O Grupo Globo, a partir do “Globo Gente”, divulgou em 25 de março deste ano alguns dos resultados da “Pesquisa Globo Jogos Olímpicos Paris 2024”, com objetivo de discutir “as percepções e expectativas dos brasileiros para o maior evento esportivo do ano ” (Prado et al. , 2024a).
Neste texto, a proposta é discutir os dados relativos à expectativa de consumo midiático, considerando que serão Olimpíadas com transmissão pelo Grupo Globo e pela CazéTV. Faremos ainda comparação com resultados de pesquisa realizada em 2020 também pela plataforma “Globo Gente” para analisar as expectativas da torcida brasileira em diferentes critérios (Soares; Vital, 2020).
Questões metodológicas sobre a pesquisa
Inicialmente, é preciso explicar que a pesquisa é feita por uma plataforma externa a quem se dedica à pesquisa acadêmica ou para interesses de mercado. O “Globo Gente” é apresentado como “uma plataforma viva com conteúdo próprio e atualizado sobre hábitos e comportamentos dos brasileiros. Onde todos têm acesso livre e fácil a pesquisas e estudos em diversos formatos” (Globo Gente, 2024).
Dentre os estudos publicados, está a coleção “ Esportes para Sentir ”, cujo objetivo é apresentar “as demandas, emoções e hábitos relacionados ao esporte”. Além das duas que abordaremos aqui, há, por exemplo, dados coletados sobre diversidade racial, de gênero e outras formas de inclusão a partir do esporte (e do e-sport).
Talvez por isso os resultados publicados em março por infográficos não explicitem a metodologia dos dados. Ainda que apresenta divisão por idade, gênero, região e classe social, a versão deste ano não traz elementos de amostragem.
Em 2020, há um tópico metodológico ao final, mas com exceção de algumas categorias pela coleta, por exemplo, com apenas 6% de mulheres entre entrevistadas. Isso ocorreu porque uma coleta foi feita na base de consumidores do GE, portal noticioso de esportes da Globo, 7.277 pessoas (Soares; Vital, 2020).
Ainda assim, na falta de condições para pesquisas mais aprofundadas e em escala nacional por outros agentes de mercado e para quem atua na investigação científica, principalmente, geram-se sinalizações importantes a serem comentadas.
Aqui, optamos por apresentar alguns dos dados, tentando comparar com os resultados de 2020, mas de maneira a analisar o que podem representar desde a perspectiva teórico-metodológica da Economia da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC).
De acordo com Bolaño e Bastos (2020, p. 177), este subcampo representa o conjunto de estudos sobre como “relações de produção capitalista relativas à estrutura dos sistemas de mediação social, tendo por suposição o desenvolvimento das forças produtivas”. O futebol de espetáculo reflete este processo a partir do capitalismo contemporâneo e em relação direta com a mediação social desde os veículos de comunicação.
Mergulho nos dados
Discussão de mais de uma década nos estudos brasileiros sobre a cobertura esportiva é sobre os limites do entretenimento no jornalismo esportivo.
Figueiredo Sobrinho e Santos (2020), por exemplo, discutem o “infoentretenimento” considerando como o próprio Grupo Globo se reajusta estruturalmente para separar a cobertura esportiva do jornalismo tradicional até mesmo em contratos com membros do star system do futebol – naquele caso, Neymar.
Os autores apontam que isso passou pela criação da Central Globo de Esportes, em 2009, ano em que Thiago Leifert modificou a maneira de apresentar o Globo Esporte; mas especialmente pelas alterações a partir de 2017, com uma nova área responsável pela transmissão em caráter convergente e que também seria responsável pela negociação de direitos de transmissão de eventos esportivos.
Já Telles (2020, p. 101) opta por ponderar a crítica do entretenimento na cobertura esportiva ao observar que “[…] esportividade casa-se com descontração e relaxamento das regras do telejornalismo de maneira mais geral, caracterizada pelo perfil de excelência do Jornal Nacional”. Ainda conforme o autor, por exemplo, “[…] o telejornalismo esportivo na Rede Globo é compreendido, desde a criação do Globo Esporte, como pertencendo a uma esfera alheia à jornalística e sua seriedade” (Ibid.).
Ao observar as percepções por faixa etária, a pesquisa de 2024 indica que o entretenimento é o principal aspecto observado nas Olimpíadas pela faixa etária de 25 a 34 anos, mas aqui por se tratar de um megaevento “[…] diverso, com vários modalidades para assistir os esportes que quiser” (Prado et al. , 2024a).
