam o esporte como uma das esferas de interação social, com seus prós e contras.

Dito isso, considero pertinente tecer algumas considerações sobre as eleições para a presidência do Club de Regatas Vasco da Gama, realizadas ao final de 2017 e que se estenderam judicialmente até 2018. O processo político por trás daquele pleito envolveu os vascaínos, a imprensa e mesmo torcedores de outros clubes, fosse via redes sociais ou em conversas face-a-face. O futebol, nesse caso, serviu ao propósito de deslindar os mecanismos políticos inerentes a qualquer disputa eleitoral.

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Fonte: UOL Esporte

Quando o candidato eleito pelos sócios, Júlio Brant, perdeu a votação para a presidência, inúmeras discussões vieram à tona. As eleições do clube da Colina funcionam de modo peculiar. A chapa vencedora entre os sócios tem direito a indicar 120 conselheiros. A chapa derrotada indica 30. Esses 150 membros indicados ao Conselho Deliberativo se juntam a 150 membros natos (beneméritos) no momento da eleição (um bom resumo pode ser lido aqui). Cumpre lembrar que o Vasco não é o único clube da série A do Brasileiro a realizar eleições indiretas; na verdade, pelo que pude apurar, a maioria dos clubes adota esse sistema.

Nos fóruns que frequento, especialmente o Netvasco, pulularam acusações de que houve “golpe” do candidato vencedor, Alexandre Campello, que, de última hora, contou com o apoio do ex-presidente Eurico Miranda, representante de alas tradicionais da política do clube, para derrotar Brant. Outros tantos torcedores clamavam por eleições diretas, para evitar o que consideravam um superpoder dos beneméritos, capazes de ir contra o desejo dos sócios do clube. Deve-se lembrar que era a primeira vez na história do Vasco que um presidente escolhido pelos sócios não tinha sua indicação ratificada pelo Conselho Deliberativo (membros eleitos mais os beneméritos). Foi criado inclusive um site para recolher assinaturas de vascaínos que considerariam se associar ao clube caso as eleições viessem a ser diretas (Com Diretas, viro Sócio).

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Fonte: UOL Esporte

É curioso como a campanha por Diretas Já ou Democracia Vascaína, como quer que a denominemos, mobilizou e continua mobilizando inúmeros vascaínos, os quais na política nacional provavelmente pertencem a diferentes matizes ideológicas. A insatisfação com o resultado do pleito pode ter servido também como um aprendizado para o funcionamento da democracia indireta, interpretada por muitos como voltada a atender apenas os desejos do Conselho de Beneméritos. Se eleita diretamente, a Diretoria Administrativa do clube (presidente e vices) responderia, sem intermediários, à vontade dos sócios do clube. Por esse motivo, muitos vascaínos, talvez ainda no calor do momento, afirmem não reconhecer Campello como presidente.

As questões do esporte, como inúmeras pesquisas acadêmicas têm demonstrado, podem ser tomadas como metonímicas do Brasil. No começo do século XX, a morosidade dos dirigentes das federações brasileiras para organizar as delegações olímpicas nacionais era julgado pelos jornais cariocas como um traço da personalidade do brasileiro, e não apenas um defeito daqueles mandatários. Igualmente, o “golpe” de Campello foi associado por muitos torcedores cruzmaltinos como semelhante a um episódio da política nacional recente. Resultados positivos em campo podem vir a aplacar um pouco essa percepção. Só o futuro dirá.

Vasco
Fonte: O Globo

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