Eu não vi, mas me contaram

A admiração pelo esporte não advém apenas daquilo que tivemos a oportunidade de presenciar, muito pelo contrário, ela pode vir através da memória criada por outrem, transmitida através de relatos, fotografias e de lembranças, conseguindo criar grandes fãs que se deixam levar pelo passado não presenciado, entregando-se a uma paixão sem limites. 

Esse fator pode ser percebido ao analisar o grande número de adultos, adolescentes e crianças que admiram nomes como Pelé, Michael Jordan, Zico e Ayrton Senna mesmo sem nunca tê-los visto atuar. E mesmo com o surgimento de novos ídolos e atletas, nomes como esses não deixam de ser cultuados e valorizados pelas novas gerações. E por que isso acontece? Por que simplesmente não aderir ao novo?

Michael Jordan pulando para enterrar uma bola em 1988 (Fonte da imagem: Walter Iooss Jr. para a revista Sports Illustrated)

No filme “Colina Kokuriko”, dirigido por Gor? Miyazaki, observamos a mobilização de estudantes japoneses que pretendem evitar a demolição de um patrimônio histórico de sua escola. Em uma reunião sobre a questão, Shun, um dos alunos do colégio, diz a seguinte frase:

“Destruir o velho não significa destruir a memória do passado? Não se importam com as pessoas que viveram e morreram antes de nós? Acham que há futuro para pessoas como vocês que só pensam no novo e desprezam o passado?”

Por mais que o contexto seja distinto, acredito que a frase se aplica muito bem ao esporte, pois, o que seria de nós sem o nosso passado? O Brasil, por exemplo, conhecido pelo mundo como país do futebol, receberia essa alcunha sem nomes como Pelé, Garrincha e Zagallo? 

Tendo em vista os últimos anos da seleção brasileira, podemos afirmar que apenas continuamos sendo chamados de “pátria de chuteiras” por causa das nossas seleções anteriores. Somos salvos pela história e agraciados com os feitos de grandes ídolos.

Pelé dá autógrafos para um grupo de crianças (Fonte da imagem: Getty Images/ Pictorial Parade)

Não ganhamos uma Copa do Mundo desde 2002 e, pelo andar da carruagem, não temos ficado mais otimistas com o passar do tempo. Na verdade, temos nos mostrado resilientes e, em alguns casos, acabamos até desperdiçando nossas fichas ao apostar em pequenos milagres. E, mesmo com tudo isso, talvez ainda apostemos em 2026, vai saber o que nos espera.

Rivaldo, Ronaldo Fenômeno e Cafú comemoram com a taça após vencerem a Copa de 2002 (Fonte da imagem: Getty Images – Alex Livesey)

Mas a grande questão aqui não é apenas a salvação promovida pelo passado, é mais do que isso. A ideia reforçada aqui é que, acima de qualquer coisa, devemos valorizar a nossa história, para, então, projetarmos o nosso futuro. E, modéstia parte, nós brasileiros temos um bom passado no esporte para nos inspirarmos. Desse modo, seria um grande erro esquecê-lo.

Nós temos a sorte de poder consumir diversos tipos de memórias e, mesmo assim, muitas vezes nem sabemos de onde elas vêm. Não sabemos qual o cameraman que gravou a partida a qual fomos capazes de assistir anos depois pela internet, quase nunca sabemos o fotógrafo responsável pelas grandiosas fotos que consumimos nas redes sociais, nos livros de esporte e nos jornais. Além disso, às vezes escutamos narrações esportivas mirabolantes, de nomes que não sabemos a voz, mas que, mesmo assim, nos marcam.

E mesmo com tudo isso, com essas pessoas que promoveram formas de preservar a nossa história, ainda temos a oportunidade de ouvir relatos de indivíduos próximos que foram capazes de ver a história sendo feita. 

Desse modo, percebo que, além do presente, responsável por manter o nosso foco nos grandes campeonatos e em nosso times do coração, a memória fez com que nós continuássemos nesse caminho. 

Quem aí nunca ouviu um saudoso torcedor relembrando os momentos de glória de seu time ocorridos há mais de 10 anos? Ou, além disso, uma comparação com o presente, mostrando que o passado era nebuloso e que o time, finalmente, evoluiu?

Bom, se nunca ouviu nenhum desses relatos, muito provavelmente você é esse torcedor. E não há problema nenhum, a memória deve ser relembrada porque, sem ela, não há história. Nós somos aqueles que aprendemos sobre o passado, vivemos o presente e construímos o futuro. Por isso, temos que nos atentar ao que acontece ao nosso redor, pois, só assim, elaboraremos a nossa própria história do esporte pra contar. 

Nasci em 2001, então já estava viva quando o Brasil ganhou a Copa de 2002, contudo, eu obviamente não tenho nenhuma memória desse momento e não posso contar a ninguém a minha impressão sobre a conquista. Eu até posso ter “assistido” ao jogo com a minha família e chorado com os gritos de euforia, mas isso é apenas uma suposição.

Agora, aos 22 anos, já tenho as minhas memórias esportivas e já sei o que quero contar aos mais novos no futuro. Então, fiquem tranquilos, estou anotando os nomes e os acontecimentos que me marcaram para preservar a história e deixar a minha memória viva.

Deixo aqui um agradecimento especial aqueles que me fizeram olhar para trás, pois, sem vocês, poderia estar vivendo agora com os meus olhos fechados para o presente e, desse modo, qual seria o meu futuro?

Por isso, viva sempre a memória, a história e todos aqueles que fazem um grande passado ser imortal!


REFERÊNCIAS

DA Colina Kokuriko. Direção de: Gor? Miyazaki. Produção: Toshio Suzuki. Japão, Studio Ghibli, 2011. 1 DVD.

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