Sobre a multiplicidade da oferta, 54% das mulheres entrevistadas e 29% de quem está de 25 a 34 preferem acompanhar o máximo de competições esportivas no megaevento.
Este elemento da diversidade de esportes a acompanhar já foi apontado por 67% das pessoas quatro anos antes como elemento importante para as Olimpíadas, por gerar maior contato com atletas e esportes. Ainda que o “muito interessado” na maior quantidade possível de avanço nas Olimpíadas tenha ficado em 36% (Soares; Vital, 2020).
Assim, percebe-se que a oferta do esporte em alto nível enquanto programa midiático é um atrativo importante para os perfis indicados – ainda que o “exemplo” de treinamentos seja apontado por outros recortes das amostras.
Sobre o consumo esperado por mídia, o quadro 1 a seguir mostra os dados publicados em 2020 e neste ano.
Gráfico 1 – Expectativa de consumo midiático das Olimpíadas (2020 e 2024)

É preciso considerar novamente que a falta de melhor detalhamento da amostragem da coleta deste ano, além de relembrar que a parte de 2020 de um público específico (consumidores da GE), pode gerar ruídos.
Todas as plataformas midiáticas tiveram diminuídas nestes quase 4 anos de diferença de apresentação dos dados, algumas muito mais que outras: sites ou portais esportivos, queda de 63,3%; TV aberta, 30,5%; TV por assinatura, 39%; redes sociais, 27,6%; YouTube, 11,4%. Há alguns aspectos possíveis para se apontar a partir disso.
Primeiro, é preciso considerar que 2024 apresenta outras 5 opções, o que inclui a rádio para acompanhamento das Olimpíadas.
Destaca-se, para o audiovisual, que o streaming generalista, não criado para desportos (EI Plus ou DAZN), está mais consolidado, especialmente no que se refere às condições de transmissão ao vivo. Star+ (ESPN) e HBO+ (Warner Discovery), por exemplo, só foram lançados no Brasil em 2021; enquanto o Prime Video (Amazon) passou a transmitir NBA e a Copa do Brasil a partir de 2022.
Neste cenário de maior dispersão de eventos esportivos, os conglomerados ESPN e Globo seguem como referências nesta década, com apoio de sua propriedade convergente, pois “quanto maior a produção interna de uma instituição de comunicação, mais fácil será de controlar a unidade de seu padrão tecno-estético” (Brittos; Rosa, 2010, p. 1-2).
Ainda mais ao considerarmos que o padrão tecnoestético é o elemento de geração de identidade com o consumidor público para determinado tipo de programa. Isso, por sinal, ajuda a entender o porquê da TV aberta e fechada ainda terem os maiores índices de expectativa de acompanhar o megaevento, pois a transmissão esportiva no Brasil está ligada a essas mídias – e conglomerados, em particular.
Essa possibilidade pode ter sido percebida pelo principal canal do YouTube, hoje, quando se fala em esportivas específicas. Inclusive, a menor queda por esta via pode considerar que a CazéTV enquanto transmissora de eventos esportivos se estabelece a partir da parceria com a agência de marketing e mídia esportiva LiveMode, no final de 2022. A transmissão dos Jogos de Verão 2024 deve consolidar um processo que se inicia com os campeonatos de futebol profissional e passa pelos Jogos Pan-Americanos do ano passado.
Uma estratégia recente interessante que a aproximação de um “canal de esportes” como Sportv e ESPN é a criação do canal CazéTV na SamsungTV Plus, com resultados consideráveis ??no início de trajetória – alcance médio diário de 70% alcançado no canal do YouTube (Tela Viva, 2024).
Isso reflete esse histórico de construção da identidade do esporte enquanto programa midiático no Brasil a partir da transmissão televisiva, além do crescimento da quantidade de pessoas que acompanham audiovisual de internet na TV no país – de 7% em 2014 para 55%, em 2022 ( NIC.BR, 2023).
Por fim, pensamos em considerar como nova categoria “outras plataformas gratuitas” principalmente como piratas piratas? Estas viraram alternativas para um momento de dispersão de direitos em plataformas pagas, que fariam com que as pessoas assinassem serviços diferentes para acompanhar a “diversidade” de oferta esportiva, como discute Fernandes (2023).
Ainda que as Olimpíadas de 2024 tenham vários eventos com transmissão de acesso gratuito, é algo que uma pesquisa sobre consumo audiovisual de programas esportivos ao vivo precisa considerar.
Considerações finais
Como costumo apontar nos meus espaços neste site há algum tempo (Santos, 2019; 2022), é importante observar o mercado de transmissões esportivas com as novas possibilidades de tecnologias digitais de informação e comunicação com a devida ponderação.
Passamos com certa euforia por outras formas de transmissão, do Atletiba por YouTube e Facebook em 2017 até a fase atual, com a CazéTV. Esta, por sinal, reflete o cuidado neste mercado ao dar passos que mostram preocupações devidas para a construção da identidade de transmissor de esporte não só na faixa etária mais nova ou naquela que tem como preferência o entretenimento.
Do lado das mídias tradicionais, especialmente o caso da TV aberta, esta ainda conta com uma maior presença nos lares brasileiros (NIC.BR, 2023), o sinal segue mais ágil que na internet e percebe-se uma migração para, no momento de tranquilidade, acompanhar audiovisual de internet cada vez mais nas TVs (conectadas).
Da expectativa à realidade, os Jogos Olímpicos de Verão Paris 2024 trarão observações muito interessantes para quem pesquisa transmissão esportiva ao podermos contar com o potencial histórico do Grupo Globo na exibição de esportes; assim como com o agente em crescimento, a CazéTV.
Referências
BOLAÑO, C.; BASTOS, M. D. Um pensamento materialista em Comunicação. In: BIANCO, N. R. D.; LOPES, R. S. (Orgs.). O campo da comunicação: epistemologia e contribuições científicas. São Paulo: Socicom Livros, 2020. p. 165-187.
BRITTOS, V. C.; ROSA, A. M. O. Padrão tecno-estético: hegemonia e alternativas. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL, 11., 2010, Novo Hamburgo. Anais do Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul. São Paulo: Intercom, 2010.
FERNANDES, I. V. Plataformização e pirataria: os dilemas das transmissões de futebóis no Brasil. Ludopédio, São Paulo, v. 176, n. 26, 2024.
FIGUEIREDO SOBRINHO, C. P. de; SANTOS, A. D. G. dos. Do jornalismo esportivo ao infotretenimento: o caso do contrato entre Neymar Jr. e Globo como paradigma. Comunicação Mídia e Consumo, v. 17, n. 49, p. 322–343, 2020. DOI: 10.18568/cmc.v17i49.2019.
GLOBO GENTE. Sobre. Disponível em: https://gente.globo.com/sobre/. Acesso em: 31 maio 2024.
NIC.BR. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC Domicílios 2022. São Paulo: Comitê Gestor de Internet no Brasil, 2023. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20230825143720/tic_domicilios_2022_livro_eletronico.pdf. Acesso em: 31 maio 2024.
PRADO, G. et al . Um mergulho nos Jogos Olímpicos de Paris 2024: As percepções e expectativas dos brasileiros para o maior evento esportivo do ano. Globo Gente , Rio de Janeiro, 25 mar. 2024. Disponível em: https://gente.globo.com/infografico-um-mergulho-nos-jogos-olimpicos-de-paris-2024/ . Acesso em: 31 de maio de 2024.
SANTOS, Anderson. Atualização sobre o mercado de atualizações de futebol no Brasil. LEME , Rio de Janeiro, 17 out. 2019. Disponível em: https://www.leme.uerj.br/atualizacao-sobre-o-mercado-de-transmissoes-de-futebol-no-brasil/ . Acesso em: 31 de maio de 2024.
SANTOS, Anderson. Qual o estágio do progresso do futebol no Brasil? LEME , Rio de Janeiro, 16 nov. 2022. Disponível em: https://www.leme.uerj.br/2019/10/17/qual-o-estagio-das-transmissoes-de-futebol-no-brasil/ . Acesso em: 31 de maio de 2024.
SOARES, L.; VITAL, M. Olimpíadas: paixão brasileira por torcer: A pandemia adiou os Jogos Olímpicos, mas não prejudica a expectativa dos brasileiros em disputar o pódio e acompanhar a competição. Globo Gente , Rio de Janeiro, 23 out. 2020. Disponível em: https://gente.globo.com/olimpiadas-paixao-brasileira-por-torcer/ . Acesso em: 31 de maio de 2024.
TELA VIVA. A audiência da CazéTV aumenta após entrada na Samsung TV Plus. Tela Viva , São Paulo, 29 maio 2024. Disponível em: https://telaviva.com.br/29/05/2024/audiencia-da-cazetv-aumenta-apos-entrada-na-samsung-tv-plus/ . Acesso em: 31 de maio de 2024.
TELLES, M. O “Padrão Globo de Jornalismo Esportivo” dez anos depois: problematizando um consenso. FuLiA , Belo Horizonte/MG, Brasil, v. 1, pág. 96–118, 2021. DOI: 10.35699/2526-4494.2020.29581.